Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Tenho esta dúvida: os diminutivos dos nomes das pessoas também perdem o acento?

Por exemplo: Álvaro – "Alvarinho" ou "Àlvarinho"? Rúben – "Rubeninho" ou "Rùbeninho"? Tomás – "Tomazinho" ou "Tomàzinho"?

Muito obrigado.

Resposta:

Confirmamos que os nomes em questão perdem o acento gráfico nos diminutivos:

(1) Álvaro – Alvarinho (ou Alvarito, ou, ainda, Alvarozinho

(2) RúbenRubeninho (ou Rubenzinho, ou, ainda, Rubenzito)

(3) TomásTomasinho (com s, como adeusinho, de adeus)

Já se usou acento grave nos diminutivos e outras palavras derivadas de palavras graficamente acentuadas.Era quando o diminutivo de Álvaro tinha a grafia "Àlvarinho" (ou "Àlvarito" ou "Àlvarozinho"), a de Rúben, "Rùbeninho" (ou "Rùbenzinho") e a de Tomás corresponderia a "Tomàsinho" (ou "Tomàsito"). Com a  alteração que remonta a 1973 – há quem lhe chame «a minirreforma ortográfica de 1973» – suprimiu-se o acento gráfico nesses casos. Na norma ortográfica vigente também não se aplica acento a tais diminutivos².

 

¹ Os diminutivos formados com o sufixo -ito/ita mantêm certa vitalidade, como alternativa às formas predominantes, em -inho/inha.

² Cf.  ...

Pergunta:

Sempre considerei que a grafia (e a pronúncia) da palavra nogado deveria ser assim mesmo, ou seja, sem acento e tendo como sílaba tónica a sílaba ga.

Hoje tive ocasião de ver uma reportagem da RTP [1] onde não só se escrevia como se pronunciava "nógado". Em todos os dicionários onde procurei só mencionam nogado, com exceção da Infopedia, que admite as duas formas.

A minha dúvida é se "nógado" é simplesmente uma versão corrompida da palavra original, que ganhou força por via da repetição, ou se existe algo mais que justifique a adoção dessa forma, que me parece estranha e afastada tanto do latim nucatus quanto do francês nougat (havendo até a versão nugá na língua portuguesa).

Muito obrigado pela atenção.

 

[1 O consulente refere-se a um apontamento da RTP sobre um nógado de mais de 60 m, confecionado para assinalar os festejos do Carnaval de 2019 na localidade de Vimieiro, no concelho de Arraiolos (Évora).]

Resposta:

O registo da maioria dos dicionários mais ou menos recentes tem a forma nogado, como denominação de um doce feito com nozes, amêndoas, amendoins ou pinhões e caramelo ou mel. Esta forma soará "nugado".

No entanto, é antiga uma variante – hoje talvez mais alentejana, mas também localizável no Algarve, pelo menos, no nordeste desta região - em que o o de nogado é aberto e, ao que parece, tónico, tornando a palavra esdrúxula (com acento tónico na antepenúltima sílaba). Esta variante não é assim tão recente, pois está atestada há mais de cem anos, por exemplo, na Revista Lusitana, dirigida por J. Leite de Vasconcelos, nos volumes I (1887-1889, p. 262), mais precisamente como palavra esdrúxula usada na aldeia de Rio Frio, nos arredores de Bragança, e no volume X (1907, p. 268), onde aparece no apêndice a um vocabulário alentejano e com uma grafia que, embora indique o timbre aberto do o, não garante que se trate de esdrúxula.

Importa também realçar que nógado denomina um doce que não coincide exatamente com a definição acima indicada, porque consiste em pedacinhos de massa frita envolvida em mel. Justifica-se, portanto, a aceitabilidade desta forma, pelo menos, em referência ao referido doce.

Observe-se ainda que nógado pode ser um cognato do castelhano nuégado: (cf. dicionário da Real Academia Espanhola). Com efeito, não se exclui que seja um empréstimo ou que tenha recebido influência da forma castelhana, como sugere 

Pergunta:

Gostaria de saber se podemos colocar vírgula a seguir a um complemento direto, quando este inicia a frase, como por exemplo na seguinte frase: «O livro, deu-lhe ele.»

E poderá acontecer o mesmo com o complemento indireto?

Muito obrigada.

Resposta:

Entre as fontes disponíveis, total ou parcialmente dedicadas à pontuação1, não se encontraram indicações precisas sobre o uso da vírgula em situações como as descritas na pergunta. Estas configuram as chamadas construções de topicalização, isto é, estruturas resultantes da deslocação de constituintes frásicos da sua posição canónica2 para o começo da frase.

No entanto, mais recentemente, o emprego de vírgula com estas construções é mencionado numa breve observação na Gramática do Português (Fundação Calouste Gulbenkian, 2013, p. 404, nota 6):

«O estatuto periférico destas posições é assinalado na escrita através de uma vírgula ou, em certos casos, de reticências; na oralidade, as expressões que ocupam estas posições apresentam-se sempre demarcadas entoacional ou ritmicamente do resto frase.»

