Pergunta:
Esta questão já foi aqui apresentada por outro consulente e a vossa resposta foi «Penso que deve dar preferência ao uso da expressão "tudo o resto"».
Eu mantenho as minhas dúvidas, até porque quem respondeu não o fez com convicção ao usar o «penso que». Pois eu penso que deve ser «todo o resto», entendido como a totalidade da parte restante. Por exemplo, hoje, na capa de A Bola, lê-se que Fernando Santos fala «sobre a Liga das Nações e sobre tudo o resto».
No meu ver, estes dois conceitos são contraditórios: se fala sobre tudo, não sobra resto para acrescentar ao que fala. Ela fala, com certeza sobre a Liga das Nações e sobre a totalidade da parte restante (de matérias de futebol, certamente) que vão além do assunto principal.
Agradeço a vossa atenção.
Resposta:
A dúvida apresentada diz respeito a uma expressão que o uso fixou e que os dicionários registam.
Terá origem no galicismo tout le reste, pelo menos, como tradução literal convergente com a locução «tudo o mais»: da sinonímia de «o mais» com «o resto» terá resultado «tudo o resto», expressão que é ou foi discutível1, mas que ocorre há bastante tempo no nosso idioma, como abonam exemplos de uso até por escritores portugueses:
(1) «O amor-próprio já eu o tinha perdido há muito tempo. E o orgulho, a vergonha, tudo o resto! » (David Mourão-Ferreira, Tal e Qual o que Era, 1963)
(2) «Venho a parte principal de minha família e bagagens em Londres tudo o resto disperso e sem ordem.» (Almeida Garrett, Cartas, 1835)
São de notar, porém, que, também, entre escritores, ocorre a expressão «todo o resto» como variante de «tudo o resto»:
(3) «O meu Deus enche o mundo. Só o meu Deus existe, e todo o resto no universo é tão pequeno e tão fútil, que reclamo mais dor, mais sofrimento, mais fome.» (Raul Brandão, Húmu...