Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

«– Ele está morto, ou por outra, pensa convictamente que está.»

Na frase acima, as vírgulas estão corretamente colocadas?

Obrigado.

Resposta:

Aconselha-se «ele está morto, ou por outra, pensa convictamente que está». A locução «ou por outra» – tal como «ou seja» –, usa-se geralmente entre vírgulas, mas sem este sinal de pontuação a separar ou de «por outra".

A sequência  constituída pela locução em causa funciona como um todo, sendo aquilo a que os estudos gramaticais chamam um marcador discursivo reformulador (cf. Dicionário Terminológico). No registo em dicionários de expressões idiomáticas e fraseologia, é abonado sem vírgula interna, mas com vírgulas delimitadoras, como se pode confirmar pelo Dicionário Estrutural, Estilístico e Sintático da Língua Portuguesa, de Énio Ramalho: «[ou por outra]: ele era amigo cá da casa, ou por outra, eu pensava que era (expressão para corrigir o que foi dito, equivalente a: ou melhor, melhor dizendo, aliás).»

Também em Novos Dicionários de Expressões Idiomáticas – Português, de António Nogueira Santos, se regista «ou por outra» sem vírgula interna, com o sentido de «mais precisamente, mais rigorosamente».

Mesmo assim, deve assinalar-se que, no referido dicionário de Énio Ramalho, se acolhe igualmente «por outra» como locução com sentido igual ao de «ou por outra», abonado por uso idêntico: «nunca tivemos grande convivência, por outra, era eu que evitava a sua companhia.(isto é, ou melhor». Também no Vocabulário da Língua Portuguesa (1966...

Pergunta:

Qual a forma correta: «água do mar» ou «água de mar»?

Resposta:

Ambas as expressões estão corretas e são quase equivalentes. O que as diferencia é que uma – «água do mar» – tem uso corrente, enquanto a outra, não sendo impossível, pode revelar-se menos comum.

Para falar de água salgada, diz-se «água do mar», usando o artigo definido, tal como se diz «água do rio» ou «água do poço», «água da fonte», água da torneira», ou seja, para denotar um tipo de água pela sua proveniência. No entanto, não se pode dizer que «água de mar» seja um erro, atendendo a que existe «banho de mar» e «braço de mar», em que «de mar» não inclui o artigo definido. Nestes dois casos, «de mar» parece equivaler a «de água do mar», o que sugere que não se emprega «água de mar» por ser expressão redundante, subentendendo «água de água do mar».

Mesmo assim, não se perfilando razão para achar que «água de mar» esteja incorreto, pode ainda supor-se que a forma sem artigo definido se deva a que é mais raro empregar mar como se designasse uma substância, ao contrário do que acontece com areia ou gelo ou água: «castelo de areia», «pedras de gelo», «lençol de água». Refira-se ainda o contraste que pode detetar-se entre «espuma do mar» e «espuma de mar»: «espuma do mar» aplica-se à espuma que o mar tem, enquanto «espuma de mar» é interpretável como «espuma feita de água do mar».

 

CfQual é a origem da palavra «água»? + Viagem pelos nomes da água

Pergunta:

Existe realmente uma diferença entre os verbos pensar e achar? Em alguns sites tentam separá-los, principalmente para ensino de português como língua estrangeira, mas como nativo a única diferença que vejo é que pensar é usado para situações como provas, redações e maior formalidade e achar para situações corriqueiras, não impedindo que pensar entre no lugar de achar.

Obrigado.

Resposta:

São verbos com significados básicos diferentes, embora possam ter um grau elevado de sinonímia em certos contextos.

Os dois verbos em questão contrastam sobretudo quando se interpretam as expressões nominais que lhe servem de complemento direto:

1. Pensei num novo livro

2. Achei um livro fantástico.

Em (1), «um livro novo» é objeto de pensamento, que pode existir potencialmente, enquanto, em (2), «um livro fantástico» é um objeto que passa de desconhecido a conhecido. Este contraste quase se neutraliza, sobretudo no presente do indicativo, quando os verbos em apreço selecionam uma oração completiva (isto é, uma oração introduzida pela conjunção que e que é complemento direto de um verbo):

3. Pensei que o livro era mau. [= acreditei que o livro era mau, mas posteriormente posso ter mudado de opinião]

4. Achei que o livro era mau. [= a minha opinião era a de que o livro era mau]

5. Penso que o livro é mau.

6. Acho que o livro é mau.

Se em 3 e 4 ainda se nota certo contraste (entre crença e opinião), em (5) e (6) o contraste semântico é mínimo. Contudo, uma diferença subsiste, como bem se observa na pergunta: a forma acho é muitas vezes informal, enquanto penso tem emprego genérico, abrangendo o registo formal.

Pergunta:

Qual a origem da palavra briol, no sentido de «muito frio»?

Resposta:

Não é clara a origem do vocábulo briol, pelo menos quando usado na aceção em causa.

A forma briol tem três significados que, entre si, pouca afinidade conceptual parecem ter (fonte: briol, in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa):

«1. [Marinha] Cabo de ferrar as velas.

2. [Portugal, Informal] Temperatura baixa. = FRIO

3. [Portugal, Informal] Vinho ordinário.»

Outros dicionários não se afastam substancialmente destas definições. A aceção 1 é o sentido que a forma tem como termo náutico. Já as aceções 2 e 3 ou relevam de usos da gíria, o que permite ver as aceções 2 e 3 como extensões metafóricas ou metonímicas da aceção 1, ou constituem casos de homonímia, isto é, pode tratar-se de palavras diferentes, com briol 2 e briol 3 eventualmente nada tendo que ver etimologicamente com briol 1.

Entre as fontes consultadas em português, o Dicionário Houaiss oferece mais informação sobre o étimo de briol 1, retomando a proposta que Joan Coromines e José Antonio Pascual registaram no seu Diccionario Crítico Etimológico Castellano e Hispánico:

«francês antigo braiuel (1155) hoje breuil (1643) 'idem', através do espanhol briol (final do século XVI), ligado ao latim brāca, ae 'braga' [...].»

Em espanhol e catalão, os dicionários só registam briol como denotação de um tipo de cabo. Em galego, pode também designar, por um lado, um balde que serve de medida na venda de polvo ou como meio pa...

Pergunta:

Podem esclarecer-me como se pronuncia o plural de escolho? Deve pronunciar "escólhos" ou "escôlhos"?

Obrigado.

Resposta:

O vocábulo escolho tem o aberto no plural, conforme se pode confirmar pelas transcrições ou indicações de pronúncia do dicionário da Academia das Ciências de Lisboa (ACL), do dicionário da Porto Editora e do dicionário Priberam.

Significa «rochedo à flor ou à tona da água, considerado perigoso para a navegação» (ACL) e, em sentido figurado, «obstáculo, dificuldade, perigo» (cf. Dicionário Houaiss). Considera-se ter origem no italiano scoglio, «porção de rocha que emerge da água do mar; penha, penhasco, rocha; obstáculo, grave dificuldade», mas é plausível que este vocábulo tenha chegado ao português por via do castelhano escollo (cf. José Pedro Machado, Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa). A forma italiana, ou melhor, toscana, será uma adaptação do genovês schêuggio, resultado dialetal do latim *scŏclu, variante não atestada de scopŭlus, i, «rochedo, penedia; calhau; abrolho; perigo; estorvo» (cf. Dicionário Houaiss e Diccionario Crítico Etimológico Castellano e Hispánico, de Joan Coromines e José Antonio Pascual).