Conjugando a descrição desta prática com o exame de vários exemplos da escrita de frases na ordem indireta ou com constituintes topicalizados, é possível inferir um conjunto de recomendações – não se trata de regras nem de normas estritas – sobre o uso da vírgula na situação em causa. Assim:

I- Com o complemento direto deslocado para o começo da frase (topicalizado), a vírgula não é obrigatória, quando há inversão do sujeito:

(1) «O livro deu-lhe ele.»3

II- A vírgula torna-se necessária em situações em que o complemento direto topicalizado é seguido pelo sujeito ou retomado por um pronome:

(2) «O livro, ele deu-lhe...

Pergunta:

O “caso” em questão data do ano passado, mas parece-me ter grande importância no actual contexto de perversão da língua portuguesa: a escrita com o Acordo Ortográfico de 1990 e a ortoépia com o “lisboetismo” (permitam-me o barbarismo).

Um consultante solicitou ao Ciberdúvidas qual a leitura correcta do ditongo /ei/. A resposta de um tal Carlos Rocha (a 14/12/18) é de antologia! Diz o senhor Rocha :

“ … feira, maneira e deixei, soam () como "fâirâ", "mânâirâ" e "dâixâi"… !

O senhor Rocha deve considerar que Portugal é o Terreiro do Paço… A pronúncia a que se refere não corresponde à realidade da maior parte das regiões do país. É, sem dúvida, a mais propagada pelos principais meios de comunicação nacionais – rádios e televisões – cujas sedes se situam invariavelmente em Lisboa. O ditongo /ei/, em galaico-português, pronuncia-se como /ei/ : Oliveira (não Olivâirâ"), peixeira (não pâixâirâ")… Talvez o senhor Rocha considere que deve pronunciar-se frio como “friu” e rio como “riu”.

A ortoépia das diversas regiões do país merecem respeito, mas a origem da língua portuguesa é nortenha, e por mais capital que seja Lisboa, o sotaque que tanto divulgam não é uma regra para todos. Recorde o senhor Rocha (e também a Ciberdúvidas que o publica), que Portugal não se limita – por enquanto – à área da Grande Lisboa.

Resposta:

Da resposta em causa não se pode concluir que há menosprezo em relação aos dialetos do norte de Portugal – nem, já agora, pelos dialetos do sul e das ilhas, esquecidos na crítica que me é dirigida –, porque identificar e descrever um padrão de pronúncia não equivale a censurar ou a rejeitar outras realizações fonéticas. Se assim fosse, então, muito difícil seria elaborar estudos de dialetologia, os quais frequentemente se apoiam no contraste entre norma e os diferentes tipos de variação de uma língua, de que são parte os chamados falares regionais.

Esclareça-se igualmente que classificar outras pronúncias como não normativas não é consequência da aplicação do Acordo Ortográfico de 1990 (AO 90). Pensá-lo é incorrer numa confusão, porque as modalidades consideradas regionais têm sido identificadas em áreas de funcionamento estritamente linguístico, como sejam a fonologia/fonética, a prosódia, o léxico, a morfologia ou a sintaxe. Se tem cabimento acusar o AO 90 de ignorar a diversidade regional da língua, convém perceber que essa exclusão não é de agora. Com efeito, trata-se de uma atitude que não só é antiga, como também se tem mantido inerente à normativização da língua, a qual, geralmente, passa por uma seleção de variadas formas de entre as que se desenvolveram e fixaram entre comunidade regionais, grupos sociais e situações de comunicação.

Quanto ao lisboetismo supostamente militante e perversamente invasivo subjacente à resposta em causa, talvez o consulente queira evocar as chamadas atitudes linguísticas, que podem traduzir-se na valorização arbitrária (positiva ou negativa) de usos e subsistemas linguísticos. A fixação da norma não é incompatível com a variação sempre existente num sistema linguístico; e tem sido graças à atividade de descrever es...

Pergunta:

Como pronunciar a palavra gaivotinha: com o aberto ou fechado? Porquê?

Obrigada.

Resposta:

Em Portugal, muitos falantes pronunciarão gaivotinha com [u] – "gaivutinha" –, mas é também numeroso o grupo que articula a palavra com o aberto – gaivotinha. São legítimas ambas as maneiras de pronunciar.

Considerando a pronúncia padrão, baseada nos dialetos e socioletos do eixo Lisboa-Coimbra, será de esperar que o o passe a u, por causa da regra geral de redução das vogais átonas, tão característica do português de Portugal. Por outras palavras, assim como o aberto de sol se reduz a [u] na palavra derivada solar (soa "sular"), porque passou a estar em posição átona, também o o de gaivota, que é tónico, se torna [u] no derivado gaivotinha, porque, neste último caso, a sílaba -vo- deixa de receber acento tónico (a palavra pronuncia-se "gaivutinha", sendo ti a sílaba tónica).

No entanto, em Portugal, os diminutivos sufixados por -inho podem revelar outra tendência, geralmente identificada com os dialetos setentrionais, pela qual não se reduz a vogal tónica da chamada palavra primitiva na derivação. Nesse caso, gaivota, que tem o aberto na sílaba -vo-, tem a mesma vogal aberta no diminutivo gaivotinha,que se pronuncia "gaivòtinha", com "o" aberto, mesmo em posição átona. Outros casos semelhantes se registam: copinho, que na pronúncia padrão tem o aproximadamente pronunciável como o [u] de suar – "cupinho" –, pode ocorrer também com o aberto, com o mesmo timbre que tem em copo.