Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Qual a origem da palavra papa (no sentido do Sumo Pontífice do Vaticano)?

Creio que existem várias teorias:

1. Acrónimo de Petrus Apostolus Princeps Apostolorum («Pedro Apóstolo, Príncipe dos Apóstolos»);

2. Acrónimo de Petri Apostoli Potestatem Accipiens («do Apóstolo Pedro tomou o poder»);

3. Do latim, "papa" (termo carinhoso para "Pai").

Resposta:

Nas fontes consultadas para elaboração desta resposta, não se encontra confirmação de papa1, «chefe supremo da Igreja Católica ou de qualquer outra igreja»(Infopédia), ter origem nos acrónimos apresentados na pergunta ou noutros.

Com efeito, as mais antigas atestações da palavra em (galego-)português, do século XIII (cf. Dicionário Houaiss), não indiciam nenhum tipo de abreviação. Além disso, procurando noutras línguas cognatos de papa, observa-se que o alemão Pfaffe vem do latim pappa ou do gótico papa, com origem no grego pappás), tratando-se de um empréstimo alto-medieval, sem sugestão  de estas formas surgirem de acrónimos. Estes, se têm uso (também não foi aqui possível confirmar), serão posteriores ao uso do latim papas e das formas que este termo depois assumiu noutras línguas.

Sendo assim, uma etimologia plausível é a registada no Dicionário Houaiss:

«latim pa (pas) ou pāppa (pāppas), ae "pai, governador (de crianças), amo, pedagogo; padre, papa, título honorífico atribuído aos dignitários da igreja" < grego páppas,ou 'palavra expressiva infantil, dirigida ao pai ou ao avô; termo de respeito dirigido a...

Pergunta:

Na frase «Ele tinha o cabelo incrivelmente crespo», a que subclasse pertence o advérbio incrivelmente?

Será um advérbio de modo?

Cordialmente.

Resposta:

Pode classificar-se incrivelmente como advérbio de grau, pelo menos, no atual contexto escolar de Portugal.

Atendendo à sua quase sinonímia com muito em associação com adjetivos, na construção analítica do grau superlativo absoluto, tem cabimento a classificação de incrivelmente como advérbio de grau, conforme a definição do Dicionário Terminológico, recurso destinado a apoiar o estudo do funcionamento da língua nos ensinos básico e secundário de Portugal1. Exemplos:

(1) Ele tinha o cabelo muito crespo.

(2) Ele tinha o cabelo incrivelmente crespo.

Os exemplos (1) e (2) mostram que tanto muito como incrivelmente marcam o alto grau da propriedade denotada pelo adjetivo crespo.

Contudo, noutra perspetiva, incrivelmente é classificado como advérbio avaliativo de situação2, que ocorre quer como modificador de frase («Incrivelmente, o deputado não participou no debate»), quer como modificador do grupo adjetival, na construção do grau superlativo absoluto («o discurso foi incrivelmente longo» = «... muito longo»)3.

 

1 Numa perspetiva tradicional, aceitava-se que os advérbios em -mente, como é o caso de extremamente – como incrivelmente, também empregado na construção analítica do grau superlativo absoluto–, eram advérbios de modo, muito embora outros assim sufixados figurassem noutras subclasses – por exemplo, somente e unicamente, entre os advérbios de exclusão. Cf. J.M. Nunes de Figueiredo e A. Gomes Ferreira,

Pergunta:

dicionário da Porto Editora diz-nos que se escreve "subsídio-dependência". O da Priberam diz-nos que se escreve "subsidiodependência".

Qual deles está errado?

Resposta:

 É um tanto difícil afirmar que o dicionário da Porto Editora está errado, porque se trata de um composto relacionável com um outro, subsidiodependente, que, suscetível de ocorrer como nome («os subsidiodependentes»), exibe o elemento subsídio- não em coordenação com dependente, mas antes como elemento com afinidades com as unidades prefixais1. O adjetivo subsidiodependente encontra, aliás, paralelo em lusodescendente2, que, por vezes também ocorre (discutivelmente) com hífen.

Acontece que as regras de escrita deste tipo de compostos estão por definir3.

No entanto, não configurando os compostos subsidiodependente e subsidiodependência casos de coordenação de dois elementos – como seria o caso de médico-cirurgião –, é mais coerente aceitar que as suas grafias não tenham hífen e se apresentem como sequências gráficas contínuas, à semelhança de toxicodependente/toxicodependência ou insulinodependente/insulinodependência (cf. a própria versão eletrónica do dicionário da Porto Editora na Infopédia). Nos três pares de compostos, o primeiro elemento nominal é parafraseável por um complemento do nome: «dependência de subsídio/insulina/(produto) tóxico».

 

1 No vocabulário ortográfico da Infopédia, da Porto Editora, tamb...

Pergunta:

Gostaria de saber se é válida ou merece alguma censura a utilização do termo "essenciais" com o significado de "produtos essenciais". Esta utilização é cada vez mais frequente no setor do comércio.

Alguns exemplos:

«Essenciais para carro» (Lidl)

«Essenciais para a escola» (Apple)

«Essenciais para casa» (H&M)

«Lista de essenciais» (Público, Fnac, entre outros).

Obrigado

Resposta:

É anglicismo semântico, pois trata-se da tradução literal do inglês essentials, o mesmo que «coisas essenciais» (cf. Linguee). Conforme o contexto, pode este termo também ser equivalente a «aspetos essenciais»,«elementos essenciais», «condições essenciais» etc. Em suma, em português, pode empregar-se essenciais, mas sempre a acompanhar nomes como os atrás exemplificados ou outros.

Pergunta:

Gostaria de saber a forma correta do plural da palavra "pólis", pois tenho pesquisado e encontrei as seguintes formas: "póleis", "poleis", "pólis".

Muito obrigada!

Resposta:

Quando se usa pólis em português, mantém-se a mesma forma no plural. A forma póleis configura um plural, mas no grego clássico, e não em português.

Pólis significa «cidade-Estado, na Grécia antiga» e «um estado ou sociedade, especialmente quando caracterizado por um senso de comunidade» (Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, edição eletrónica, 2001). É adaptação do grego clássico pólis, eós (πόλις, πόλεως), «cidade» (cf. ibidem e Wiktionary).

Também ocorre como elemento de composição (Florianópolis, Petrópolis, Metrópolis), tendo a variante -pole (acrópole, metrópole, necrópole).