Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

IPMA (Instituto Português do Mar e da Atmosfera) é sigla ou acrónimo?

Resposta:

IPMA  é interpretável e pronunciável quer como sigla quer como acrónimo.

Se a abreviação IPMA (isto é, Instituto Português do Mar e da Atmosfera) for proferida letra a letra, isto é, soletrando – i-pê-eme-á –, trata-se de uma sigla. Contudo se pronunciarmos a mesma sequência como se fosse uma única palavra, fazendo soar "ípema", com três sílabas, ou "ipma", com duas, estamos perante um acrónimo. Ambos os usos são corretos, embora a comunicação social documente ocorrências do acrónimo (cf. "Rocha e a meteorologia/ Cinco para Meia-noite/ RTP", Youtube, de 1 min 4 s a 1 min 14 s).

É de admitir que o uso acronímico de IPMA se afigure estranho, porque encerra um encontro consonântico – [pm] – nada frequente em português. Contudo, na variedade europeia, conhecida pela redução do vocalismo átono, não é impossível articular tal encontro, como bem atesta outra sigla, IAPMEI – Instituto de Apoio às Pequenas e Médias Empresas e à Inovação –, que, em Portugal, se articula geralmente como palavra simples, com a aberto e acento tónico na última sílaba, numa pronúncia sem tradição de censura normativa.

Pergunta:

Como se diz corretamente: «fui ao pilates» ou «fui aos pilates»?

Resposta:

Deve dizer «fui ao pilates», empregando pilates como nome no singular, uma simplificação das expressões «método de Pilates» e «método Pilates».

No caso em questão, o singular afigura-se adequado, porque se denota assim um método de exercício físico que se chama "pilates". Note-se, porém, que se pode utilizar pilates no plural, quando com este termo se quer fazer referência aos exercícios que fazem parte desse método: «Fiz os pilates.»

O nome comum pilates tem origem no nome de Joseph Pilates (1883-1967), criador do conhecido método de exercícios físicos.

Pergunta:

No sítio da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa li o seguinte título: «Rastreios sobre o cancro da pele e observação de sinais.» Parece-me que o "rastreios sobre" não será a forma mais correcta. Não será melhor dizer "Rastreios de cancro..."?

Resposta:

A preposição usada é de facto de, e não sobre:

1. «Rastreios do cancro da pele e observação de sinais»

Compreende-se que seja de a preposição selecionada, uma vez que rastreio é verbo derivado de rastrear, que é verbo transitivo. Os substantivos derivados de verbos (deverbais) têm geralmente regência construída com a referida preposição.

No entanto, pode também ocorrer a:

2. «A importância do rastreio ao cancro da mama continua a ser muito ignorada pela maioria das mulheres [...]» (Diário de Leiria, 10/10/1997, in Corpus do Português)

Neste caso, a preposição selecionada deve-se ao facto de o uso de rastreio subentender «o rastreio (que é feito) a alguma coisa».

Pergunta:

A expressão «galeria de tiro» pode ser usada em português de Portugal? Em caso negativo, temos alguma expressão equivalente?

Resposta:

Nas fontes consultadas para elaboração desta resposta, não se acha «galeria de tiro» como termo da prática de tiro, muito embora a sua transparência seja de molde a interpretá-lo facilmente e até a prever-lhe já algum uso em Portugal.

Contudo, os termos que se encontram em documentos que regulam o tiro como modalidade desportiva são «complexo de tiro» e «carreira de tiro», sendo esta última expressão a que parece corresponder melhor a «galeria de tiro», se se pensar num espaço interior:

«Carreira de tiro» a instalação, interior ou exterior, funcional e exclusivamente destinada à prática do tiro com arma de fogo carregada com projéctil único; [...]» (cf. Regulamento técnico e de funcionamento e segurança dos complexos, carreiras e campos de tiro, art.º 1, Definições).

Pergunta:

Porque será que certo tipo infame de trabalhos governamentais, conhecidos por "tachos", nos quais (se diz que) não se trabalha e se ganha muito, têm esse nome? De onde surgiu?

Resposta:

Para a elaboração desta resposta, não se encontrou explicação cabal da origem das expressões «ter um tacho», «arranjar um tacho» e outras semelhantes, em que tacho ocorre na aceção de «emprego muito bem pago mas pouco ou nada trabalhoso» (dicionário de português da Porto Editora, na Infopédia). No entanto, sendo tacho interpretável, por metonímia (ou melhor sinédoque), como «(toda) a comida», é de inferir que «ter o tacho» acaba por ser depois, por metáfora, o mesmo que «ter um privilégio por mera sorte ou sem grande merecimento». Estas observações são confirmadas pelo que, sobre tacho, Afonso Praça diz no seu Novo Dicionário de Calão (Lisboa, Casa das Letras, 2005; manteve-se a ortografia original):

«Diz-se de uma boa posição profissional (bem paga), insinuando por vezes que se chegou a ela de forma suspeita. [Aquele gajo é que arranjou um belo tacho, desde que se inscreveu no partido]; comida; refeição. [O que ganho é muito pouco, mal dá para o tacho]; [«(...) andava de redacção em redacção a espalhar artigos que às vezes não saíam porque, segundo ele, os gajos que estavam agarrados ao tacho faziam as suas manobras. (...), Dinis Machado, O que Diz Molero.]