Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

É absolutamente claro que na frase «...gostava de saber porque escolheste uma fotografia a preto e branco» o pretérito perfeito do indicativo do verbo escolher, na segunda pessoa do singular se escreve escolheste. A minha dúvida está na outra grafia, apenas aplicável em outros contextos diferentes e na conjugação pronominal reflexa: a forma escolhes-te, que, embora pouco usada e de aparência um tanto "pantanosa",  me parece, apesar de tudo gramaticalmente correcta e aceitável.

Na verdade, escolhes-te é de uso extremamente raro, quase ninguém usa e refere-se a uma determinada pessoa escolher-se a si mesma. Por exemplo, diremos a um certo Carlos: «quando fazes a equipa de futebol, escolhes o Joaquim, escolhes o Alberto, escolhes o João e escolhes-te (a ti mesmo); escolhes-te, porque achas que jogas bem.»

Caso diferente  é a forma verbal escolheste, que se refere ao passado (pretérito perfeito do indicativo do verbo escolher). Por exemplo, nesta frase: «Ontem, quando fomos ao restaurante, escolheste bife, a Isabel  escolheu dourada assada e eu escolhi bacalhau.»

Procurei no Ciberdúvidas mas não encontrei o caso explicado com este verbo. Formas parecidas como lavas-te, vestes-te, cuidas-te, maquilhas-te, por serem de uso muito mais banal e definitivamente aceite, não  me pareceram adequadas ao esclarecimento deste caso pontual. Em suma, a forma verbal escolhes-te,  no contexto acima exemplificado, apesar do seu ar invulgar é – segundo me parece – correcta. Concorda[m], ou estarei errado?

[...] [A] minha dúvida não está  na identificação  das duas formas de uso (e&#x...

Resposta:

Com verbos regulares da 1.ª e 2.ª conjugações, é frequente haver confusão na escrita entre o pretérito perfeito simples do indicativo (PPI) e o presente do indicativo (PI) da conjugação pronominal, na 2.ª pessoa. Trata-se de formas diferentes, com pronúncia e grafia diferentes:

1. enganaste (PPI) vs. enganas-te (PI)

2. vendeste (PPI) vs. vendes-te (PI)

As formas corretas acima indicadas têm diferentes contextos de ocorrência; p. ex.:

3. «Enganaste quem confiava em ti.» vs. «Enganas-te ao dizeres isso.»

4. «Vendeste a casa?» vs. «Vendes-te por um prato de lentilhas.»

O erro está em escrever uma forma no contexto da outra (o * indica erro ortográfico):

5. *Enganas-te quem confiava em ti.

6. *Vendes-te a casa?

O erro pode chegar a afetar a grafia dos verbos irregulares:

7. Fizeste uma asneira. / *Fizes-te uma asneira.

Outra confusão recorrente – já aqui abordada – é a do imperfeito do conjuntivo (IC) com a forma pronominal do presente do indicativo (PI), na 3.ª pessoa: lavasse vs. lava-se.

Muitas vezes, em contexto pedagógico, a estratégia para evitar a incorreção em apreço é pedir aos alunos a aplicação de um teste que consiste em juntar não ao verbo da frase que pretendem escrever. Retomando os exemplos 4 e 6, aplica-se o teste para obter as seguintes frases:

...

Pergunta:

Qual o termo correto (ou mais correto), fresco (português europeu) ou afresco (português brasileiro)?

Resposta:

Ambas as formas estão corretas e atestadas em dicionários portugueses e brasileiros. No entanto, nota-se que fresco se usa mais em Portugal, enquanto afresco conhece maior implantação no Brasil.

O termo afresco/fresco significa «género de pintura feita sobre reboco fresco e húmido, com tinta diluída em água de cal» (Dicionário de Língua Portuguesa da Porto Editora, na Infopédia). Trata-se de um empréstimo do italiano fresco, na aceção já mencionada, pelo que é de supor que fresco constitui um aportuguesamento direto do termo italiano, enquanto afresco parece resultar da análise como uma única palavra da locução italiana a fresco em expressões como dipingere a fresco ou da locução portuguesa homóloga na respetiva tradução «pintar a fresco» (cf. Dicionário de Italiano da Porto Editora, na Infopédia).

Quanto à história do uso destas formas, a consulta da Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira (1935-1957), publicada em Portugal, sugere que por volta de meados do séc. XX afresco e fresco eram s...

Pergunta:

Qual a origem da expressão «ter um badagaio»?

