Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Qual a década da introdução do ioiô em Portugal?

Resposta:

No Ciberdúvidas, esclarecem-se questões sobre língua, e não sobre história geral. No entanto, falando de objetos e artefactos, é inevitável associar a história destes com a das suas denominações. É o caso do nome deste brinquedo.

Convém, portanto, dizer que a palavra ioió ou ioiô é adaptação do anglicismo yo-yo, difundido a partir de 1932 (cf. em inglês o sítio Online Etymology Dictionary). A palavra deve ter sido introduzida em português pouco depois, atendendo à observação de José Pedro Machado no seu Grande Dicionário da Língua Portuguesa (1981), que a regista sob a forma "io-iô", hoje não aceite (manteve-se a ortografia do original):

«Iô-iô, s.m. Distracção que estava em moda em 1932 e 1933 e que consiste num disco, com funda ranhura no aro, atravessado por um cordel que se enrola nessa ranhura e faz subir o disco até à mão de quem segura o cordel, e assim desce e sobe alternadamente.»

O Dicionário Houaiss indica que, no Brasil, este vocábulo está dicionarizado, pelo menos, desde a 3.ª edição do Pequeno Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa, publicada no Rio de Janeiro em 1942.

Atualmente, escreve-se ioió ou ioiô. Há dicionários que consideram que a segunda forma é brasileira, mas esta é a que há muito se emprega também na região de Lisboa.

Pergunta:

Qual a origem do sobrenome/apelido Picareta?

Resposta:

Supõe-se que este apelido (no Brasil, sobrenome) tenha origem numa alcunha, conforme sugere o Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa de José Pedro Machado. O Tratado das Alcunhas Alentejanas (Edições Colibri, 2003), de Francisco Martins Ramos e Carlos Alberto Silva, regista Picareto e Picareta, alcunhas que podem referir-se ao ofício (p. ex., agricultor ou pedreiro) da pessoa assim nomeada, mas também pode ser uma metáfora por «grande nariz».

Observe-se que picareta, como nome comum, designa geralmente um «instrumento com cabo de madeira encavado numa peça de ferro que termina com duas pontas aguçadas, utilizado para escavar terrenos duros e pedregosos» (dicionário da Academia das Ciências de Lisboa s. v. picareta). Mas a palavra também se emprega em referência a uma «estalactite de gelo» e, como termo popular, a um «chapéu de palha para homem»; além disso, ainda popularmente, é o mesmo que «nariz grande e recurvo» (idem). Finalmente, no Brasil, diz-se picareta acerca da «[...] pessoa aproveitadora, que utiliza meios condenáveis para obter o que deseja» (Dicionário Houaiss).

Em suma, o vocábulo tem aceções que se desenvolveram provavelmente como metáforas e que se prestam a convertê-lo em alcunha.

Pergunta:

Vivo na Dinamarca há 45 anos. Agora com o Acordo Ortográfico como é que pronuncia a palavra afetado, na frase «as plantas são afetadas pelo tempo»?

Obrigado

Resposta:

A palavra é pronunciada exatamente como se lia a grafia anterior (afectado), ou seja, com e aberto em sílaba átona: afetado = "afètado". Dito de outra maneira: as palavras que, por aplicação do Acordo Ortográfico de 1990, (AO 90), perderam as letras mudas c e p não sofrem qualquer alteração fonética por efeito dessa supressão gráfica, o que significa que casos como os de afetado, adotado ou conceção, que antes se escreviam, respetivamente, afectado, adoptado e concepção, mantêm abertos o e e o que ocorrem em sílaba átona ("afètado", "adòtado", "concèção").

No quadro do Acordo Ortográfico de 1945 (AO 45), as consoantes "mudas" c e p, que ocorriam sem serem proferidas em sequências consonânticas (afectado, adoptado), geralmente indicavam a abertura das vogais átonas precedentes.1 Com o AO 90, suprimem-se esses grafemas sem alteração fonética: afectado > afectado > afetado [ɐfɛtˈadu]; adoptar > adoptar > adotado [ɐdɔtˈadu] (cf. Vocabulário Ortográfico do Português do

Pergunta:

Gostava de saber a origem deste fenómeno que tenho reparado que acontece no norte de Portugal com o som nasal "em", antes de uma vogal.

Exemplos: "Quenhé?" («quem é?»); "benhalto" («bem alto?»); "tambenhaparecem" («também aparecem»).

Em Lisboa, o som nasal pronuncia-se "ãe" a rimar com mãe.

Obrigado.

Resposta:

Entre falantes do norte de Portugal, a terminação gráfica -em pode corresponder aos ditongos [ɐ̃j̃]1 ou [ẽj̃]. No contexto da dialetologia da primeira metade do século XX, há registos de esse ditongo ter um apêndice consonântico nasal velar – [ŋ]2 – que, na ligação de palavras, faz com que as sequências apresentadas soem como «queiŋ é», «beiŋ alto», «tambeiŋ aparecem». Note também que a nasal pode também ocorrer a travar o ditongo representado por <-am> e <ão>, ou melhor, "õu", cuja transcrição fonética é [õw̃], realização que se mantém entre alguns falantes nortenhos: «o meu coraçõuŋ é teu». O mesmo pode ou poderia ainda acontecer com <ã>: «manhãŋ azul».

Considerando a descrição do consulente, é possível que certas realizações do ditongo [ɐ̃j̃] ou [ẽj̃] incluam <nh>, isto é, se efetuem com consoante nasal palatal – o segmento representado por <nh> em ninho, cujo símbolo fonético é [ɲ]: «queinh é», «beinh alto», «tambeinh aparecem».3 Note-se, porém, que, para elaboração desta resposta, não se achou bibliografia que registe esta realização.

1 No português de Lisboa e no português-padrão, as sequências gráficas -em e -ãe correspondem ao mesmo ditongo nasal: homem = [ˈɔm′ɐ̃j̃]; mãe = [mɐ̃j̃]. Esta neutralização do contraste entre os ditongos

Pergunta:

Poderá chamar-se de “cacicado” a uma comunidade, mais ou menos organizada, chefiada por um cacique? Haverá outro nome?

Resposta:

A palavra cacicado ocorre em textos científicos brasileiros da área da antropologia e da etnografia no sentido que é indicado na pergunta. É vocábulo legítimo, visto derivar regularmente de cacique. Também se encontra registado no dicionário Aulete Digital como termo especializado da antropologia aplicável a um tipo de sociedade cujo nível de integração sociopolítica a situa entre a tribo e o Estado. Dado pertencer a um discurso especializado, não se identificam sinónimos de cacicado, mas o termo genérico sociedade pode por vezes aparecer em seu lugar

Por cacique, entende-se geralmente o chefe de uma comunidade ameríndia; é, portanto, uma palavra sinónima de «chefe indígena», manda-chuva e morubixaba (cf. Dicionário Houaiss). É vocábulo transmitido ao português por via do castelhano, que o tomou do taino, língua falada na ilha Hispaniola ou de S. Domingos à data da conquista espanhola, no que é hoje o Haiti e a República Domicana. Diz-se que tem origem na forma kassiquan, «guardar casa» (cf. Wikipédia ...