Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Estaria correto o uso do artigo indefinido e do adjetivo (em concordância com a percentagem “25%”) nesta frase: «Usufrua de uns exclusivos 25% de desconto»?

Agradeço, desde já, a vossa resposta.

Resposta:

Do ponto de vista gramatical, não está incorreto o uso do artigo indefinido – «uns exclusivos 25% de desconto» –, nem a anteposição do adjetivo («exclusivos 25%»).

No entanto, outras formulações são possíveis, tomando por modelo o que, numa consulta de páginas da Internet, parece mais frequente nos textos promocionais em português:

(1) «Usufrua de uns 25% de desconto exclusivo.»

(2) «Usufrua do desconto exclusivo de 25%.»

(3) «Tenha 25% de desconto exclusivo.»

Pergunta:

Porquê escrever coletânea, e não "coletânia" para uma coleção de textos?

Resposta:

A palavra coletânea, que significa «conjunto ou compilação de poesias ou excertos selecionados da obra ou das obras de um ou diversos autores, de assuntos vários» (dicionário da Academia das Ciências de Lisboa»), escreve-se com e por razões etimológicas, isto é, relacionadas com as suas origens. Estas explicam tal e, apesar de este se pronunciar como [i] átono1.

Coletânea  (ou colectânea)2  faz parte do conjunto de palavras que acabam em  -âneo e -ânea (subterrâneo, miscelânea), que integram as terminações átonas -eo e -ea. Estas formas definem séries cujos vocábulos, em grande maioria, apareceram no léxico do português por via erudita, como afirma, por exemplo, o Dicionário Houaiss no artigo que dedica à terminação átona -ea:

«[O]corre, ordinariamente, em cultismos como forma femina do sufixo –eo, do latim -ĕus, -ĕa, -ĕum, formador de adjetivos de 1.ª classe com o sentido de "da natureza de (o ser indicado pelo radical antecedente)"; nessa situação conexa com o masculino, tais adjetivos, já manifestos antes do Renascimento, se difundem em português a partir de então, primeiro, tomando as formas preexistentes em latim, em seguida, generalizando-as para com formas vernáculas, sempre, porém, dentro da linguagem culta [...]»

Pergunta:

Ouvi falar de uma história em que um autor português, em dúvida sobre um aspeto gramatical, consultou um gramático para o elucidar. O mesmo gramático respondeu-lhe, dando como referência as obras desse mesmo autor.

Gostaria de saber mais pormenores sobre esta história (nomes, datas ou a questão tratado), caso a reconheçam.

Muito obrigado.

Resposta:

A história, que envolve o escritor português Augusto Abelaira (1926-2003) e a Nova Gramática do Português Contemporâneo (Lisboa, Edições João Sá da Costa, 194), de Celso Cunha e Lindley Cintra, é contada pelo linguista e filólogo Ivo Castro, no artigo "Abelaira, Pessoa e os gramáticos", publicado em 2003* e em “O linguista e a fixação da norma”, de 2002 (este último disponível aqui). Ambos os artigos foram mais tarde incluídos em A Estrada de Cintra - Estudos de Linguística Portuguesa (Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2017, pp. 265-274 e 295-311). O essencial desse episódio também foi citado pelo Ciberdúvidas em duas ocasiões (aqui e aqui).

Não se sabe ao certo qual seria o tópico em dúvida, como o próprio Ivo Castro faz questão de frisar: «Abelaira não recorda qual a questão que protagonizou a anedota [...].» Mesmo assim, partindo das abonações da obra de Augusto Abelaira que Celso Cunha e Lindley Cintra Castro incluíram na Nova Gra...

Pergunta:

Recentemente, tive conhecimento que a palavra rímel não deve ser utilizada porque é uma marca de "máscara de pestanas". Dicionários como a Infopédia e o Priberam continuam a ter esta palavra listada como termo para definir "máscara de pestanas". O mesmo acontece em relação a outras marcas, como gilete e kispo.

Não se pode mesmo utilizar estes termos por serem marcas comerciais?

Resposta:

Para elaboração desta resposta, não foram encontradas normas nacionais ou internacionais que impeçam o uso de rímel, giletequispo (melhor que kispo – termo usado em Portugal para designar um casaco quente., impermeável; ver Textos relacionados)1. No entanto, compreende-se que se levantem dificuldades quando se trata da comercialização de produtos,

O vocábulo rímel constitui o aportuguesamento do francês rimmel, um nome comum com origem na marca comercial Rimmel, denominação de um produto da perfumaria homónima, fundada em 1834 por Eugène Rimmel (1820-1887). Tal como o termo francês, rímel é a palavra que se aplica a um «[c]osmético para pintar as pestanas [ou cílios] e aumentar e realçar o seu volume» (Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea da Academia das Ciências de Lisboa).

Como gilete e quispo, rímel resulta da conversão ou extensão de sentido do nome de uma marca comercial, processo que não tem de ser impedido por uma norma nacional ou internacional. Contudo, são termos que, no âmbito comercial, poderão ser substituídos por nomes vernáculos mais transparent...

Pergunta:

No concelho de Castelo Branco, freguesia de Santo André das Tojeiras, há um lugar designado Bornazeiro Cortado. O que é um "bornazeiro"?

Resposta:

Não foi possível achar registo dicionarístico de um nome comum com a forma "bornazeiro".

Podem, no entanto, encontrar-se palavras que apresentam alguma parecença fonética e morfológica, o que, não sendo um critério seguro de pesquisa etimológica, se apresenta muitas vezes como pista de recurso quando escasseia a informação. Assim, mencione-se o vocábulo bornaceira, que, além de significar «tempo quente, abafado», pode querer dizer «pedra branca ou acastanhada», pelo menos em galego (cf. Dicionário Estraviz)1. Pode também pensar-se que o topónimo em questão seja uma variante de borneiro ou borneira, termo que denomina um certo tipo de pedra negra, com que se faziam mós, as quais eram conhecidas pelo mesmo nome (ver Cândido de Figueiredo, Novo Diccionário da Língua Portuguesa, 1913). Nesta perspetiva, talvez "bornazeiro" se relacione com um apelativo da noção de "pedra", hipótese que poderia ver-se reforçada pelo facto de o topónimo inclui ainda a palavra cortado, eventual alusão a um corte na rocha. Outra hipótese seria encarar "bornazeiro" como deturpação de borrazeiro ou borrazeira, nome de uma espécie de salgueiro (cf. Dicionário Houaiss e José Pedro Machado, Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, 2003). Enfim, faltam elementos para explicar a etimologia do topónimo Bornazeiro Cortado.

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