Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

A questão foi levantada no ano 2000, por outro consulente, mas ciente das variações da língua ao longo do tempo, pergunto, novamente, se: haverá alguma diferença de sentido entre ex-ministro e «antigo ministro»?

Ao responder à consulta, argumentava-se que a tendência actual é de empregar o elemento ex- seguido do substantivo, de preferência ao uso do adjectivo antigo. Contudo, faltará dilucidar se esta tendência tem respaldo de alguma justificação semântica mais substantiva. E, se, entretanto, a tendência se terá invertido.

O consulente segue a norma ortográfica de 1945.

Resposta:

A forma prefixada por ex- e a construção adjetival com antigo continuam a configurar expressões sinónimas, como expôs Teresa Álvares há mais de 20 anos e como se pode exemplificar nos usos atestados por uma notícia do arquivo do Ciberdúvidas.

O prefixo ex- equivale semanticamente a antigo, como se infere do seguinte comentário associado à entrada ex- da Infopédia: «[Ex- é] prefixo que exprime a ideia de movimento para fora, separação, extração, afastamento e significa aquilo que alguém foi mas já não é, quando seguido de nome que indique estado ou profissão e esteja a ele ligado por hífen.»

Quanto a antigo, conta este adjetivo, entre as suas aceções, a de «que teve em tempo anterior um lugar que já não ocupa», significado, portanto, comum a "ex-" (ibidem).

Pergunta:

Estou fazendo a tradução de um texto em língua francesa em que consta o vocabulário fol, variação arcaica de fou, o mesmo que louco.

Gostaria de saber, por favor, qual vocábulo em português arcaico designa «louco» ou «doido»?

Resposta:

Existe a palavra sandeu, que ainda hoje os dicionários registam com o sentido de «tolo» e «louco»1., como é o caso do Dicionário Houaiss:

«sandeu Uso: pejorativo. 1    caracterizado por sandice, que envolve ou consiste em sandice Ex.: <a devoção sandia com que cercou aquela crença> <uma página pejada de um enternecimento s.>; 2    que diz ou pratica tolices; que é tolo, pateta; 3    que age simploriamente, com ingenuidade; tonto
n substantivo masculino; Uso: pejorativo. 4    indivíduo que age como um tolo; idiota, pateta; 5    indivíduo que diz sandices, coisas sem nexo, loucuras.»

Mas note-se que fol, um empréstimo do francês, também se documenta na poesia galego-portuguesa2.

1 Cf. Cantigas Medievais Galego-Portuguesas, da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa.

2 Ibidem.

Pergunta:

Gostaria de pedir a vossa ajuda quanto ao seguinte: atualmente, há vários documentos oficiais e académicos que usam abundantemente o adjetivo "criterial", de modo a poder distinguir, por exemplo, uma avaliação criterial (baseada em critérios) de uma avaliação normativa.

Não encontrei referência a esta palavra em dicionários como o da Porto Editora (infopedia) ou o Vocabulário Ortográfico do Português. Há algum dicionário que a defina ou o seu uso é incorreto?

Grata pela atenção.

Resposta:

Criterial é palavra correta que, por enquanto, tem uso sobretudo especializado.

Confirma-se que a ausência de registo de criterial mesmo nos dicionários eletrónicos recentes, entre eles o da Infopédia e o Priberam (ainda que neste último, no momento de eleaboração desta resposta se anuncie para breve a disponibilização de uma entrada).

De um ponto de vista estritamente formal, criterial é um adjetivo bem formado, segundo o modelo de caraterial (ou caracterial). Por outro lado, é vocábulo com uso especializado, por exemplo, nas ciências de educação, em cujos textos ocorre há já mais de duas décadas em expressões como «avaliação criterial» (cf. documento da Direção-Geral de Educação) ou «análise criterial», que decalcam usos do inglês criterial também na mesma área de estudo.

Criterial tornou-se, portanto, uma palavra legítima no âmbito educativo, onde significa genericamente «relativo a critérios» ou «fundado em critérios». Porém, fora deste uso, na linguagem corrente, tem mais tradição criterioso: «escolha criteriosa» será, portanto, expressão mais adequada do que «escolha "criterial"».

Pergunta:

Qual é a origem do sobrenome Paulos?

Resposta:

Trata-se de um apelido (sobrenome) que talvez tenha origem no nome próprio Paulo.

Pode propor-se como hipótese que o -s de Paulos seja uma marca de plural: por exemplo, considere-se, por conjetura, que uma família, com um antepassado chamado Paulo, era conhecida numa aldeia ou num bairro vilego ou citadino, como «os filhos/netos do Paulo», donde «os Paulos; mais tarde este nome teria passado a usar-se como apelido (sobrenome).

Note-s, porém, que Paulos é apelido também conhecido na Galiza, nas regiões litorais (Vigo, Arousa e Corunha), talvez originário de uma adaptação do latim Paulus". (Cf. Apelidos de Galicia). Nada impede que o apelido tenha vindo da Galiza, onde poderia ter-se fixado da maneira que se expôs. Como se sabe que no século XVIII e XIX houve uma corrente migratória importante da Galiza (sobretudo do sul desta região) para Portugal, é também plausível que o apelido tenha aí origem.

Será, portanto, necessário que o consulente investigue um pouco a história de família e se embrenhe numa área que já é da genealogia.

Cf. José Pedro Machado, Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa.

Pergunta:

Porque se definiu que a tradução escrita do prefixo pró, elemento de origem grega, se escreve acentuado em português?

Porque um acento vem mudar tanto a definição de um mesmo conjunto de três letras: pro e pró?

Grata.

Resposta:

A forma prefixal pró- não é sempre de origem grega. De facto, em muitas palavras – pró-eutanásia, pró-aborto, pró-alemão – tem origem latina, na preposição pro, com vários significados («diante de; em cima de, sobre; por, a favor de; à maneira de; em lugar de; pelo preço de; segundo, conforme; durante, em, dentro de (exprimindo tempo)», Dicionário Houaiss, s. v. pro-).

Em todo o caso, há palavras em que figuram as formas pró ou pro sempre integradas sem hífen em palavras construídas em grego, como sejam prólogo e problema.

Acontece que a acentuação original do grego não é transposta tal e qual para português. Na verdade, os acentos do grego (antigo ou na sua versão científica) e os acentos do português estão sujeitos a regras diferentes, porque se enquadram em alfabetos e regras de escrita diferentes, além de estarem envolvidos num processo de transmissão por via do latim que trouxe alterações na sua colocação.

Assim, por exemplo, πρόλογος, com a preposição e advérbio πρό ("pró") convertida em prefixo, passou ao latim como prolŏgus, e daqui para várias línguas europeias, entre elas, o português, sob a forma prólogo, que mantém ou parece manter a acentuação grega original. Mas o grego πρόβλημα passou ao latim como problēma, forma com acento tónico na penúltima sílaba que tomou formas próximas em línguas mais tardias, como o português, que conservou a acentuação tónica do latim, mas não a do grego.

Cf.