Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Sou tradutor profissional e gosto muito do vosso trabalho, considerando-o extremamente útil e importante, especialmente para os tradutores profissionais. A minha pergunta é:

Qual das duas frases nos exemplos abaixo é correta? (refiro-me à preposição "de" ou "em" que precede a palavra "vídeo")

– Isilda Gomes dirige-se aos portimonenses em mensagem de vídeo;

– Não foi a única iniciativa do Papa, que também enviou uma mensagem em vídeo aos participantes.

As minhas tentativas de encontrar uma resposta convincente na Internet não deram resultado.

Desde já agradeço a atenção dada à minha pergunta.

Resposta:

Agradecem-se as palavras de apreço.

As duas construções – «de vídeo» e «em vídeo» – estão corretas.

Há uma pequena diferença semântica, de que os falantes nativos podem não dar-se conta (a não ser com reflexão) e que no caso de «mensagem de/em vídeo» até chega a neutralizar-se:

(1) «mensagem em vídeo» – subentende «mensagem [gravada] em vídeo»

(2) «mensagem de vídeo» – subentende «mensagem [gravada com equipamento] de vídeo»

Também se diz (quase) indistintamente «registo em vídeo» e «registo de vídeo». Observe-se que este caso é diferente do de expressões de matéria, que se constroem tradicionalmente com a preposição de, e não com em, – «relógio de ouro», e não «relógio "em ouro"» –que ocorre num uso censurável do ponto de vista das prescrições normativas.

Pergunta:

Costumo aplicar o termo «grandes (ou pequenas) dimensões», no plural, para coisas mensuráveis em termos espaciais, já que a largura, altura, etc. corresponderiam, cada uma, a uma dimensão; e, por outro lado, «grande (ou pequena) dimensão», para coisas que não se medem dessa forma.

Por exemplo: «um móvel de grandes dimensões», mas «um ataque aéreo de grande dimensão».

Recentemente, tenho-me deparado com um uso diverso, nomeadamente um caso em que se falava em «contentores de lixo de grande dimensão».

Isto é correcto ou fazia sentido a distinção que tenho vindo a aplicar?

 

 O consulente adota a ortografia de 1945.

Resposta:

Não se pode aqui confirmar que a distinção feita pelo consulente – que, não obstante, é coerente – esteja generalizada e defina o uso correto do singular e do plural de dimensão.

Na verdade, tendo em conta que dimensão se emprega correntemente também como sinónimo de tamanho, e volume, não se deteta incorreção no uso de «contentores de lixo de grande dimensão».

Do mesmo modo, a situação simétrica ilustrada por «um ataque aéreo de grande dimensão» é aceitável, dada a sinonímia de dimensão, no singular, com proporção. Note-se que proporção apresenta, aliás, características semelhantes, pois que o singular e o plural são praticamente equivalentes quanto ao sentido quando ocorrem na locução «de grande(s) proporção(ões)».

 

Pergunta:

A propósito do misterioso objecto que tem, nos últimos dias, aparecido e desaparecido nos EUA reparei na grafia monólito, que me era até aqui desconhecida, uma vez que sempre disse/escrevi "monolito" — sem a tónica na segunda sílaba e sem acento agudo.

Pergunto se esta norma será recente já que trabalhos académicos que encontrei, em português europeu, usam da grafia "monolito". E, pela mesma lógica, escrevemos "monografia" e não "monógrafia" ou, se quisermos, "monocelha" e não "monócelha". "Megafone", e não "megáfone", etc etc.

Uma pedra/pedra única, mono + lito, "monolito".

O que me está a escapar?

 

 O consulente adota a ortografia de 1945.

Resposta:

A forma que é considerada correta - pelo menos, desde 1940 (cf. Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, da Academia das Ciências de Lisboa) é monólito.

O elemento de composição -lito, à semelhança de sufixos como -ico (cínico, democrático, sulfúrico, turístico, ), tem associado um acento que, curiosamente, recai externamente, isto é, sempre na última sílaba da forma precedente, isto é, o primeiro elemento do composto ou da base da derivação – cf. salvífico (e não "salvifico"); micrólito (e não "microlito").

