Pergunta:
Os exemplos aduzidos por Napoleão Mendes de Almeida no seu Dicionário de Questões Vernáculas não apresentam o verbo parecer flexionado na 1.ª e na 2.ª pessoa do singular e do plural.
Uma vez que procurei em diversas gramáticas exemplos nas pessoas mencionadas, dentre elas, na d[e] Mira Mateus [Gramática da Língua Portuguesa, Lisboa, Editorial caminho, 2003], desejava saber se vocês poderiam aduzir exemplos de autores portugueses que construíram esse verbo na 1.ª e na 2.ª pessoa do singular e do plural com infinitivo [...] não flexionado, como, nestes exemplos: «Eu pareço querer mudar o mundo.»; «Tu pareces agir como Bacharel de Cananeia.»
Por último desejava ainda saber se esse emprego é lídimo português ou se é já brasileiro, [e]m razão de as [...] completivas equivalerem a «Eu pareço que quero mudar o mundo» [e] «Tu pareces que ages como Bacharel de Cananeia». Não haveria porventura um engano, já que o pronome eu não é sujeito de pareço, mas de quero, de querer, da mesma maneira que o tu não é sujeito de pareces, mas de ages, de agir.
Mais uma vez os meus agradecimentos ao vosso trabalho, de que tanto o Brasil precisa.
Resposta:
Não há qualquer erro em «Eu pareço querer mudar o mundo», nem em «Tu pareces agir como Bacharel de Cananeia».
Tal como acontece com a 3.ª pessoa do singular e do plural («ela parece querer mudar o mundo», «elas parecem agir como bacharéis de Cananeia»), é possível conjugar o verbo parecer na 1.ª e 2.ª pessoas do singular e do plural, numa construção conhecida como elevação do sujeito (o que explica que, nos exemplos em questão, os pronomes eu e tu se relacionem com os infinitivos querer e agir, que ocorrem nas orações subordinadas). Trata-se de um uso que ocorre há muito tempo tanto em Portugal como no Brasil, por exemplo, em textos literários e jornalísticos dos séculos XIX e XX (pesquisa feita no Corpus do Português de Mark Davies):
(1) (a) «[...] eu, publicando as suas Cartas pareço lançar estouvada e traiçoeiramente o meu amigo, depois da sua morte, nesse ruido e publicidade a que ele sempre se recusou [...] (Eça de Queirós, Correspondência de Fradique Mendes, 1900)
(b) «Já estou me acostumando a sentir emoções fortes, como esta. Acho que não pareço ter 93 anos", conta o aniversariante.» ("Crianças homenageiam Capiba", 29/10/1997)
(2) (a) «[...] tu, que me recordas a minha pobre Beatriz, que pareces ter herdado os modos, os gostos, os sentimentos dela [....