Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Tropeçando há dias num artigo de opinião intitulado "Os efeitos da Turistificação de Lisboa" (jornal Público, 25/11/2016), e como o encontrei dicionarizado, pergunto: "turistificação" está bem formado? E, se sim, então também é aceitável o verbo "turistificar"? Agradeço um comentário a mais este(s) termo(s) do... "turistiquês" .

P.S. — No mesmo artigo vinha outra palavra, "gentrificação" que, confesso, também desconhecia de todo.

Resposta:

O substantivo turistificação está bem formado. Tem por base de derivação o tema verbal turistifica-, do verbo turistificar, interpretável como «processo de transformar um lugar, um bairro, uma cidade ou um país em atração turística». Este verbo forma-se regulamente de turist-, radical de turista, tal como de coisa se forma coisificar ou de estúpido se deriva estupidificar (cf. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa).

Quanto a gentrificação, é palavra que significa « processo de transformação e valorização imobiliária de uma zona urbana, que acarreta a substituição do tecido socioeconómico existente (geralmente constituído por populações envelhecidas e com pouco poder de compra, comércio tradicional, etc.) por outro mais abastado e sem condutas de pertença ao lugar» (Dicionário de língua portuguesa da Porto Editora, disponível na Infopédia; consultar também o Dicionário Priberam da Língua Portuguesa). Na mesma perspetiva que turistificação, é palavra bem formada que pressupõe o verbo gentrificar (ver Porto Editora),  que é o aportuguesamento do inglês to gentrify, que significa literalmente «enobrecer», mas que denota o processo de renovar uma casa ou um bairro para os conformar ao gosto mais burguês. O verbo inglês deriva do substan...

Pergunta:

Para mim, estaria claro que o significado de temporão seria o oposto de serôdio e até está já contemplado numa resposta que o confirma com o sentido que lhes atribuo. Poderiam assim ambos ser considerados como hipónimos do hiperónimo extemporâneo?

No entanto, ao consultar a primeira palavra numa edição do dicionário Houaiss de 2003, da Temas e Debates, que me foi oferecida há alguns anos, encontro serôdio simultaneamente como sinónimo/variante e como antónimo («... SIN/VAR como adj. atrasado, serôdio, ...ANT. como adj. adiantado, antecipado, precoce, prematuro, serôdio...») . Pareceria uma troca entre as duas entradas não fosse o elemento comum. Segundo erro?

Isto trouxe-me à memória uma referência, numa tertúlia televisiva que julgo ter sido ainda anterior à referida oferta, em que alguém da área de letras (uma senhora, que não nomeio porque não estou certo de quem seria), dizia recusar-se a recorrer à edição portuguesa, preferindo a original brasileira, por aquela estar de algum modo adulterada. Poderá ser o caso?

Resposta:

O que se descreve na questão também se observa nas edições brasileiras do Dicionário Houaiss.

Trata-se efetivamente de uma imprecisão: na verdade, temporão e serôdio são sinónimos na medida em que significam, tal como extemporâneo, «que ocorre fora de tempo». Não obstante esse núcleo semântico comum, contrastam relativamente à posição que marcam relativamente a um ponto tomado como coordenada temporal – nesta perspetiva, até são antónimos: temporão é «fora de tempo, porque ocorre antes do esperado», enquanto serôdio é «fora do tempo, porque ocorre mais tarde do que é esperado».

Pergunta:

É cada vez mais comum eu ler e ouvir frases como a seguinte: «Se não chego a tempo, tu morrias».

O facto de o verbo chegar se encontrar no presente tem algum fundamento? Ou é apenas um recurso informal/coloquial?

Tenho de vos agradecer, uma vez mais, o vosso excelente trabalho. Parabéns.

Resposta:

É uma variação que ocorre nas chamadas orações condicionais «em que a condição é irrealizável ou hipotética» (Celso Cunha e Lindley Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, Lisboa, Edições João Sá da Costa, 1984, pág. 469). Por enquanto, só parece aceitável na oralidade informal – ler aqui. No entanto, podem encontrar-se argumentos para a considerar correta. Também se observa (e não é de agora) o uso do pretérito perfeito composto em lugar do mais-que-perfeito na oração condicional:

1.  Se eu não tenho chegado a tempo, tu tinhas/terias morrido.

Em todo o caso, no discurso formal, recomenda-se a sequencialização dos tempos verbais conforme as condicionais canónicas, ou seja, tal como se exemplifica a seguir:

2. «Se eu não chegasse a tempo, tu morrerias.» [ou «morrias»]

3. «Se eu não tivesse chegado a tempo, tu terias morrido.» [ou «tinhas morrido»]

Agradecem-se as palavras finais que o consulente dirige ao Ciberdúvidas.

Pergunta:

Vejo nos manuais que a forma correta é: «em frente de».

Eu moro em frente dos correios.

Eu sento-me em frente da minha mãe.

No entanto, eu oiço diariamente «em frente a»:

Eu moro em frente aos correios.

Eu sento-me em frente à minha mãe.

É aceitável dizer «em frente a», ou devo evitar o usar a locução «em frente de»?

Resposta:

As locuções «em frente de» e «em frente a» estão corretas, são sinónimas e significam o mesmo que «diante de» (cf. Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, da Academia das Ciências de Lisboa).

Pergunta:

Qual o significado da expressão «em meio a», quais seus sinónimos, e como deve ser usado ?

Resposta:

Significa o mesmo que, «por um lado», «no meio de», «tendo ao redor», e, ainda, «durante» (cf. Dicionário UNESP do Português Contemporâneo, 2004; exemplos desta fonte):

1.« Em meio a tanta traição, já não sei quem é meu amigo. [= «tendo ao redor»]»

2. «Em meio à discussão, um dos contendores deixou a discussão. [= «durante»]»

A locução prepositiva «em meio a» é, portanto, usada em sentido espacial como acontece em 1, ou denotando tempo, à semelhança da frase 2.