Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Existe a expressão «pôr no claro» («esclarecer»)? Ou a forma correta seria «pôr a claro» ou «às claras»?

Resposta:

Não é certo que «pôr no claro» constitua uma expressão estável e fixa, que já tenha registo dicionarístico, com o sentido indicado na pergunta*.

Não podendo dizer-se que se trata de uso incorreto, existem, em alternativa, construções com o advérbio claramente e com o adjetivo claro, que são menos suscetíveis de causar estranheza ou motivar censura, como é o caso de «mostrar claramente» e «deixar claro», expressões geralmente seguidas de uma oração («mostrar claramente/deixar claro que...»).

Contam-se ainda as locuções «às claras» (= «abertamente, sem esconder dos outros») e «pelo claro» (= «com clareza, sem disfarce, expressamente»). Note-se, porém, que «passar em claro» ou «deixar em claro» é «omitir».

 

*A palavra claro pode ocorrer como sinónimo de clareira e vão, no sentido de «parte mais iluminada de um objeto» e «espaço livre, desimpedido» (dicionário da Academia das Ciências de Lisboa). Alguns elementos recolhidos na Internet permitem supor que se usa «no claro» não só com pôr, mas também com o verbo deixar, numa construção metafórica cujo significado oscila entre revelar ou esclarecer:

(1) «Põe no claro a nossa dança inventada – talvez  patética, talvez heroica – para que possamos perguntar a nós mesmos se queremos seguir inteiros nela.» ("Variações em torno da  'jazz-performance'", in

Pergunta:

Qual a proveniência da palavra rupestre, ou seja, [relativo a] a pinturas antiquíssimas em cavernas.

Resposta:

Uma etimologia da palavra rupestre encontra-se exposta no Dicionário Houaiss:

«francês rupestre (1812) "que se refere à parede de rocha, encosta de rochedo, precipício" < latim científico rupestris (1783) < latim rupes, is "rochedo" [...].»

Com o sufixo -estr(e), constroem-se outros adjetivos derivados como alpestre, campestre, equestre, pedestre, rupestre, silvestre ou terrestre.

Pergunta:

«Poças de maré» pode ser considerada uma palavra composta?

Resposta:

A expressão «poça de maré» pode ser classificada como uma palavra composta, embora esta classificação seja discutível.

As palavras compostas com elementos de ligação como a preposição de nem sempre se distinguem bem de grupos nominais que incluam grupos preposicionais introduzidos por tal preposição. Mesmo assim, o critério diferenciador costuma ser o semântico: um grupo nominal com a referida estrutura interna torna-se uma palavra composta quando adquire um sentido global próprio, distinto do da soma dos seus elementos, ou quando se torna a denominação estável de qualquer entidade ou objeto do mundo extralinguístico (lexicalização). Por exemplo, sala de jantar denota não uma divisão da casa onde se serve apenas o jantar, mas uma sala onde se come a qualquer refeição.

Contudo, não é fácil confirmar «poça de maré» como um composto inequívoco. Por um lado, a expressão pode ser entendida literalmente como «poça (de água) de maré» ou «poça (surgida por efeito) de maré», sendo, portanto, interpretável de acordo com o cálculo semântico decorrente da associação das palavras que a formam. Por outro, pode constituir uma expressão já fixa, tratada como um composto com significado próprio e, portanto, como palavra autónoma, como bem ilustra o artigo Poça de maré da Wikipédia em português.

Acrescente-se que, se a pergunta tem que ver com a abordagem da formação de palavras compostas no ensino básico ou secundário, não será este o melhor exemplo para iniciar o estudo deste tipo de palavras.

Pergunta:

Gostaria de que me esclarecessem quanto à pronúncia brasileira: esôfago com o fechado? Havia-a em Portugal? A par de esófago, havia a pronúncia esôfago?

