Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

No Brasil, o povo, em vez de dizer mobília, António, diz "mobilha", "Antonho", ou seja, palataliza o l e n seguidos de i, assim como o d e t.

Isso se dá também em Portugal? Há livros modernos de autores portugueses que ventilem o tema em causa?

Muito obrigado!

Resposta:

O fenómeno de palatalização de /l/ e /n/ antes de /i/ não é desconhecido dialetalmente no território de Portugal.

Há registos da forma «Santo "Antonho"», e ainda hoje existe o hipocorístico Tonho, com certeza mais frequente no passado (cf. Revista Lusitana, publicada entre 1887 e 1943). Também se tem referido a palatização que ocorre em casos como os de família, que passa a "familha". Estas formas parecem em vias de desaparição por pressão do padrão da pronúncia de Portugal, mas dedicam-se algumas observações, pelo menos, à palatalização de /l/ na Gramática do Português (Fundação Calouste Gulbenkian, 2013-2020).

Pergunta:

Considerando que os substantivos epicenos marcam apenas pares de animais, como são classificados, dentro do estudo dos substantivos, os termos que possuem a designação macho e fêmea, mas não são animais, como «tomada macho» e «tomada fêmea»?

Resposta:

Não são epicenos, de facto, porque não se trata de animais1, mas na escrita destas casos é correto o uso de hífen, embora não seja obrigatório: tomada-macho e tomada-fêmea.

A hifenização decorre de um critério que se encontra enunciado no Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (2009), nos verbetes relativos a macho e fêmea:

«[A]pós nome de ser inanimado, geralmente peças de encaixe em mecanismos, peças de carpintaria, dobradiças etc., indica a peça que possui uma saliência e que se introduz em outra, com reentrância (colchete-macho).»

 

 1 «Denominam-se EPICENOS os nomes de animais que possuem um só género gramatical para designar um e outro sexo. Assim: a águia; a baleia; a borboleta; a cobra [...]» (Celso Cunha e Lindley Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, Edições João Sá da Costa, 1984, p. 196).

Pergunta:

A palavra mamãe é formada por algum processo de formação? Se sim, qual, por favor?

Agradeço!

Resposta:

A palavra não se enquadra em processos regulares como a derivação e a composição. Relaciona-se antes com processos irregulares como a onomatopeia ou a amálgama, e importa atender que é a forma cuja historicidade se fixou no uso até hoje (lexicalizou-se).

Parece ter origem controversa, como se observa no Dicionário Houaiss:

«origem controversa; onomatopeia da linguagem infantil, cf. mamã; de mãe, com redobro, ou de minha mãe, com redução, ou ainda com base em mamã, com influência de mãe; [...] formas históricas 1813 mamãi, 1858 mamãe.»

 

Cf. Viagem a bordo da palavra «mãe»

Pergunta:

Não encontrando resposta cabal no que já foi esclarecido aqui sobre a palavra em epígrafe, faço meu, também, o pedido do humorista Ricardo Araújo Pereira ao Ciberdúvidas, num recente Programa Cujo Nome Estamos Legalmente Impedidos de Dizer [antes intitulado Governo Sombra], na SIC Notícias: dadas as suas duas grafias – clítoris/clitóris -, ela é esdrúxula ou não?

Resposta:

Há duas maneiras corretas de pronunciar e escrever o termo em questão: clítoris, que é palavra esdrúxula (proparoxítona); e clitóris, palavra grave (paroxítona).

Não há, por enquanto, a resposta cabal pedida pela consulente, porque a palavra tem assumido pelo menos três formas nos últimos 100 anos. Atualmente, aceitam-se duas formas: clítoris, recorrente na dicionarística, e clitóris, que parece ter começado por ter circulação no Brasil e acabou por se tornar corrente em Portugal, encontrando-se também dicionarizada (cf. dicionário da Academia das Ciências de Lisboa e vocabulários ortográficos). Ambas as formas estão corretas, mas clítoris tem precedência histórica sobre a forma concorrente. Cumpre, no entanto, observar que, do ponto de vista filológico – isto é, do ponto de vista da transposição criteriosa da forma grega original (mesmo esta é uma forma criada tardiamente, já no contexto da linguagem científica internacional, a partir do século XVI) –, a forma mais correta é clitóride1, que hoje tem poucas ou nenhumas ocorrências.

Sobre clitóride, clítoris e clitóris, que significa «pequeno órgão erétil do aparelho genital feminino, situado na junção dos pequenos lábios, na parte superior da vulva» (Infopédia), lê-se no Dicionário Houaiss (2001, s. v. clitor(o)-):

«[...] há quem empregue didaticamente a pronúncia clitóris, ...

Pergunta:

Qual o nome correto quando nos referimos a uma pessoa que resida em qualquer uma das várias freguesias de Meãs (espalhadas por Portugal, Meãs, Meãs do Campo, etc.) ?

"Meãseiros"? "Meanseiros"? Ou outra forma?

Resposta:

Não existe um nome (gentílico) que neste caso se possa prever como correto.

Nem todos os topónimos têm gentílicos derivados que conservem o radical da forma de base (tradicionalmente, a chamada palavra primitiva). Na verdade, quando se torna necessário denominar e referir naturais e moradores de lugares cujo nome não tem tido gentílico associado de forma estável, o mais seguro será empregar perífrases como «os de Meãs», «os naturais de Meãs», «os moradores de Meãs».

Muito depende também da tradição local, e nesse caso há margem para uma criatividade que o registo oficial dos topónimos nem sempre é capaz de abranger. Nesta perspetiva, "meãseiro" é forma aceitável, se corresponder a um uso local.

Teoricamente, poderia formar-se "meãsense" ou, com pretensão erudita, "medianense", aceitando que Meãs vem do latim vulgar medianas. Trata-se, porém, de formas que não encontram registo nas fontes consultadas para elaboração desta resposta.