Resposta:

São vários os dicionários que coincidem ao considerar que a palavra badagaio tem origem obscura. No entanto, o Dicionário Houaiss é um pouco mais eloquente: «origem controversa; pode ser criação fônica com fim expressivo ou alteração fônica ligada a vágado». Vágado, palavra pouco usada, que significa «vertigem», parece ter origem no castelhano antigo váguido, talvez um derivado de vago, no sentido de «vazio» (cf. Dicionário Houaiss) ou de vaguear (cf. Dicionário da Real Academia Espanhola).

Como se indica na pergunta, badagaio ocorre na expressão da gíria «ter um badagaio», mas é muito frequente em associação com dar («deu-lhe o badagaio»), num caso e noutro com o significado de «desmaiar» e «morrer». São expressões equivalentes «ter um chilique» e «ter um fanico» (cf. António Nogueira Santos, Novos Dicionários de Expressões Idiomáticas, Lisboa, Edições João Sá da Costa, 2006).

Pergunta:

Agradeço o trabalho de vocês, com o qual ajudam a propagar o conhecimento.

Gostaria de perguntar a origem da palavra guardião. Pesquisei que ela teria origem do termo latino guardianus, do frâncico wardianus, latinização de wardon, «guardar, vigiar».

Procede esta informação?

Resposta:

A etimologia de guardião que parece ter mais aceitação na dicionarística é devedora do Diccionario Crítico Etimológico Castellano e Hispánico, de Joan Coromines e José Antonio Pascual, e encontra-se exposta no Dicionário Houaiss:

«latim medieval guardianus < *wardianus, romanização do acusativo gótico wardjan < warda "sentinela"; cp. italiano guardiano "que tem o encargo de vigiar" e espanhol guardián "idem", de mesma origem [...].»

No entanto, não é de excluir outra hipótese, a de a palavra portuguesa (e os seus cognatos noutras línguas românicas, entre elas, o castelhano) ter origem em guardianus, forma que o latim medieval deu a um empréstimo não do gótico (uma língua germânica), mas, sim, do frâncico (outra língua germânica), uma palavra que teria a forma *warding-. Este vocábulo faria parte da família do verbo frâncico *wardon, que de algum modo manteria a forma *wardon, «guardar», do protogermânico (cf. Online Etymology Dictionary). A palavra portuguesa (com a sua homóloga castelhana) poderá, portanto, remontar a uma palavra latina introduzida pela influência francesa e

Pergunta:

O Expresso de [3/09/2018] usa a expressão «regressa o forrobodó».

Eu contestei: «Lastimo mas diz-se FARROBODÓ. Vem de Joaquim Pedro Quintela, 1.º Conde de Farrobo. Era o nome dado às festas sumptuosas da sua Quinta das Laranjeiras, actual Zoo de Lisboa e palacete onde está o Teatro Thalia por ele construído.» Um amigo comentou: «Mas nos dicionários Diciopédia, Michaelis, Priberam e Linguee, assim como no Portal da Língua Portuguesa (ILTEC), está "forrobodó"...»

Provavelmente, digo eu, uma expressão do Brasil.

Qual será a correcta (admitindo serem ambas)?

Obrigado.

 

[N. E. – A pergunta mantém a ortografia anterior à norma atualmente em vigor, a do Acordo Ortográfico de 1990.]

Resposta:

A história dos registos da palavra em dicionários e vocabulários ortográficos parece favorecer a forma forrobodó, mas igualmente se acham entradas para farrobodó e farrabadó, por exemplo, na 10.ª edição do dicionário de Morais.1 É duvidoso que a forma farrobodó, como farrabadó, seja anterior a forrobodó, mas muito mais duvidoso é que qualquer uma destas formas se relacione com Farrobo, como pretendem quantos argumentam com uma história veiculada mais recentemente pelos media portugueses com certos contornos de lenda urbana.

Com efeito, a partir da consulta de uma muito útil cronologia disponibilizada pelo sítio DicionárioeGramática – na qual se arrolam os vários dicionários monolingues publicados desde o séc. XVIII –, é possível concluir que só na 1.ª edição, de 1899, do Novo Dicionário da Língua Portuguesa de Cândido de Figueiredo se acolhe a palavra em questão, escrita forrobodó e identificada como brasileirismo que significa «baile reles». Anos mais tarde, é também forrobodó a entrada que figura na 1.ª edição (1909) do Vocabulário Ortográfico e Ortoépico da Língua Portuguesa, de Gonçalves Viana.

É certo que a atestação é posterior à época em que se diz ter sido criado o vocábulo, com a forma farrabodó, em alusão a Joaquim Pedro Quintela (1801-1869), 1.º conde de Farrobo, conforme a tese aceite num ...