Pergunta:
Gostaria de saber como é que a pronúncia do "e" átono, que era pronunciado como "i", passou a ser pronunciado como /ɨ/.
Também gostaria de saber se esse é um fenómeno que ocorre com todos os is átonos, e não somente os que derivam dum "e" átono.
Em galego-português, ou até mesmo no período pré-clássico, o "e" átono era registrado, na escrita, como um "i", devido a harmonização vocálica, processo que ainda acontece no Brasil, como é possível observar em palavras como "pepino" antes também escrita como "pipino", e até mesmo quando eram nasais, como em "mentir" (mintir), "mentira" (mintira), "ensinar" (insinar), que aparecem escritas assim até em Os Lusíadas.
Sempre me pergunto como é que uma mudança tão grande como essa foi "desfeita", e o "e" que tinha passado para um "i" é agora um "ɨ", e no caso das nasais, voltou a ser pronunciado como "e".
Resposta:
Não é seguro aceitar que o e átono era geralmente pronunciado como i no português anterior aos começos do século XVIII.
O que se infere é que à data do começo da colonização deveria existir importante variação no sistema de vogais átonas, oscilando entre a assimilação (processo que se conservou de certo modo no Brasil – daí, os casos de "minino" e "pipino") e o que já seria a neutralização vocálica que é hoje típica do português de Portugal1.
É também importante lembrar que os segmentos [i] e [ɨ] são ambas vogais altas e que, no contexto fonológico do português de Portugal, o [i] pode também encontrar-se em posição átona, eventualmente contrastando com [ɨ], em pares como rimar/remar (r[i]mar/r[ɨ]mar). Esta relação de contraste entre vogais com importantes afinidades não é inédita nas línguas do mundo e pode encontrar paralelo, por exemplo, no russo: entre o i que palataliza consoantes (muitas vezes grafado и, como em радио, «rádio») e o i que não opera esse fenómeno, realizável como [ɨ] (grafado ы como em волы, «bois»)2.
Não se trata, portanto, de uma «mudança tão grande», mas muito provavelmente de uma tendência que acabou por se tornar sistemática apenas no português de Portugal.
1 Sobre a pronúncia de -e átono final e e-/-e- pretónicos, ver Paul Teyssier, História da Língua Portuguesa, Edições Sá da Costa, 1982, pp. 57-63.
2 Ver "