Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Em português, como é que se pronuncia "Santorini"?

Obrigado!

Resposta:

Tal como se encontra escrito, lido como se fosse palavra portuguesa, o nome soa "santuriní", sendo tónica a última sílaba.

Mas, apesar de o nome ter ganho certa popularidade como destino turístico, pelo menos entre operadores turísticos, costuma-se manter a acentuação original e pronunciar-se "santuríni" ou "santòríni". É esta a pronúncia mais difundida, que se tornou padrão.

Nada disto obriga a grafar "Santoríni" (também não o impede), porque a forma em carateres latinos que se internacionalizou – Santorini1, que corresponde à sequência Σαντορίνη em carateres gregos – constitui uma forma toponímica estrangeira que pode ocorrer em português, na falta de disponibilidade ou uso de nome vernáculo, à semelhança de Guadalajara (Espanha), San Gimignano (Itália) ou Washington (Estados Unidos da América).

1 Note-se que a pronúncia original grega soa aproximadamente como "sandoríni".

CfA história de duas línguas: o grego e o latim

Pergunta:

Preciso criar um termo relativo ao ato ou à produção de slides (aplicado à educação com a noção de produção de slides para apresentação em sala de aula). Pensei em partir da palavra aportuguesa "eslaide" e gerar "eslaidização". Assim, "eslaidização" seria um neologismo viável ou possível na língua portuguesa? Se não for possível, vocês poderiam me propor um novo termo mais ajuste aos padrões de composição lexical?

Obrigado.

Resposta:

O neologismo proposto – "eslaidização" – é possível no português do Brasil, mas pode encontrar alguns problemas quanto à sua aceitação quer neste país quer noutros países de língua portuguesa. Com efeito, constitui um derivado de um aportuguesamento e torna-se, portanto, um tanto extenso. Mesmo assim, dado este caso relacionar-se com o discurso académico, mais especializado, existe margem para propor o neologismo como termo técnico ou científico.

Note-se, ainda, que, em Portugal, o aportuguesamento eslaide não tem uso, porque a fonética lusitana contemporânea aceita sem dificuldade a pronúncia de slide com poucas adaptações, como "slaide", aportuguesamento que não se usa na escrita. O anglicismo slide está, se resto, bastante difundido entre falantes portugueses. A criar o neologismo que se propõe na norma europeia, a palavra poderia ter, portanto, a forma "slidização" (ou "slaidização"), que não se atesta e estaria também sujeita a eventuais reservas por parte dos falantes. Mesmo assim, assinale-se que, ainda em Portugal, o termo recomendado e há muito utilizado é diapositivo, o qual permitiria a formação de "diapositivização", que, no entanto, não se atesta no uso nem se encontra dicionarizado.

Pergunta:

Existe alguma controvérsia sobre a origem etimológica do termo talefe, enquanto sinónimo de marco geodésico. Terá alguma relação com a palavra telégrafo?

Resposta:

A sonoridade do topónimo Talefe poderia sugerir uma etimologia árabe, considerando casos com essa origem como magarefe ou tabefe. No entanto, a etimologia mais provável — que não parece ter sido ainda contestada – encontra-se na deturpação de telégrafo, como José Pedro Machado apontou no seu Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa:

«Talefe. top. Murça. A Grande Enciclopédia [Portuguesa e Brasileira] escreve Talefo. Seria interessante determinar a cronologia deste topónimo, porque em Trás-os-Montes há o substantivo masculino talefe, designação popular dos marcos geodésicos; trata-se de alteração de telégrafo, por confusão com os antigos telégrafos dos sinais (Grande Enciclopédia..., 30.º, p. 579).

Pergunta:

Gostaria de saber se existem diferenças consideráveis entre vocabulário e léxico, sobretudo no que tange aos aspectos semânticos. A lista de um "vocabulário" de uma determinada área do conhecimento (teologia < sacramentologia < tipologia < mistagogia, filosofia), poderia significar a formação de um léxico? Existem estudos a respeito?

Resposta:

A diferença que se estabelece, por exemplo, no Dicionário Terminológico (que se destina a apoiar o estudo da gramática no ensino não superior em Portugal), é a seguinte (atualizou-se a ortografia):

léxico – «Conjunto de todas as palavras ou constituintes morfológicos portadores de significado possíveis numa língua, independentemente da sua atualização em registos específicos. O léxico de uma língua inclui não apenas o conjunto de palavras efetivamente atestadas num determinado contexto (cf. vocabulário), mas também as que já não são usadas, as neológicas e todas as que os processos de construção de palavras da língua permitem criar.»

vocabulário – «Conjunto exaustivo das palavras que ocorrem num determinado contexto de uso.» [em nota, observa-se ainda: «É possível estudar-se o vocabulário de um escritor, mas não o seu léxico, uma vez que apenas aquele se traduz numa lista de palavras utilizadas de facto.»]

A lista de uma determinada área de conhecimento é, portanto, um vocabulário. Neste caso é possível empregar igualmente o termo glossário, «conjunto de termos de uma área do conhecimento e seus significados» (Dicionário Houaiss).

Pergunta:

Aludindo à crista espumosa das ondas, alguém dizia tratar-se de "cavalinhos". Temos igualmente o exemplo dos lendários "cavalos de Fão", tratando-se, neste caso, aglomerações rochosas existentes na zona do Ofir, Esposende. Há também o caso das rochas antropomórficas.

A questão é a seguinte: quer em relação aos cavalinhos das ondas, quer relativamente aos "cavalos de Fão", de que figura(s) de estilo estamos a falar? Simples metáforas, animismos, catacrese ?

Resposta:

Os exemplos apresentados na pergunta resultam efetivamente da construção de metáforas para designar fenómenos naturais e acidentes costeiros.

Ao longo da sua história de uso, há metáforas que se tornam convencionais e se fixam como simples denominações, constituindo casos de catacrese, isto é, de «metáfora[s] já absorvida[s] pelo uso comum» (cf. Dicionário Houaiss). Compreende-se assim que a configuração de rochedo pode evocar a figura de cavalo motivando a aplicação metafórica do zoónimo1 cavalo. Caso muito semelhante é o de carneiro, a que os dicionários dão, entre outras aceções, a de «crista espumosa que se forma a partir dos movimentos das ondas ou vagas, seguida ou precedida de outras» (Dicionário Houaiss).

Acrescente-se que a palavra cavalo está na origem do nome de formações rochosas marítimas ou fluviais, não só em Portugal – como acontece com o conhecido exemplo dos Cavalos de Fão –, mas também na Galiza, onde se encontram, já perto da fronteira, ainda no estuário do rio Minho, o Cabalo e o Cabalo do Forte, em ambos os casos denominações de pedras junto à água, na paróquia de Camposancos, na Guarda, no sul da província de Pontevedra (José Luis Lomba Alonso, Microtoponimia da Guarda, 2008, pág. 27). Mas, na toponímia galega, há mais exemplos da toponimização do vocábulo cabalo<...