Não é isto que acontece com os outros casos mencionados na pergunta, porque -grafia, -celha e -fone retêm o seu próprio acento.

Pergunta:

A propósito de problemas surgidos na cidade de Guimarães nos ajuntamentos ilegais que assinalavam as tradicionais Festas Nicolinas, surgiu esta curiosidade:

1) A formação do adjetivo nicolino; e

2) A razão de um "santo" bem mais popular noutras paragens ( Rússia, Turquia, Grécia e Noruega) se ter transformado no "patrono" dos estudantes... de Guimarães.

Os meus agradecimentos.

Resposta:

1) O adjetivo nicolino tem como base de derivação a forma nicol-, que integra o nome próprio Nicolau.

2) O culto a São Nicolau parece limitar-se à cidade de Guimarães, no que se configura como uma tradição urbana, ao que parece pouco ligada às tradições rurais das outras freguesias do respetivo concelho. Com efeito, lê-se em As Festas Nicolinas, em Guimarães: tempo, solenidade e riso (coord. Jean-Yves Durand, Município de Guimarães, 2018, p. 7):

«[...] [A] notoriedade das celebrações que Guimarães dedica todos os anos a São Nicolau é muito reduzida fora do concelho e, até a uma época recente, nas freguesias rurais mais afastadas da cidade, evocar as «Nicolinas» nem sempre suscitava grandes reações. Antes da sua popularização a partir do início do século XX, as Festas Nicolinas parecem ter sido conhecidas sobretudo como «Festas de São Nicolau» ou «Festejos Escolásticos a São Nicolau». A designação hoje corrente foi adotada a partir do uso da expressão «a festa nicolina» no Pregão de 1904, escrito por João de Meira, uma figura intelectual da cidade no início do século XX, e ofusca agora por inteiro as outras denominações, as quais podem ainda surgir ocasionalmente em contextos formais ou eruditos, como é o caso de «Festejos a São Nicolau».»

Segundo a mesma fonte (p. 41 e ss.) o culto será relativamente tardio, por comparação com outros da região:

«[...] [O] culto deste bispo oriental só se consolidou no Ocidente após a transferência das suas relíquias para Bari, em 1087. Prova disto constitui o Censual de D. Pedro, bispo de Braga, que não regista qualquer mosteiro ou igreja consagrada a São Nicolau, o que evidencia o desconhecimento deste santo no noroeste peninsular. Segundo Francisco ...

Pergunta:

No artigo "Reduções de palavras que não são abreviaturas" de 26-11-2020, João Nogueira da Costa afirma o seguinte :

«O adjetivo belo tem a forma reduzida bel que se usa unicamente com o vocábulo prazer: «fazer algo a seu bel-prazer.»

A minha pergunta é : por que é a palavra belver (ou "bel-ver"?) não é considerada uma forma reduzida como bel-prazer? .

Muito obrigada pela atenção

Resposta:

O uso de bel, forma apocopada de belo, é raríssimo, de tal maneira que se pode dizer que hoje só se atesta pelo composto bel-prazer (ver, por exemplo, o Dicionário Priberam).

A palavra belver poderá ser posta em paralelo com bel-prazer e até escrever-se com ortografia semelhante ("bel-ver", não atestada). Contudo, acontece que tem uma história e um tratamento dicionarístico diferentes, seguindo outro caminho de representação ortográfica. Com efeito, a forma belver constitui uma «forma apocopada de belvedere, com a intenção de aportuguesar o italianismo», segundo o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa., que também consigna belveder como variante do aportuguesamento.

Noutras fontes, é possível ainda identificar as expressões «bel talante» (cf. Dicionário Infopédia) e «bel cantar» (cf. dicionário de Caldas Aulete). Quanto a bel canto, o seu registo é feito geralmente em itálico, visto ser identificado como italianismo.

Acrescente-se que bel-prazer não ocorre em geral como nome autónomo, mas antes como parte da locução «a meu/teu/seu/nosso/vosso bel-prazer», que significa «segundo o (seu) próprio arbítrio».