Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Queria saber se uma expressão que eu vejo muito é especificamente de Moçambique ou é um erro ou dito.

A expressão combina as palavras de e na.

Aqui está um exemplo: «depois de na segunda-feira».

Sei que isso é estranho no Brasil, mas já achei alguns artigos de português europeu que usam (raramente) a expressão também.

Resposta:

Em Portugal, como no Brasil, trata-se de uma construção errada.

Se a intenção for referir um momento posterior a uma segunda-feira, a construção usada não inclui na:

(1) Só voltamos depois da/de segunda-feira.

Contudo, em certos contextos pode ocorrer «de, na segunda-feira», mas com vírgula:

(2) Depois de, na segunda-feira, ter visitado Madrid, sigo agora para Barcelona.

Pergunta:

Qual seria a melhor tradução para o termo chafing dish?

Procurando inicialmente em catálogos e fornecedores parece haver um certo consenso de que o termo utilizado é réchaud, mas tenho algumas reservas em utilizar a palavra quando esta não aparece no dicionário. Pelo levantamento de respostas entre amigos, as mais populares foram réchaud, «banho-maria» e até mesmo chafing dish.

Um aspeto curioso é que muita gente mencionou um «outro termo na ponta da língua» do qual ninguém se foi capaz de lembrar. O dicionário também refere rescaldeiro, mas esse termo nunca foi utilizado quando mostrei as imagens. Embora nem sempre a sabedoria popular seja a correta, o facto de ninguém em hotelaria ter ouvido este termo apenas aprofunda as minhas dúvidas.

Algum esclarecimento?

Antecipadamente grata pela vossa resposta

Resposta:

O termo mais corrente para traduzir o anglicismo chafing dish é outro estrangeirismo, réchaud, que provém do francês e significa, conforme definição do glossário da  Associação da Hotelaria de Portugal, «fogareiro portátil para manter aquecidos os alimentos, preparar fondues ou para cozer alimentos à frente do cliente».

O termo inglês chafing dish é traduzido como «caçarola com fonte de calor para conservar coisas quentes» no dicionário inglês-português da Infopédia. Observe-se, todavia, que  o Dicionário Houaiss  e o Dicionário Michaelis consignam o galicismo réchaud, e o primeiro dentre eles regista o seu aportuguesamento fonético e gráfico sob as formas rechô e rechó. Esta última forma, rechó,

Pergunta:

Segundo o antigo Acordo Glossário Aquiliniano, Ortográfico, como deverão ser grafados os nomes de religiões?

Por exemplo: «O Hinduísmo é uma religião professada...» ou «O hinduísmo é uma religião professada...»? «A Religião Católica», «A religião Católica» ou «A religião católica»?

Em relação ao termo "S/sikhismo», é correto o seu uso?

Antecipadamente grata.

Resposta:

Grafam-se com minúscula quer no quadro da norma de 1945, quer ao abrigo do Acordo Ortográfico em vigor, que não trouxe alteração a  estes casos: hinduísmo, religião católica, catolicismo. O mesmo se passa com sikhismo, com minúscula inicial, que tem registos dicionarísticos atuais, embora seja discutível quanto ao dígrafo kh que exibe1. No entanto, já se disponibiliza um aportuguesamento integral, siquismo.

 

1 As grafias estrangeiras só se admitem em derivados de nomes próprios (Base I, 3, Acordo Ortográfico de 1990): Keynes > keynesismo. Não é o caso de sikh, nome e adjetivo dos dois géneros, que se aplica aos «membro[s] de uma comunidade religiosa monoteísta, fundada no Penjab (Índia) no fim do sXV pelo guru Nanak Dev (1469-1538), que afirma a existência de um Deus único criador e rejeita o sistema hindu de castas».

Pergunta:

O termo sânscrito "namaste" tem equivalente na nossa língua?

Vê-se, por vezes, escrito "namastê", mas tal está correcto?

Antecipadamente grata.

 

A consulente escreve de acordo com a norma ortográfica de 45.

Resposta:

A consulta de vários dicionários de português não facultou nenhum registo da palavra. Contudo, aceita-se a forma internacional namaste (em itálico) e também o aportuguesamento namastê, que se encontra, por exemplo, no Wiktionary.

A palavra namaste usa-se como saudação e vem do sânscrito, com o significado literal de «(uma) vénia para ti/si/vós/vocês»: de नमस् (námas, «vénia, obediência») + ते (te, «a ti»).

Pergunta:

O termo "hipospádias" (género masculino), ou "hipospádia" (género feminino) é frequentemente utilizado em Urologia.

Como apenas encontro registado o termo hipospadia (género feminino), qual é, de facto, a designação correta?

Resposta:

Do ponto de vista linguístico, recomenda-se a forma hipospadia, «anomalia congénita da posição do meato urinário que abre na face inferior do pénis ou mesmo no períneo»1, com acento tónico na sílaba -di- (soa "hipospadía"), porque é a que se regista sistematicamente como nome feminino em diferentes dicionários e vocabulários ortográficos2.

No entanto, existe margem de tolerância para variantes, como se assinala, por exemplo, no Dicionário Houaiss, a propósito do elemento de composição -spadia:

«[-spadia] pospositivo, do radical grego spad- + -ia (sufixo. formador de substantivos abstratos), tal radical é ampliação do radical. spa- do verbo spáō "retirar, extrair, arrastar; fig. engolir, devorar; dilacerar" ocorrente em spadiks, ikós "ramo arrancado", spadón, ónos "extração, espasmo", spádón, ontos "eunuco" (> português espadão "homem castrado"); a variação prosódica spadía/spádia certamente se deve à flutuação entre a prosódia grega e a latina; ocorre ainda a possibilidade de um -s final cuja presença é de difícil explicação visto que não parece estar necessariamente indicando o número plural; é igualmente de difícil explicação a oscilação de género masculino/feminino, parece razoável apontar-se o género feminino como o normal para todos os vocábulos formados com este elemento de composição; ocorre na terminologia médica do séc. XIX em diante: anaspadia, anaspádia, ...