Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

A palavra bastante, além de poder classificar-se como adjetivo ou advérbio, pode aínda funcionar como pronome indefinido?

Obrigado.

Resposta:

No quadro da Nomenclatura Gramatical Brasileira (NGB), de 1959, considera-se que a palavra bastante, como sinónimo de muito, é um pronome indefinido (substantivo e adjetivo)1.

Em Portugal, no contexto não universitário, inclui-se bastante quer entre os quantificadores existenciais (cf. Dicionário Terminológico – DT), cujo termo designativo equivale a pronome indefinido adjetivo (ou adjunto), quer entre os pronomes indefinidos (quando ocorre sem substantivo associado)2, correspondente a pronome indefinido substantivo ou absoluto.

 

1 De acordo com o Dicionário Houaiss (s.v. pronome),  também usam os termos pronome absoluto («pronomes mesmos, quando absolutos») e pronome adjunto («adjetivos, quando adjuntos»).

2 O DT não apresenta bastante nos exemplos de pronomes indefinios, mas infere-se que entre estes deve ser incluído visto tratar-se do «uso pronominal de um quantificador». Na Nomenclatura Gramatical Portuguesa de 1967, bastante é classificável como pronome indefinido absoluto e adjunto – cf. nota anterior.

Pergunta:

Tenho visto as duas formas, "primaço" e "primasso", escritas nas redes sociais para se referirem a primos chegados ou muito amigos.

A pergunta é, qual das formas está correta, se é que alguma o está, uma vez que ambas não constam em nenhum dicionário?

Obrigado

Resposta:

Escreve-se primaço.

O sufixo em questão tem a grafia -aço, e não "-asso", como se comprovam pelas respetivas entradas em dicionários de Portugal e do Brasil:

«-aço: sufixo nominal, de origem latina, que tem sentido aumentativo e, por vezes, pejorativo (ricaço; bigodaço)» (Infopédia).

«aumentativo e não raro pejorativo: agraço, amigaço, amigalhaço, andaço, animalaço, argolaço, asseadaço, atrevidaço, baçaço, bacanaço, badernaço, bandidaço, buzinaço, campeiraço, canhonaço, canivetaço, chicotaço, chifraço, lerdaço, manotaço, soberbaço, sofrenaço, trancaço, velhacaço, vilanaço, vinhaço etc.; é fecundo, a ponto de não se poder dizer se a pal. já existia ou não: espantaço, milagraço [...].» (Dicionário Houaiss)

Pergunta:

Como ficaria no feminino o seguinte verso de Antero de Quental: «Paladino do amor,busco anelante» [de "O Palácio da Ventura"]?

Grata.

Resposta:

Pode formar-se regularmente paladina, pois o radical de paladinopaladin- – não é incompatível com a adjunção do índice temático -a.

Acontece que o nome tipicamente tem sido associado a homens, de tal maneira, que os dicionários só o registam como «nome masculino» e definem-no em alusão a figuras masculinas, como acontece no dicionário de português da Infopédia:

1. HISTÓRIA cavaleiro andante; 2. HISTÓRIA cada um dos cavaleiros que acompanhavam o imperador germânico Carlos Magno (768 - 814) durante os combates e que mais se distinguiam pela sua bravura; 3. figurado homem intrépido e leal. 4. figurado defensor acérrimo.»

Na Idade Média, não terá havido, portanto, paladinas (ainda que a Joana d'Arc não seja estranha a estas figuras), mas, atendendo a que há defensores e defensoras acérrimas de uma causa, nada obsta a que não se empregue paladina.

Pergunta:

Comprei recentemente a edição fac-similada do famoso Cozinheiro dos Cozinheiros de Plantier. É um livro extraordinário, no sentido gastronómico do termo. Mas também achei muito interessante as diferenças na grafia do português, desde o final do século XIX, e algumas palavras agora muito raras (trocazes, láparo, lebracho, tencas, etc.).

Mas a minha pergunta concreta tem a ver simplesmente com a palavra às (contr. de prep e artigo) que nesse livro surge sempre como "ás."

A minha pergunta é quando tal mudança teve lugar na ortografia portuguesa e porquê.

Muito obrigado.

Resposta:

É com a aplicação da Reforma Ortográfica de 1911 que se fixa a escrita com acento grave, embora antes já houvesse pessoas que propunham tal grafia (cf. Gonçalves Viana e Vasconcelos Abreu, Ortografia Nacional, 1885, p. 7). O acento grave permitia (e permite) indicar o timbre aberto da vogal, apesar de a palavra monossilábica em que se insere não ter acento próprio e sujeitar-se ao da palavra seguinte.

Note-se que Cândido de Figueiredo (1846-1925), na 1.ª edição (1899) do seu Nôvo Diccionario da Lingua Portuguêsa, regista ainda ás, com acento agudo, como contração da preposição a e do plural do artigo definido as, não obstante o referido lexicógrafo ser adepto de muitas das ideias que levaram à reforma ortográfica de 1911.

Pergunta:

Gostaria de saber o significado e qual o correto entre penico e pinico.

Resposta:

São palavras diferentes e corretas:

penico: «vaso para urina e dejeções»;

pinico: «ponta aguda, bico».

Ambas as palavras têm origem obscura.

Note-se também que as duas palavras têm geralmente pronúncias muito parecidas (são, portanto, parónimas), mas, entre muitos falantes, chegam a identificar-se foneticamente, tornando-se homófonas.

Fonte: Dicionário Houaiss.