Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Junto breve citação extraída do romance Terras do Demo, pp. 180-181, em que consta putreia:

«Ia para quatro meses que não sabia dela… é verdade. Por modos já não havia escrivães no povo! Terra de maldição! Os que aprenderam a rabiscar o nome navegavam, e o padre — esse sujaria as mãos se lhe pedissem duas regrinhas de graça. Ah! Deus tivesse na santa glória o tio Manuel Abade que não precisava que o rogassem duas vezes para escrever a um vagamundo. A malta do Rio, pelo que lhe dissera o Jaime Gaudêncio, ficava toda boa. Boa, mas o Rio já não era o Rio. O italiano e o espanhol tinham derrancado o trabalho. Depois, passagens caras e más. Viera no Malange, um mazombo de paquete que andava à tona como tubarão escaldado como abóbora. À passagem da linha, estivera a deitar a cama das tripas com o afocinhar do calhambeque. Perdesse o nome que tinha se aceitava mais algum dia viajar no francês! Uma putreia, comida para negros, beliches para condenados do Inferno. Boa Mala Real, mas para melhor o alemão. O alemão, batia a tudo o que andava no mar.» Terras do Demo, pp. 180-181

Contudo em Quando os Lobos UivamCasa do Escorpião já se lê como potreia.

Já agora, esta pequena dúvida: «comida para negros». Pretos é regionalismo para po...

Resposta:

Encontra-se registo das duas formas – potreia e putreia – com significados diferentes, ainda que próximos, marcando uma apreciação negativa, conforme se regista no dicionário de Caldas Aulete:

«putreia – s. f. || podridão. || O que não presta: Os aviamentos do Calhorra iam em crescendo, o que supunha maior consumo de metal verdadeiro para colorir a putreia. ( Aquilino Ribeiro, Volfrâmio, c. 5, p. 162, 4.ª ed.) [É melhor forma que potreia.] F. r. lat. Putredo (putrefação).»

«potreias. f. || (pop.) bebida desagradável, mal saborosa; especialmente vinho estragado, adulterado. || (P. ext.) Coisa ruim. Cf. putreia. F. lat. Putridus.»

Estas palavras e as suas definições são reiteradas por Elviro Rocha Gomes, Glossário Sucinto para melhor compreensão de Aquilino Ribeiro, Porto Editora, 1959):

«Putreia – mixórdia, restos de decomposição de substância orgânica.»

«Potreia — bebida estragada e de mau gosto, porcaria.»

Mais recentemente, só a forma potreia encontra entrada em dicionários tanto de Portugal como do Brasil, que consignam também a variante pótrea; e a respetiva informação etimológica indica sobre...

Pergunta:

Referir-se à pessoa que nasce no Brasil como brasileiro ou brasileira me parece um equívoco. Na verdade, remete a um tratamento pejorativo e que foi nacionalmente incorporado.

O termo tem origem na forma que o antigo português tratava seu patrício ao retornar a Portugal, vindo do Brasil. Na língua portuguesa, as palavras com sufixo -eiro ou -eira designam atividade laboral. São os casos de pedreiro, costureira, marceneiro, torneiro, e por aí vai.

Consultando dicionários, encontrei como principais gentílicos, brasiliano e brasílico. Há outros. As pessoas de língua inglesa tentam nos ajudar nos chamando de Brasilian. Os de língua espanhola também. Nos chamam de brasileños.

Vendo alguns gentílicos nacionais, vejo que na Bahia há maleiro, que é pejorativo. No Piauí há piauizeiro, que também é pejorativo. Ambos com sufixo -eiro.

Acredito que está na hora de nos recompormos e mudarmos a forma com que nos chamamos.

Grato.

Resposta:

Agradece-se ao consulente a partilha da sua opinião, a qual parece ter pouco que acrescentar.

Se os Brasileiros não gostam do gentílico que herdaram e que é o usado mesmo oficialmente, a mudança poderá ser feita pela intensificação do emprego das formas alternativas mencionadas.

Note-se, porém, que no caso de brasileiro, o sufixo -eiro não é atualmente considerado depreciativo, nem tem de o ser, porque – e o próprio consulente assinala o facto – também ocorre em nomes relativos a funções ou atividades como madeireiro, mineiro, merceeiro, carteiro, enfermeiro ou banqueiro.

Além disso, brasileiro está amparado por outros gentílicos usados no Brasil como campineiro, «natural de Campinas», ou mineiro, «natural de Minas Gerais» (cf. Dicionário Houaiss).

