Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Assim como temos herbal, herbáceo, herbolário, herbi-, herbicida, é correcto utilizar "herba" em vez de erva?

Resposta:

Não se usa "herba", apenas se emprega erva.

Quando se trata de palavras cultas ou eruditas relacionadas com a raiz de erva, recorre-se geralmente à forma que tal raiz tinha em latim clássico – daí herb- –, embora também seja possível empregar palavras com a forma radical portuguesa, que é erv-. Esta situação explica a existência de formas duplas em variação como herbário e ervário («coleção de plantas dessecadas»), ou herbanário e ervanário («loja onde se vendem plantas medicinais»). Contudo, quando se trata de designar a planta, usa-se apenas o nome tradicional erva, que evoluiu do latim vulgar herba (cf. Dicionário Houaiss), isto é, que se fixou em português por via popular.

Relembre-se que a expressão «via popular» (cf. Nomenclatura Gramatical Portugal, 1967) se refere ao processo geralmente lento de transmissão e evolução das palavras do latim vulgar ao português, do fim da Antiguidade à Idade Média, de acordo com um conjunto de mudanças regulares: por exemplo, o latim PLANU- deu chão, sobretudo pela passagem de PL- a ch- (palatalização) e por queda do -N- intervocálico. O termo «via erudita» (cf. idem) aplica-se ao aportuguesamento de palavras do latim clássico (às vezes, também do latim eclesiástico), as quais foram introduzidas em número elevado sobretudo nos séculos XVI a XVIII por ação de eruditos e escritores; este foi o tipo de transmissão que levou de PLANUS, -A, -UM a plano e plan...

Pergunta:

Há pessoas que utilizam erradamente a expressão «que deslocaram-se», em vez de «que se deslocaram». Por que motivo não se deve usar a primeira expressão?

Resposta:

A sequência correta no português de Portugal é efetivamente «que se deslocaram mais cedo», e não «que deslocaram-se».

Considera-se que a palavra que – a qual pode ser um pronome relativo ou uma conjunção subordinativa –, a par de outras classes e subclasses de palavras em posição pré-verbal, atrai sempre os pronomes átonos, pondo-os a preceder os tempos simples dos verbos (diz-se que estão em próclise)*:

1. «Há pessoas que se deslocaram mais cedo.»

A sequência «que se deslocaram mais cedo», em 1, é uma oração subordinada adjetiva relativa restritiva que modifica «pessoa», que é seu antecedente**. Que é um pronome relativo.

2. «Declararam que se deslocaram mais tarde.»

Em 2, a sequência «que se deslocaram mais tarde» é uma oração subordinada substantiva completiva, sendo o complemento direto da forma verbal «disseram»**. Que é uma conjunção subordinativa completiva.

3. «O tempo estava tão bom, que todos os habitantes se deslocaram de automóvel até à praia.»

A sequência «que todos os habitantes se deslocaram de automóvel até à praia» no exemplo 3 constitui uma

Pergunta:

"Vídeo-árbitro", "vídeoárbitro", ou "vídeo árbitro"?

Resposta:

Escreve-se videoárbitro, sem hífen, porque, apesar de video- acabar em vogal e a palavra prefixada (árbitro) começar também por vogal, sucede que esta é uma vogal diferente.

Os prefixos e falsos prefixos terminados em vogal aglutinam-se sem hífen a palavras começadas por vogal diferente, conforme o disposto na Base XVI do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa

«2 [...] b) Nas formações em que o prefixo ou pseudoprefixo termina em vogal e o segundo elemento começa por vogal diferente, prática esta em geral já adotada também para os termos técnicos e científicos. Assim: antiaéreo, coeducaçao, extraescolar, aeroespacial, autoestrada, autoaprendizagem, agroindustrial, hidroelétrico, plurianual1

Por outras palavras, produzindo-se o encontro de vogais diferentes, não ocorre hífen na palavra, tal como se ao prefixo se seguisse um elemento começado por consoante (cf. videoconferência, videotransmissão).2

1 Antes da aplicação do Acordo Ortográfico vigente, já se aplicava esta regra na escrita de video- como elemento prefixal (cf. videoalarme na 1.ª edição do Dicionário Houaiss, de 2001).

2 Depois de prefixo terminado em vogal,  dobram-se as consoantes r e s. Por exemplo: 

Pergunta:

 [Atualmente chamada Frente Fatah al-Sham], [escreve-se] «Frente "al-Nusra"» ou «Frente "al-Nosra"»?

Os anglo-saxónicos usam com u, os francófonos com o.

Resposta:

Recomenda-se Frente al-Nusra.

Em relação ao nome desta milícia islâmica que opera na Síria1 ou a qualquer outro nome ou palavra árabes, muito depende do sistema de transcrição. Dado que o árabe tem apenas três timbres vocálicos – /a/, /i/ e /u/, os quais podem corresponder a segmentos longos ou breves e ter cambiantes fonéticas em função dos contextos –, a transcrição usada2 em textos em inglês acaba por estar mais de acordo com alguns sistemas de transliteração/transcrição usados em português, como o apresentado por José Pedro Machado, no Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa (1987, pág. 9), ou o adotado por Adalberto Alves, no Dicionário de Arabismos da Língua Portuguesa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2013). Nestes sistemas apenas se consideram as letras a, i e u, para representação das vogais árabes3. A forma al-Nusra afigura-se, portanto, preferível.

1 Depois de julho de 2016, passou a ser denominada Frente al-Sham ou al-Cham, conforme informação da Wikipédia. Ainda segundo esta fonte, é também conhecida como Alcaida do Levante, entendendo-se por Levante a costa asiática compreendida entre a Turquia e a península do Sinai, no Egito.

...

Pergunta:

Tenho algumas dúvidas sobre a natureza e as funções sintáticas associadas a uma frase passiva de se. Por exemplo, na frase «vendem-se casas», que é equivalente a «casas são vendidas (por alguém)», gostaria que me confirmassem que se trata efetivamente de uma frase passiva. Além disso, qual a função sintática do constituinte «casa»" – é que na frase equivalente é o sujeito, certo? Nesse caso, tem a mesma função?

Obrigado e um grande bem-haja pelo vosso precioso trabalho.

Resposta:

«Vendem-se casas» é uma frase passiva que, em certas gramáticas, é designada como construção passiva sintética, equivalente à construção passiva convencional («casas são vendidas»). Neste tipo de construção, um verbo transitivo – vender, como é o caso – ocorre na conjugação pronominal reflexa e tem por sujeito a expressão que marca o paciente da ação: no caso de «vendem-se casas», o sujeito é, portanto, «casas». O se é chamado pronome apassivante ou partícula apassivante.

Com verbos transitivos, isto é, verbos como vender, que selecionam um complemento direto («vender/construir/imaginar alguma coisa»), também se aceita que o pronome se marque um sujeito indeterminado, com o mesmo valor que alguém. Nesta situação, o verbo concorda no singular e a expressão nominal que lhe apareça associado é um complemento direto: «vende-se casas». Como já se tem dito muitas vezes no Ciberdúvidas (ver Textos relacionados), os gramáticos mais conservadores não aprovam esta construção. Não obstante, o se indeterminado é totalmente aceite quando se trata de verbos intransitivos: «Por aqui chega-se mais depressa»; «aqui nada-se sem perigo».