Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Gostaria que me esclarecessem a seguinte dúvida: como devo escrever a palavra "coxofemoral", ou "coxo-femoral"? Já a vi escrita das duas maneiras e não consigo perceber qual delas é a correta.

Obrigado.

Resposta:

A palavra mantém a grafia de antes: coxofemoral  – cf. Vocabulário Ortográfico do Português  e Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora.

No quadro da aplicação do Acordo Ortográfico de 1990 (AO 90), os radicais de composição são tratados como os prefixos, isto é, seguem o disposto nos n.os 12 da Base XVI. Sendo assim, os radicais terminados em vogal (como é o caso de coxo- ou cardio-), aglutinam-se sem hífen ao elemento seguinte, se este começar por consoante (coxofemoral) ou por vogal diferente (cardioangeologia). Quando o segundo elemento começa por r ou s, dobram-se estas letras: cardiorrespiratório, cardiossínfise. Os prefixos e radicais com vogal final só se usam com hífen, quando se segue um segundo elemento de composição que começa com vogal idêntica ou h: micro

Pergunta:

Li que o nome da vila de Marvão é de origem germânica.

Qual é a vossa opinião?

Resposta:

A hipótese mais plausível é a de uma origem árabe.

José Pedro Machado, no Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, baseia-se no grande arabista português David Lopes (1867-1942), para relacionar este topónimo com o antropónimo árabe maruān, que diz ser muito frequente: «por exemplo, foi nome de um dos antepassados dos reis omíadas de Córdova; recorde-se também Maruan al-Jiliki, originário do norte de Portugal, muladi1, governador de Mérida, no temo de Abd ar-Rahman II; seu filho Ibn Maruan foi caudilho revoltado contra Córdova, aliado de Afonso III e senhor de Badajoz e regiões vizinhas do lado hoje português [...].»

O arabista espanhol Elias Terés ("Antroponimia Hispanoárabe – Reflejada por las fuentes latino-romances (Parte final)", Anaquel de Estudios Árabes, III, 1992, pp. 25/26), observa que o referido nome árabe (transcrito marwān) tem etimologia obscura e que, na Idade Média, apesar de ter caído em desuso na onomástica islâmica, continuou a ser empregado na Península Ibérica, onde deu origem a numerosos topónimos, entre eles, o da vila alentejana em apreço.

1 Muladi, «muçulmano de origem hispânica», é a adaptação do árabe hispânico mualladín, plu...

Pergunta:

Estou aqui a estudar o Memorial do Convento [de José Saramago] e deparei-me com a expressão «porque pagamos com língua de palmo e a vida palmo a palmo».

Alguém poderia ter a gentileza de me ajudar a descodificar tais palavras?

Resposta:

Como já aqui se disse, «pagar com língua de palmo» é uma expressão popular que significa «saldar uma dívida com grande sacrifício» e «ser castigado com grande severidade e rigor» (ver também António Nogueira Santos, Novos Dicionários de Expressões Idiomáticas – Português, Lisboa, Edições João Sá da Costa, 2006). Já «palmo a palmo» significa «gradualmente, pouco a pouco, com grande esforço, com persistência» (idem, ibidem).

Como convém contextualizar o uso das expressões idiomáticas, transcreva-se a passagem onde elas figuram e se entendem melhor:

«[...] de mercadores falamos, que nunca mandam vir eles próprios as mercadorias das outras nações, antes se contentam com comprá-las aqui aos  estrangeiros que se forram da nossa simplicidade e forram com ela os cofres, comprando a preços que nem sabemos e vendendo a outros que sabemos bem de mais porque os pagamos com língua de palmo e a vida palmo a palmo.»

Trata-se de uma crítica do narrador de Memorial do Convento (capítulo VI) ao comportamento dos mercadores da Lisboa do século XVIII, que vendiam mercadorias de primeira necessidade a preços proibitivos («... pagamos com língua de palmo...»), a ponto de reduzirem a capacidade de subsistência da  população [«(pagamos com) a vida palmo a palmo»].

Pergunta:

Gostaria de saber se a palavra aquático pertence à família de palavras de água. Se sim, qual o processo de formação?

Obrigada.

Resposta:

Água e aquático pertencem à mesma família de palavras, mas, no contexto do funcionamento do português contemporâneo ou de outra fase anterior, não se considera que o segundo vocábulo seja formado a partir do primeiro.

Não obstante o adjetivo aquático ser da família de palavras de água, é necessário ter em conta que transitou do latim ao português por via erudita: aquatĭcus > aquático. É no âmbito do funcionamento do latim que o adjetivo aquatĭcus pode ser analisado como derivado, com base no  aquat- de aquātus, a, um, particípio passado do verbo aquāri («prover-se de água»); este, por sua vez, deriva de aqua, aquae, ou seja, «água».

Sem se impor o conhecimento da história de cada vocábulo para identificar uma família de palavras, a linguística contemporânea considera que é frequente um radical, um sufixo ou outros morfemas se apresentarem com mais de uma forma; será este, portanto, o caso da família de palavras de água, que inclui alguns membros cujo radical é aqu- (aquático, aquoso), e não agu- (aguadeiro). Chama-se a esta variação alomorfia e aos elementos que estão em variação alomorfes, como...

Pergunta:

Gostaria que me esclarecessem como se pronuncia o nome Lais. É de ressalvar que em Portugal o nome não apresenta qualquer acento (grave ou agudo, a letra i é simples).

Obrigada.

Resposta:

Em Portugal, o nome em questão pronuncia-se com o ditongo ai, conforme a grafia Lais, que é a que consta da lista de vocábulos admitidos e não admitidos como nomes nomes próprios do Instituto dos Registos e do Notariado. É também a forma tradicional, como se pode confirmar, pelo menos, no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (Academia das Ciências de Lisboa), de 1940, e no Vocabulário da Língua Portuguesa, de 1966 e da autoria de Rebelo Gonçalves. Contudo, no Brasil, a forma Laís e a variante Laiz estão registadas no Vocabulário Onomástico da Língua Portuguesa, que a Academia Brasileira de Letras publicou em 1999.

De acordo com a explicação de José Pedro Machado no seu Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa,  a forma Laís, com acento, constitui adaptação da sua correspondente em francês, Laïs.  Ainda segundo o mesmo autor, este antropónimo feminino tem origem no «grego Lais ("despojo") pelo latim Lāis, nome de duas célebres cortesãs de Corinto».