Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

As palavras mãe e não e similares são monossílabos tônicos ou átonos?

Resposta:

Mãe é um monossílabo tónico, mas não é monossílabo que pode ser quer tónico quer átono – depende da sua posição na frase ou enunciado.

Os monossílabos podem ser intrinsecamente tónicos ou átonos, como várias gramáticas assinalam, entre  elas, a Nova Gramática do Português Contemporâneo (Lisboa, Edições João Sá da Costa, 1984, pp. 56/57), de Celso Cunha e Lindley Cintra:

«Os monossílabos podem ser átonos ou tónicos.

Átonos são aqueles pronunciados tão fracamente que, na frase, precisam apoiar-se no acento tónico de um vocábulo vizinho, formando, por assim dizer, uma sílaba deste. Por exemplo:

Diga-me / o preço / do livro.

São monossílabos átonos:

a) o artigo definido (o, a, os, as) e o indefinido (um, uns);
b) os pronomes pessoais oblíquos me, te, se, o, a, lhe, nos, vos, os, as, lhes e suas combinações: mo, to, lho, etc.;
c) o pronome relativo que;
d) as preposições a, com, de, em, por, sem, sob;
e) as combinações de preposição e artigo: à, ao, da, do, na, no, num, etc.;
f) as conjunções e, mas, nem, ou, que, se;
g) as formas de tratamento dom, frei, são, seu (= senhor).

Tônicos são aqueles emitidos fortemente. Por terem acento próprio, não necessitam apoiar-se noutro vocábulo. Exemplos: cá, flor, mau, mão, mês, mim, pôr, vou, etc.»

Sendo assim, como mão, que é caso acima mencionado, também a palavra mãe deve ser classificado como monossílabo tónico.

Pergunta:

Resido no Douro e debato-me, entre outros, com a dificuldade de entender o significado de -guião (de Penaguião) e de Tonchuado, microtopónimo que surge registado duas vezes, situados muito perto um do outro, de cada lado do limite entre as freguesias de Godim e de Fontelas, no concelho do Peso da Régua.

Obrigado pela atenção.

 

N.E. – O consulente segue a ortografia de 1945.

Resposta:

Em relação a Penaguião, trata-se de um topónimo resultante da forma medieval Pena Guian, que, por sua vez, remonta à forma não atestada *Penna Godilani" (ou Gogilani), que significa «rocha (ou casa forte) de Godila (ou Gogila)»1. O nome Godila será de origem germânica, mais precisamente visigótica, e foi usado na primeira fase da Reconquista, no séc. IX (período galaico-asturo-leonês), bem antes da criação do reino de Portugal. É que sugere a ocorrência do radical deste nome germânico noutros topónimos em Portugal e na Galiza: Goães (Amares, Braga) e Goián (ou Goião, à portuguesa; Tominho, no sul de Pontevedra).

Quanto a Tonchuado, as fontes disponíveis não facultam qualquer tipo de registo sobre um topónimo com esta forma. Podem, no entanto, formular-se conjeturas: por exemplo, a de se tratar da deturpação de outra palavra, talvez um nome pessoal atribuído por alcunha; a da criação deste nome se relacionar por derivação com trocho ou troncho, «pau, talo de couve, indivíduo desajeitado» (cf. A. M. Pires Cabral, Língua Charra. Regionalismos de Trás-os-Montes e Alto Douro, 2013). É uma mera ideia, que, aliás, não tem base nenhuma de sustentação. Talvez um consulente possa partilhar informação a propósito, permitindo assim a interpretação do topónimo em apreço.

 

1 Cf. José Pedro Machado, Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa (2003) e A. Almeida Fernandes,

Pergunta:

Como consequência da ocupação árabe no nosso território herdámos vários elementos que ainda são visíveis na cultura portuguesa actualmente, como por exemplo as palavras Algarve e Alfama.

Ambas começam pelas letras "A" e "L", portanto a minha dúvida é se todas as palavras que começam por "AL" têm origem árabe, como por exemplo a palavra almofada?

Obrigado.

Resposta:

Os três casos mencionados são efetivamente de origem árabe. No entanto, nem todos os nomes comuns e próprios começados por al têm essa origem. Por exemplo, não têm origem árabe1:

– Alberto, que tem origem germânica, por via do francês (de Adalberht <adal, «nobre» + berht, «brilhante célebre»);

– albergue – com os derivados Albergaria (topónimo) e albergaria (nome comum) – do gótico *haribairg(o) 'acampamento, alojamento'albergue;

– Alva (rio), talvez de uma forma latina *alvea, «cavidade, leito de rio», se não for pré-romano;

alçapão, – ver aqui;

  alga, do latim alga, «alga, sargaço»;

– alpendre, de origem obscura, mas relacionável com o verbo pender, do latim pend, «ser suspendido, estar suspenso».

Quanto aos arabismos, recorde-se que Algarve tem origem na expressão al-gharb, «o ocidente» (isto é, a parte ocidental da parte árabo-muçulmano da Península Ibérica medieval), na qual al constitui o artigo definido. Alfama é a adaptação de outra expressão, al-hammâ «as termas, fontede água quente», em que o h se converteu em f na sua adoção pelos falantes de língua românica no território atualmente português. Finalmente, almofada é também outro arabismo que faz parte do léxico comum e que vem do árabe al-muhaddâ, «coxim, travesseiro».

 

1 Foram consultados o Dicio...

Pergunta:

Como se pronuncia o termo imitatio em latim?

Obrigado.

Resposta:

Na pronúncia restaurada, pronuncia-se "imitátio". Nas pronúncias eclesiástica e tradicional, diz-se "imitácio".

Refira-se que o latim imitatĭo, imitationis, que significa «ação de imitar, imitação, cópia, traslado», está na origem de imitação, vocábulo português que tem as suas primeiras ocorrências na primeira metade do século XVI (cf. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa). Importa também referir que imitatatio se relaciona com imago, imaginis, ou seja, «imagem», através do verbo imĭtor, aris, atus sum, ari «procurar reproduzir a imagem, imitar, arremedar, modelar-se por, copiar, trasladar, assemelhar-se a; contrafazer, simular, fingir, falsificar» (idem, ibidem).

Pergunta:

Gostaria de conhecer as origens do apelido Cristino.

Agradeço.

Resposta:

É um apelido com origem no nome próprio Cristino, que deriva de Christinus, de Christus (= Cristo), tal como Christina > Cristina1.

Nas páginas do GeneAll, encontram-se ocorrências de Cristino como apelido e como nome próprio.

 

1 Cf. José Pedro Machado, Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa.