Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Existe alguma controvérsia sobre a origem etimológica do termo talefe, enquanto sinónimo de marco geodésico. Terá alguma relação com a palavra telégrafo?

Resposta:

A sonoridade do topónimo Talefe poderia sugerir uma etimologia árabe, considerando casos com essa origem como magarefe ou tabefe. No entanto, a etimologia mais provável — que não parece ter sido ainda contestada – encontra-se na deturpação de telégrafo, como José Pedro Machado apontou no seu Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa:

«Talefe. top. Murça. A Grande Enciclopédia [Portuguesa e Brasileira] escreve Talefo. Seria interessante determinar a cronologia deste topónimo, porque em Trás-os-Montes há o substantivo masculino talefe, designação popular dos marcos geodésicos; trata-se de alteração de telégrafo, por confusão com os antigos telégrafos dos sinais (Grande Enciclopédia..., 30.º, p. 579).

Pergunta:

Gostaria de saber se existem diferenças consideráveis entre vocabulário e léxico, sobretudo no que tange aos aspectos semânticos. A lista de um "vocabulário" de uma determinada área do conhecimento (teologia < sacramentologia < tipologia < mistagogia, filosofia), poderia significar a formação de um léxico? Existem estudos a respeito?

Resposta:

A diferença que se estabelece, por exemplo, no Dicionário Terminológico (que se destina a apoiar o estudo da gramática no ensino não superior em Portugal), é a seguinte (atualizou-se a ortografia):

léxico – «Conjunto de todas as palavras ou constituintes morfológicos portadores de significado possíveis numa língua, independentemente da sua atualização em registos específicos. O léxico de uma língua inclui não apenas o conjunto de palavras efetivamente atestadas num determinado contexto (cf. vocabulário), mas também as que já não são usadas, as neológicas e todas as que os processos de construção de palavras da língua permitem criar.»

vocabulário – «Conjunto exaustivo das palavras que ocorrem num determinado contexto de uso.» [em nota, observa-se ainda: «É possível estudar-se o vocabulário de um escritor, mas não o seu léxico, uma vez que apenas aquele se traduz numa lista de palavras utilizadas de facto.»]

A lista de uma determinada área de conhecimento é, portanto, um vocabulário. Neste caso é possível empregar igualmente o termo glossário, «conjunto de termos de uma área do conhecimento e seus significados» (Dicionário Houaiss).

Pergunta:

Aludindo à crista espumosa das ondas, alguém dizia tratar-se de "cavalinhos". Temos igualmente o exemplo dos lendários "cavalos de Fão", tratando-se, neste caso, aglomerações rochosas existentes na zona do Ofir, Esposende. Há também o caso das rochas antropomórficas.

A questão é a seguinte: quer em relação aos cavalinhos das ondas, quer relativamente aos "cavalos de Fão", de que figura(s) de estilo estamos a falar? Simples metáforas, animismos, catacrese ?

Resposta:

Os exemplos apresentados na pergunta resultam efetivamente da construção de metáforas para designar fenómenos naturais e acidentes costeiros.

Ao longo da sua história de uso, há metáforas que se tornam convencionais e se fixam como simples denominações, constituindo casos de catacrese, isto é, de «metáfora[s] já absorvida[s] pelo uso comum» (cf. Dicionário Houaiss). Compreende-se assim que a configuração de rochedo pode evocar a figura de cavalo motivando a aplicação metafórica do zoónimo1 cavalo. Caso muito semelhante é o de carneiro, a que os dicionários dão, entre outras aceções, a de «crista espumosa que se forma a partir dos movimentos das ondas ou vagas, seguida ou precedida de outras» (Dicionário Houaiss).

Acrescente-se que a palavra cavalo está na origem do nome de formações rochosas marítimas ou fluviais, não só em Portugal – como acontece com o conhecido exemplo dos Cavalos de Fão –, mas também na Galiza, onde se encontram, já perto da fronteira, ainda no estuário do rio Minho, o Cabalo e o Cabalo do Forte, em ambos os casos denominações de pedras junto à água, na paróquia de Camposancos, na Guarda, no sul da província de Pontevedra (José Luis Lomba Alonso, Microtoponimia da Guarda, 2008, pág. 27). Mas, na toponímia galega, há mais exemplos da toponimização do vocábulo cabalo<...

Pergunta:

Parece-me que a resposta "Palavras celtas na língua portuguesa" é interessante mas parece bastante incompleta...

Desde logo olhando para a página "Lista de palavras galegas de origem celta" encontro palavras apontadas como de origem celta que conheço: abrunho/abrunheiro, barra, dólmen, dorna, embaixada, menino, bidoeiro/vidoeiro... e várias outras que não são referidas na resposta de Ciberdúvidas acima referida.

Que vos parece?

Resposta:

Entre os vocábulos elencados na pergunta,  há de facto dois que têm origem indubitavelmente céltica, dólmen e embaixada, mas importa sublinhar que nenhum foi transmitido diretamente por falantes de céltico aos falantes de latim no atual território português, não fazendo parte do léxico patrimonial  da língua portuguesa.

Assim, com base na consulta do Dicionário Houaiss e no Diccionario Crítico Etimológico Castellano e Hispánico, de Joan Coromines e José Antonio Pascual, comentam-se as palavras em questão (o * indica forma não documentada, de caráter hipotético e deduzida de formas atestadas):

abrunho/abrunheiro – do latim prunum, i, «ameixa», ; abrunheiro será um derivado de abrunho, sendo este termo a denominação do fruto e aquele a da árvore.

barra – vem do latim vulgar *barra, «travessa, tranca de fechar porta», que será adaptação de um empréstimo pré-latino, talvez do céltico gaulês *barros, «penacho, copa (de árvore)» (o que não impede que a palavra tenha origem mais remota).

dólmen – é um celtismo tardio, do córnico tolmên, «buraco de pedra»; em português, os dicionários só atestarão a partir de 1873.

dorna – talvez de uma forma hispânica do céltico dŭrno- (

Pergunta:

Embora se encontrem diversos artigos sobre a matéria, gostaria de saber a vossa opinião sobre a origem do nome da cidade de Leiria.

Muito obrigada.

Resposta:

É obscura a origem do topónimo em questão.

Foi o filólogo e etnógrafo português José Leite de Vasconcelos (Opúsculos, III, 1931, p. 376) que sugeriu que o topónimo em apreço teria origem na denominação medieval de um dos rios que a atravessam, o Lena, identificado com o Leirena ou Leirea da Idade Média:

«Como informação histórica, acrescentarei que Leiria parece ter sido na origem nome de rio; pelo menos o Foral de 1142 diz: "in villa (Leirena) aut inter Leirenam et Heirenam rivulos" (Leges et Consuet. p. 376). Estes rios devem corresponder hidrograficamente aos modernos Lena e Lis

Saliente-se que a forma atual Leiria provém da que aparece documentada na Idade Média como Leirena ou Leirea1, sobre a qual pouco ou nada se sabe. Com efeito, é difícil analisá-la com base no léxico latino ou em material lexical reconhecidamente pós-latino (superstrato), designadamente do árabe, idioma que se implantou do Mondego para sul, sobretudo a partir do século X, e que é, portanto, relevante para a história linguística da região onde se situa a cidade. É, pois, plausível que Leiria tenha origem mais remota, pré-latina, hipótese que se reforça, se se aceitar que Leirena/Leirea era um nome de rio (ou seja, um potamónimo), porque é frequente este tipo de ...