Por outras palavras, a forma -eiro tem, em português, muitos sentidos (é polissémico), e a ela associam-se diferentes valorizações, razão por que poderá afigurar-se empobrecedor julgar a forma brasileiro apenas por uma das interpretações atribuíveis ao seu sufixo.

Pergunta:

Tenho visto utilizarem o portanto no lugar da expressão «tanto é que». Por exemplo:

«O Brasil é um país desigual, tanto é que existem favelas ao lado de condomínios de luxo.»

Eu vejo falarem «O Brasil é um país desigual, portanto que existem favelas ao lado de condomínios de luxo [sic]».

Esta forma soa tão mal para mim.

Gostaria de saber se há algum fundamento nesta utilização e se há algum sinônimo para a expressão «tanto é que».

Resposta:

É um uso que, não fazendo parte da norma, se considera errado.

A locução «tanto é que» tem valor explicativo e é equivalente a «tanto assim que» («prova disso é que; tanto que; por sinal que»; ex.: «preparou-se mal para o exame, t. assim que foi reprovado») e «tanto que (cf. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa). Esta locução também é interpretável com valor consecutivo («tanto assim que» = «de tal maneira que»).

Pergunta:

Qual a origem do topónimo Fronteira, no Alto Alentejo?

Desconhece-se a origem deste topónimo!

E é único em Portugal! Mas alguns que se interessam pelo estudo do domínio dos mouros na Península Ibérica admitem que a palavra " fronteira" , significava que o limite do domínio mouro do outro domínio cristão!

Será essa a história do topónimo da Vila Fronteira.? Ninguém sabe!

Resposta:

Tendo em conta o caso andaluz de Jerez de la Frontera (Cádis), que deve o segundo nome à posição fronteiriça com o antigo reino de Granada, poderá supor-se que Fronteira se tenha fixado como topónimo de modo paralelo em território português – ou seja, por, na passagem do século XII para o século XIII, se encontrar na extrema que separava o reino de Portugal de território administrado pelo reino árabo-muçulmano de Badajoz. É neste sentido que vai a explicação dada por Américo Costa, no seu Diccionario Chorographico de Portugal Continental e Insular (vol. VI, 1938;mantém-se a ortografia original):

«A primeira fundação da villa foi em 1226, n'um outeiro, á qual chamam Villa Velha, onde estava então uma atalaia fronteira aos moiros de Viamonte [sic], de cuja circunstância tomou o nome [...].»1

Contudo, para a redação desta resposta, não foi possível ter acesso a eventuais fontes que confirmassem esta hipótese, ainda que esta seja plausível. Não obstante, é de referir que José Pedro Machado, no Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, não duvida em identificar a origem do topónimo no nome comum fronteira; no entanto, não considera a explicação antes citada e, tendo em mente a raia com Espanha, observa que seria necessário compreender melhor o nexo com a noção de fronteira, visto que esta ainda dista quilómetros da localidade em apreço.

Acrescente-se que o uso de Fronteira como nome de lugar (topónimo) não sendo frequente, ...

Pergunta:

Estava ouvindo a música Tempo Ruim de Mandi e Sorocaba, cantores paulistas da segunda década do século XX.Eis um trecho:

Eu pegava em dez mirréis
E surtia a minha casa
Pagava tudo vendeiro
Em nada eu atrasava
Quando era fim da sumana
Mantimento sobejava.

Vejam que semana está pronunciado como "sumana". Queria saber se é algo específico do Brasil ou se encontra – ou, no caso, já se encontrou –algo semelhante em Portugal.

Resposta:

A forma "sumana" (ou "somana") encontra-se em falares populares e regionais de Portugal e também na Galiza.

É resultado da instabilidade das vogais átonas, típico da história do sistema dialetal galego-português, como observa o filólogo galego Manuel Ferreiro1:

«En contacto con consoante labial, a vogal átona [e] sofre unha forte tendencia á labialización, isto é, a sua conversión en [o], na lingua oral popular [...].»

O mesmo autor dá vários exemplos, além de somana: formento (fermento), lovar (levar), romédio (remédio). Estas variantes também se encontram ou encontravam dialetalmente em Portugal, segundo a Revista Lusitana (1887-1943). No dicionário de Caldas Aulete (1881) também se consigna somana como vocábulo arcaico e popular (cf. versão eletrónica). Em fontes mais recentes, refira-se o Dicionário Houaiss, que acolhe a entrada somana, classificada também como arcaísmo de uso informal, sinónimo de semana; e o mesmo ocorre no Grande Dicionário da Língua Portuguesa, de José Pedro Machado.

Na língua mirandesa, sumana é igualmente a forma usada (cf. ...