Pergunta:
«Imaginemos, não o diálogo, que esse já aí ficou, mas os homens que o sustentaram, estão ali frente a frente como se se pudessem ver, que neste caso nem é impossível, basta que a memória de cada um deles faça emergir da deslumbrante brancura do mundo a boca que está articulando as palavras,...» José Saramago, Ensaio sobre a Cegueira, pág. 180
Gostaria muito que me dissessem se o que da proposição «que neste caso nem é impossível» no texto de Saramago faz parte da locução o que, e ipso facto, equivale a isto, e essa mesma construção poderia ser vista como relativa apositiva, ou, se se trata de um que causal segundo pensa o gramático brasileiro Napoleão Mendes de Almeida.
Agradeço-vos, desde já, não só a minha resposta mas também o vosso trabalho monumental.
Muito obrigada!
Resposta:
A sequência «que neste caso nem é impossível» pode ter duas interpretações:
1. Se a palavra que tiver valor causal – isto é, se for interpretada como uma conjunção subordinativa causal, equivalente a porque –, a sequência é uma oração subordinada adverbial causal.
2. Se o pronome que for visto como o que, trata-se de uma oração subordinada adjetiva relativa que funciona como aposto (isto é, como informação extra) da frase precedente: «estão ali frente a frente como se se pudessem ver, (o) que neste caso nem é impossível» = «estão ali frente a frente como se se pudessem ver, e diga-se, aliás, que isso neste caso até nem é impossível».
Acerca da possibilidade referida em 2, convém deixar mais algumas observações acerca dos pronomes relativos o que e que bem como em relação às orações subordinadas adjetivas relativas que funcionam como aposto de frase. O uso destes pronomes tem certas condições de ocorrência, conforme se descreve na Gramática do Português (GP), ed. da Fundação Calouste Gulbenkian (2013, p. 2085/2086), que, classificando o que como locução pronominal relativa, considera:
«[o seu] uso mais típico é em orações relativas apositivas de frase, ou seja, com um antecedente de natureza oracional, como se ilustra em (45):
(45) a. Estava a chover, o que nos causou muito ...