Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Gostaria de saber se a expressão «até a esse momento» é errada, devendo-se suprimir o a, ou se a utilização da locução, neste caso seguida pelo demonstrativo, é perfeitamente viável.

Agradeço e saúdo o vosso trabalho.

Resposta:

Recomenda-se «até esse momento», sem a preposição a.

A pergunta tem que ver com o uso de até no português de Portugal, em referência a um limite no espaço ou no tempo. Como se sabe, na referida variedade, emprega-se até com a preposição a – constituindo a locução prepositiva até a – antes de artigo definido (o, a, os, as): «até ao café», «até à véspera». A locução ocorre ainda com o possessivo, quando este é acompanhado do artigo definido, como acontece geralmente: «até à minha casa» («a minha»), «até ao meu aniversário» («o meu»). Antes de outros especificadores (determinantes, como os demonstrativos este ou esse, ou quantificadores, como todo)1, só aparece a preposição até: «até este/esse momento», «até este/esse instante», «até esta/essa data», «até todo o ano de 2017».

Dito isto, convém, no entanto, assinalar que se registam exemplos de até a com o artigo indefinido mesmo na escrita literária ou culta:

1. «No pendor do monte, coberto de carvalhos e de fragas musgosas, brota a fonte nomeada, que já em tempos de El-Rei D. João V curava males de entranhas – e que uma devota senhora de Corinde, D. Rosa Miranda Carneiro, mandou encanar desde o alto até a um tanque de mármore, onde agora corre beneficamente, por uma bica de bronze, sob a imagem e patrocínio de Santa Rosa de Lima» (Eça de Queirós, A Ilustre Casa de Ramires...

Pergunta:

Começo por saudar calorosamente a equipa do Ciberdúvidas, congratulando-a pelo excelente serviço que nos tem prestado ao longo destes anos.

Depois de várias pesquisas, verifiquei que existem teorias contraditórias sobre a origem do topónimo Tomar referente à cidade do distrito de Santarém. Sabendo da vasta experiência dos consultores deste portal, perguntar-vos-ia qual seria na vossa opinião a teoria mais credível, mais provável acerca da origem do nome desta linda cidade.

Resposta:

Agradecem-se as palavras de apreço dirigidas ao Ciberdúvidas.

A origem do topónimo Tomar é obscura.

Existe uma hipótese árabe. É a tese defendida por I. Xavier Fernandes (Topónimos e Gentílicos, vol. II, Porto, Editora Educação Nacional, 1943, pp. 213), autor que, seguindo as propostas de Pedro de Azevedo e de Arlindo Ribeiro da Cunha, defende que o topónimo Tomar se relaciona com a raiz de tomilho, «planta labiada, [que] era já conhecid[a] dos Gregos; mais tarde os Romanos trouxeram o nome para a Península (thymus, os Árabes nacionalizaram-no segundo a índole da sua língua e foi assim nacionalizado, isto é, arabizado, que deu a forma thomar ou, melhor, a nome próprio actual, Tomar» (manteve-se a ortografia original).

Para Joseph-Maria Piel ("Novos ensaios de toponímia ásture-galego-portuguesa", Revista Portuguesa de Filologia. Coimbra, 19, 1987–1991, pp. 1–26), o topónimo teria origem no fitónimo tomo (ou tomilho, o Thymus vulgaris dos botânicos), por via românica, e não árabe.

No dicionário de Topónimos da Porto Editora diz-se que «parece vir do baixo-latim [Villa] Theodemari, 'a quinta de Teodemaro', embora haja outras hipóteses menos convincentes».

Tudo isto contestou mais recentemente Jorge de Alarcão ("Notas de arqueologia, epigrafia e toponímia – VII", Revista Portuguesa de Arqueologia, vol. 18, 2015, pp. 152/153), que, observando que Tomar terá sido inicialmente o nome do rio que hoje se chama Nabão, sugere que o topónimo se relaciona com a forma pré-romana *tamaris, que é também a que está na origem do hidrónimo galego Tamb...

Pergunta:

Numa canção alentejana temos o seguinte refrão:

«Dançando, pulirando

brincando mais ele,

dançando, pulirando

brincando mais ela;

dançando, pulirando

brincando mais ele,

és uma rosa amarela.»

Esta canção de título Dançando, Pulirando está na Internet, em várias versões, desde a mais clássica à mais popular. Não encontro no dicionário o significado de "pulirando"!

Obrigado.

