Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Ao consultar obras de referência, verifico uma oscilação na regência de adornar. Pergunta: devemos escrever «A cama está adornada com veludo», ou «A cama está adornada de veludo»?

Muito obrigado, e parabéns pelo vosso trabalho.

Resposta:

O caso em questão apresenta oscilações que decorrem da sintaxe frásica.

A frase em questão apresenta uma construção passiva que inclui um verbo – adornar – que permite dois esquemas na voz ativa: (i) alguém adorna alguma coisa com alguma coisa; (ii) alguma coisa adorna alguma coisa.

As passivas correspondentes são: (iii) alguma coisa é/foi/está adornada (por alguém) com alguma coisa; (iv) alguma coisa é/foi/está adornada por alguma coisa. Na passiva em (iii), o constituinte «com alguma coisa» tem valor instrumental e, portanto, ocorre introduzido pela preposição com (cf. «decorei a árvore com bolas de Natal»), o que legitima «a cama está adornada com veludo» (na frase, omite-se o agente da passiva, sobretudo se a passiva for de estado ou de resultado: «X está adornado com Y»). Em (iv), figura a preposição por, a qual introduz o agente da passiva [cf. uso ilustrado por (ii)] – não é propriamente um uso preposicional classificável como regência]. Note-se que a preposição por pode ser substituída pela preposição de na passiva.

Em suma, as oscilações que se apontam na pergunta decorrem mais das preposições que introduzem certos grupos frásicos do que de preposições que sejam selecionadas pelo verbo adornar e pelo seu particípio passado adornado.

Pergunta:

Como se deverá escrever: «rio Tejo», ou «Rio Tejo»? «Ribeira das Vinhas», com maiúscula inicial em ribeira, ou «ribeira das Vinhas»?

Resposta:

Desde os anos 40 do século passado, os «substantivos que significam acidentes geográficos, tais como arquipélago, baía, cabo, ilha, lago, mar, monte, península, rio, serra, vale [...]» são escritos com minúscula inicial, «quando seguidos de designações que os especificam toponimicamente» (Rebelo Gonçalves, Tratado de Ortografia da Língua Portuguesa, Coimbra, Atlântida Editora, 1947, p. 337).1 Este critério ainda é válido: muito embora o Acordo Ortográfico de 1990 (AO 90) seja omisso a respeito do procedimento a adotar com este tipo de substantivos, verifica-se que, na bibliografia linguística mais recente, se recomenda a minúscula inicial nesse tipo de palavras. Com efeito, a Gramática do Português (Fundação Calouste Gulbenkian, 2013, p. 1020), considerando que não existe regra fixa, propõe que, como convenção, os nomes a que chama «classificadores toponímicos» – os quais são o mesmo que «substantivos que significam acidentes geográficos», conforme a denominação cunhada por R. Gonçalves – se grafem com minúscula inicial quando fazem parte de nomes de rios. Sendo assim, «o Tejo» é equivalente a «o rio Tejo», no qual a palavra rio figura com minúscula inicial. Não haverá, portanto, regra fixa, no quadro do AO 90, mas afigura-se legítimo que, por enquanto, se recorra aos crit...

Pergunta:

Qual a origem do termo desaguisado?

Resposta:

No sentido de «desavença», «desinteligência», desaguisado é um substantivo analisável como conversão do particípio passado de desaguisar, verbo que, por sua vez, deriva de aguisar ou guisar, na aceção de «preparar» (cf. Dicionário Houaiss). Guisar deriva de guisa, substantivo com a seguinte etimologia: «germânico *wisa, "modo, maneira"; José Pedro Machado menciona o latim popular *guisa, de origem germânica» (idem). Note-se que desaguisado é palavra que se atesta desde o século XIII (idem).

Pergunta:

Gostaria de saber se a expressão «como assim» seguida de um complemento deve ter vírgula. Por exemplo: «como assim você não quer?», «como assim ele caiu?», «como assim azul? Eu achei que era verde».

Deve haver vírgula após «como assim»?

Obrigada!

Resposta:

Não disponho de fontes que deem parecer sobre o uso escrito de «como assim», mas considero que é de recomendar a vírgula, porque, embora seja um marcador discursivo frequentemente usado sozinho, figura como uma unidade justaposta, sem relação clara sintática com outros constituintes, caso ocorra inserido numa frase.

Tendo em conta que «como assim» indica que o falante não entendeu ou não aceita o conteúdo de um enunciado anterior, pode propor-se o seguinte contexto de ocorrência:

(1) – Ele caiu.
     – Como assim?

O contexto (1) pode também incluir na resposta a retoma do enunciado que motiva a interrogação – podendo esta retoma ficar separada por vírgula:

(2) – Ele caiu.

     – Como assim, ele caiu?

Observe-se, no entanto, que o que aqui se aconselha não é necessariamente seguido na prática. Por exemplo, uma consulta da Folha de São Paulo mostra que é possível usar «como assim» sem vírgula seguido da repetição do enunciado [transpondo isto para o exemplo (2), teríamos «como assim ele caiu?»]. Não se trata, portanto, de um caso a que se aplique uma norma rígida.

Assinale-se que a expressão «como assim» é típica do português do Brasil. Em Portugal, é conhecida, mas os falantes não parecem usá-la frequentemente.

* Segundo o Dicionário de Usos do Português do Brasil (São Paulo, Editora Ática, 20...

Pergunta:

Eu trabalho em laboratório de análises clínicas no setor de microbiologia. Corriqueiramente utilizo uma técnica para coloração de bactérias, denominada Gram em homenagem ao seu descobridor – Hans Christian Joachim Gram (1853-1938).

Após o processo de coloração os microrganismos são chamados "gram-positivo(s)" ou "gram-negativo(s)" dependendo da coloração que adquirem. Tenho dúvidas em como utilizar corretamente a palavra Gram:

• É necessário escrevê-la com letra maiúscula, ou pode ser com letra minúscula quando no meio do texto?

• O correto é escrever "Gram-positivo" (com hífen), ou "Gram positivo" (sem hífen)?

• Os microrganismos apresentam várias formas (cocos, bacilos) que são combinados com o resultado da coloração de Gram para descrevê-los. Para pluralizar “bacilo Gram-positivo”, qual a maneira correta, “bacilos Gram-positivo”, ou “bacilos Gram-positivos”?

Resposta:

As fontes brasileiras consultadas* apontam como grafias recomendáveis as que têm inicial maiúscula: Gram-negativo, Gram-positivo. No entanto, fontes portuguesas** registam estes adjetivos com minúscula inicial, sem indicação de que a maiúscula seja aconselhável. Comum a toda a bibliografia de apoio é a hifenização das formas adjetivais em causa, cujos plurais são Gram-negativos e Gram-positivos – ou gram-negativos e gram-positivos. Diga-se e escreva-se, portanto, «bacilos Gram-positivos»/«bacilos gram-positivos».

* Fontes: Dicionário Houaiss e Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa da Academia Brasileira de Letras.

** Vocabulário Ortográfico da Porto Editora, na Infopédia, e Vocabulário Ortográfico do Português. Ver também o Dicionário Priberam da Língua Portuguesa.