Será devida ao espanhol? Penso que o português do Brasil regista muitos espanholismos, conservados, de alguma maneira, em razão de Portugal ter caído sob a regência de Espanha durante a União Ibérica, de 1580 a 1640. Nalguns dialetos do Sudeste (São Paulo) e do Sul do Brasil, talvez em virtude da imigração portuguesa, ouvidos atentos percebem destroços de falares portugueses misturados com a sucessiva falta de escola que durou quase todo o período republicano da nossa história: o o de António não sofre a nasalização do n, da mesma maneira que o o de fenómeno soa como o o de . Certamente Carlos Fino tem razão ao dizer que o Brasil foi «desbravado, alargado e defendido» por portugueses[1], e certamente o Brasil, por infelicidade, caiu no marasmo por azo da queda da monarquia dos Braganças, o que pode abranger também Portugal, mas isso escapa ao escopo da minha pergunta.

Desejava saber se para além de estômago, há outras palavras que se acentuam graficamente com acento circunflexo nos mesmos contextos, ou se estômago é a única exceção. Quanto à nasalização da vogal anterior que se verifica nomeadamente no Nordeste brasileiro, onde há muitos engenhos caiados de branco, região envelhecida de forte tradição portuguesa, a julgar pelos apelidos das pessoas, pelo que se escreve Antônio, embora a vogal nesse contexto não seja fechada como o é em alemão; em alemão, Antonius,  sim, o o é de facto fechado e o n não passa a sua nasalização à v...

Resposta:

A grafia brasileira esôfago, que representa a pronúncia da palavra com o fechado (símbolo fonético [o]), parece uma especificidade do Brasil relativamente antiga, talvez anterior à independência deste país, mas de origem incerta. Em todo o caso, não indicia influência do castelhano.

A pronúncia de esôfago (que em Portugal se escreve e pronuncia esófago) com o fechado está documentada, pelo menos, desde 1813, data de publicação da 2.ª edição do Diccionario da Lingua Portugueza de António de Morais Silva (1755-1824). Infere-se que a vogal o era fechada pela forma esòphago, cujo acento grave é um diacrítico empregado por Morais para marcar o timbre vocálico fechado. Observe-se, porém, que este lexicógrafo, ainda que tenha passado períodos da sua vida em Portugal, nasceu e morreu no Brasil, pelo que não é de excluir a possibilidade de ter feito registo de um hábito articulatório não extensível a Portugal. Não obstante, a consulta de dois dicionários elaborados em Portugal pode levar a pensar que esôfago coexistia com esófago. Assim, no dicionário de Eduardo Faria, publicado em 1851, só se apresenta esóphago, cujo acento gráfico sinaliza a vogal aberta, enquanto se grafa estômago, cujo acento circunflexo corresponde a uma vogal fechada. Deve assinalar-se, porém, que a 1.ª edição do dicionário de 

Pergunta:

Relativamente ao verbo apostar, não tenho um exemplo que me confirme a gramaticalidade desta frase:

«Eu aposto COMO consigo dar um salto!»

Aceita-se que o verbo apostar reja a conjunção como?

Resposta:

A conjunção mais frequente, a introduzir uma oração subordinada substantiva completiva é que:

(1) «Eu aposto que consigo dar um salto!»

No entanto, do verbo apostar, encontram-se atestações literárias do seu uso com a sequência ou locução «em como»:

(2) «O nosso furriel quer apostar comigo em como não chega a participar coisa alguma?» (João de Melo, Autópsia de um Mar em Ruínas, 1992)

O exemplo (3) poderia deixar supor que se trata de uma marca de oralidade, refletindo um uso coloquial, de cunho popular, que o escritor quis recriar num diálogo ficcional. Contudo, «em como» acha-se também no discurso escrito mais elaborado:

(3) «Apostamos também em como ao governo faltará decisão para pedir ao exército sacrifícios harmónicos co' a estiagem do erário, mas sacrifícios fundados! » (Fialho de Almeida, Os Gatos, 1889-1894)

No exemplo (4), retirado de um texto de Fialho de Almeida (1857-1911), autor muito conceituado pelo