Resposta:

Não se encontra registo dicionarístico de um verbo com a forma pulirar. No entanto, é possível interpretá-lo como o mesmo que ««dar pequenos pulos ou saltos» e «saltitar»; e algumas das fontes consultadas acolhem pulicar e pulinhar, ambos significando «dar pequenos pulos», permitindo supor que pulirar é talvez outra possibilidade expressiva, derivada de pular e talvez motivada por verbos como delirar, girar ou virar. Se o verbo não tem emprego extensivo entre falantes do Baixo Alentejo, região onde a composição foi recolhida, é até possível pensar que pulirar é uma verbo criado apenas no contexto dessa canção. Outra hipótese é tratar-se de um verbo que somente ocorre em expressões idiomáticas, junto de certos verbos: «dançar e pulirar», «saltar e pulirar».

1 Foram consultados os seguintes dicionários gerais e vocabulários ortográficos: Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea da Academia das Ciências de Lisboa; Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora; Dicionário Priberam da Língua Portuguesa; Grande Dicionário da Língua Portuguesa de José Pedro Machado; Novo Dicionário da ...

Pergunta:

«A Sofia estuda todas as noites até à meia noite e a Rita estuda até à 1h.»

Na presença de duas orações ligadas pela conjunção coordenativa copulativa e, posso descrever a primeira oração como sendo a oração matriz, ou esse termo só pode ser usado na presença de uma oração subordinada?

Muito obrigada.

Resposta:

O termo «frase matriz», usado nos estudos linguísticos e na descrição gramatical, só se aplica em referência à subordinação. Não deve, portanto, ocorrer em referência à análise da coordenação.

O termo «frase matriz» é um termo que se aplica a toda a frase em que se encaixa uma oração subordinada, conforme explicam João Andrade Peres e Telmo Móia, em Áreas Críticas da Língua Portuguesa (Lisboa, Editorial Caminho, 1995, pág. 24):

«[...] as orações subordinadas são parte integrante da frase total, onde parecem "encaixadas". Recorrendo a terminologia também corrente, usaremos a designação de frase matriz para as frases tomadas na sua totalidade [...].»

Compreende-se assim que, por exemplo, uma oração subordinada dependa de uma frase ou oração matriz (ou principal ou superior) ou de um seu elemento. Por exemplo, nas frases que seguem:

1. O rapaz disse que comeu um bolo.

2. Encontrei o rapaz que comeu o bolo.

3. Fiquei espantado, quando o rapaz comeu o bolo.

Em 1, a frase matriz é toda a sequência frásica «o rapaz disse que comeu um bolo», a qual inclui o elemento (o verbo subordinante) de que depende a sequência «que comeu um bolo», que é uma oração subordinada substantiva completiva.

Em 2, a frase matriz também coincide com toda a sequência que a constitui, sendo «r...

Pergunta:

Qual é o significado de “arava”? Aquilino Ribeiro diz-nos «que é uma fruta que anda aos pontapés» e localiza-a no Brasil. Portanto, fáceis de encontrar; e, contudo, ao consultar vários dicionários, são todos omissos.

Que tipo de fruta é? Qual o seu nome científico? Os nomes populares? A etimologia? Qual a grafia correcta?

Junto envio breve citação em que consta o verbete "arava":

«A bruaca era a bolsa de coiro em que no Coxipó tínhamos o nosso tesouro. É onde o sertanejo mete tudo, os haveres, as bananas e até a arava madura, que é uma fruta que anda aos pontapés. Mas bruaca que é dela? O Leôncio procurou-a por toda a parte inutilmente.

– Pergunta à Maturina...»

Quando os Lobos Uivam, p. 179

Grato pela atenção dispensada.

Resposta:

Em dicionários e enciclopédias, não foi possível encontrar registo de arava nem como designação de árvore ou fruto, nem como denominação de qualquer outra realidade.

Parece tratar-se de um substantivo que apenas ocorre em Quando os Os Lobos Uivam, da autoria de Aquilino Ribeiro (1885-1963). Dois dos glossários dedicados à obra deste escritor ou não registam a palavra – caso do estudo de António Faria, "Contribuição para o estudo de Aquilino Ribeiro", Revista de Portugal, vol. XXXIII, 1968 –, ou ficam pelo simples registo da ocorrência em questão. É o que acontece com o Glossário Sucinto para Melhor Compreensão de Aquilino Ribeiro, de Elviro Rocha Gomes, onde se diz apenas que arava é «uma fruta brasileira», sem juntar outra informação.

Uma consulta da Internet, permite recolher "arava", mas trata-se de uma adaptação pontual do hebraico ערבה hebraico (transliterável como aravah), que significa «salgueiro» (ver Jessé Corrêa de Oliveira, Manual de Teshuváh – para as Festas: Rosh Hashanah, Yom Kipur e Sukot)*. Não sendo o salgueiro conhecido ou utilizado como árvore frutífera, torna-se implausível que a arava aquiliniana se identifique com a "arava" hebraica.

*