Pergunta:
Não me parece que haja controvérsia quanto à normal culta pressupor que uma pessoa se sente «ao piano», jamais «no piano», quando se quer expressar que se tenha sentado no banco do instrumento para executar uma obra musical. Depois desse estágio, começam minhas dúvidas.
Sei que Napoleão Mendes de Almeida acolhe «tocar ao piano» e condena "tocar no piano". Entretanto tocar (ou executar) "no piano" (executar uma obra por meio do instrumento) é indiscutivelmente errado no que tange à normal culta?
Além disso, quando a construção se transforma um pouco e se faz uso de "execução" ou "performance", então também "execução no piano" e '"performance no piano" são construções condenáveis, tornando-se imprescindível o uso de "execução ao piano" e "performance ao piano"?
Muito obrigado!
Resposta:
Se a pergunta é relativa à utilização do piano, o uso indiscutivelmente correto é «tocar piano», sem qualquer preposição.
Mas é possível «tocar ao piano», quando se refere a interpretação de uma peça musical com uso de um piano – ou seja, «ao piano»:
(1) «Se ao menos tivesse uma irmã, inteligente e poética! Fazia-o suspirar, cerrar os olhos, a ideia de uma mulher de alma romântica, que o amasse, recebesse, reconhecida, a revelação das suas sensibilidades e para o acalmar lhe soubesse tocar ao piano melodias de Weber ou árias de Mozart!» (Eça de Queirós, A Capital, 1925, in Corpus do Português).
(2) «A Gioconda tocava ao piano o seu Chopin, Noturno n.° 2» (Erico Veríssimo, O Tempo e o Vento, parte 3, tomo 2, ibidem).
Quanto a «sentar-se ao piano», é expressão elíptica por «sentar-se ao piano para/a tocar (este instrumento)»:
(3) «De repente, sai do quarto, vem à sala de visitas, grita pela irmã, fá-la sentar ao piano, obrigando-a a tocar a "Bamboula [...].» (Lima Barreto, Diário Íntimo, ibidem)
Que levantem reservas quanto a «sentar-se no piano» é mais discutir uma questão de ambiguidade – a expressão pode entender-se literalmente, como «sentar-se em cima do piano» – do que achar-se em presença de uma incorreção. Na verdade, ao contrário do que diz o consulente, o gramático Napoleão Mendes de Almeida não condenava «tocar no piano», muito pelo contrário, pois censurava «ao piano», que, segundo ele, era um galicismo a evitar (Gramática Metódica da Língua Portuguesa, p. 292):