Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Como ficaria no feminino o seguinte verso de Antero de Quental: «Paladino do amor,busco anelante» [de "O Palácio da Ventura"]?

Grata.

Resposta:

Pode formar-se regularmente paladina, pois o radical de paladinopaladin- – não é incompatível com a adjunção do índice temático -a.

Acontece que o nome tipicamente tem sido associado a homens, de tal maneira, que os dicionários só o registam como «nome masculino» e definem-no em alusão a figuras masculinas, como acontece no dicionário de português da Infopédia:

1. HISTÓRIA cavaleiro andante; 2. HISTÓRIA cada um dos cavaleiros que acompanhavam o imperador germânico Carlos Magno (768 - 814) durante os combates e que mais se distinguiam pela sua bravura; 3. figurado homem intrépido e leal. 4. figurado defensor acérrimo.»

Na Idade Média, não terá havido, portanto, paladinas (ainda que a Joana d'Arc não seja estranha a estas figuras), mas, atendendo a que há defensores e defensoras acérrimas de uma causa, nada obsta a que não se empregue paladina.

Pergunta:

Comprei recentemente a edição fac-similada do famoso Cozinheiro dos Cozinheiros de Plantier. É um livro extraordinário, no sentido gastronómico do termo. Mas também achei muito interessante as diferenças na grafia do português, desde o final do século XIX, e algumas palavras agora muito raras (trocazes, láparo, lebracho, tencas, etc.).

Mas a minha pergunta concreta tem a ver simplesmente com a palavra às (contr. de prep e artigo) que nesse livro surge sempre como "ás."

A minha pergunta é quando tal mudança teve lugar na ortografia portuguesa e porquê.

Muito obrigado.

Resposta:

É com a aplicação da Reforma Ortográfica de 1911 que se fixa a escrita com acento grave, embora antes já houvesse pessoas que propunham tal grafia (cf. Gonçalves Viana e Vasconcelos Abreu, Ortografia Nacional, 1885, p. 7). O acento grave permitia (e permite) indicar o timbre aberto da vogal, apesar de a palavra monossilábica em que se insere não ter acento próprio e sujeitar-se ao da palavra seguinte.

Note-se que Cândido de Figueiredo (1846-1925), na 1.ª edição (1899) do seu Nôvo Diccionario da Lingua Portuguêsa, regista ainda ás, com acento agudo, como contração da preposição a e do plural do artigo definido as, não obstante o referido lexicógrafo ser adepto de muitas das ideias que levaram à reforma ortográfica de 1911.

Pergunta:

Gostaria de saber o significado e qual o correto entre penico e pinico.

Resposta:

São palavras diferentes e corretas:

penico: «vaso para urina e dejeções»;

pinico: «ponta aguda, bico».

Ambas as palavras têm origem obscura.

Note-se também que as duas palavras têm geralmente pronúncias muito parecidas (são, portanto, parónimas), mas, entre muitos falantes, chegam a identificar-se foneticamente, tornando-se homófonas.

Fonte: Dicionário Houaiss.

Pergunta:

Gostava de saber qual o significado do verbo gabiar, na minha zona é fazer valas para plantar bacelo ou outras árvores novas, mas como só encontrei a conjugação do verbo sem significado.

Obrigado

Resposta:

Gabiar é o mesmo que gavear, um transmontanismo que significa «plantar bacelo», conforme já registava Cândido de Figueiredo, no seu Nôvo Diccionário da Língua Portuguesa, em 1899.

A forma gabiar tem como nome correspondente gábia, do qual deve ter derivado. Gábia é, segundo a fonte já citada, «escavação em volta da videira, para a estrumar ou para fazer mergulhia. (Colhido no Mogadouro)», atribuindo-se-lhe origem castelhana, gavia.

Assinale-se aqui o registo da forma gávea no Dicionário Houaiss como termo da marinha, com uma série de aceções:

«1    nome específico do mastaréu que espiga imediatamente acima do mastro grande
2    nome específico da verga que cruza no mastaréu de gávea grande
3    nome específico da vela redonda que pende da verga de gávea do mastro grande
4    design. genérica para as velas redondas (nos navios de três mastros, de vante para ré: velacho, gata, gávea), que pendem das vergas de mesmo nome
5    design. genérica dos mastaréus e vergas (nos navios de três mastros, de vante para ré: do velacho, da gávea e da gata), que espigam logo acima dos mastros reais.»

Observe-se que, em dialetos setentrionais portugueses, gávea pode soar como gábia. Não é descabido supor que o transmontanismo em questão e o termo náutico podem historicamente ter divergido da mesma palavra, conforme informação etimol...

Pergunta:

A palavra coitado vem de coito ou de coita?

Resposta:

Coitado vem do particípio passado de coitar «desgraçar, magoar» e está atestado desde os séculos XIII (coitado, cuitado) e XIV (cuytado).

Coitar (coitar e coytar nos documentos medievais) vem do occitano antigo (ou provençal) coitar, cochar , com o mesmo significado que o verbo (galego-)português, procedendo provavelmente do latim vulgar *coctare (forma conjetural), derivado de coctus, correspondente ao latim clássico coactus, particípio passado de cogĕre, «obrigar, forçar». Coita é um derivado regressivo (ou derivado não afixal) de coitar.

São palavras que não têm que ver com coito, «cópula sexual», vocábulo com origem em coĭtus, -ūs, usado no mesmo sentido e derivado de coīre, «juntar-se carnalmente».

Fontes: J.Coromines e J. A. Pascual, Diccionario Crítico Etimológico Castellano e HispánicoDicionário Houaiss; J. P. Machado, Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa.