Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Será possível ao Ciberdúvidas saber se a origem da palavra cara-metade (um dos cônjuges em relação ao outro) é mitológica?

E em que circunstâncias entrou este substantivo na língua portuguesa? Não encontrei respostas a estas questões em nenhum dicionário que consultei.

Ainda sobre esta designação, será o português a única língua que tem esta palavra formada de cara + metade?

Exemplos: inglês, better half; francês, ma moitié1, âme sœur; espanhol, alma gemela; italiano, anima gemella, etc.

 

1 Ver "Âme soeur" na Wikipédia e "Ma moitié" em Omnilogie

Resposta:

A palavra cara-metade não é uma criação portuguesa. Na verdade, terá surgido em contexto erudito, talvez de língua francesa, donde passou ao castelhano e ao português. É também muito provável que a expressão reflita certa visão mitológica sobre o par amoroso ou conjugal.

Apesar dos registos dicionarísticos1, as entradas de cara-metade não facultam informação histórica. Sendo assim, impõe-se a pesquisa em coleções textuais que abranjam várias épocas, como é o caso do Corpus do Português (Mark Davies), cuja secção histórica permite observar que a atestação mais antiga é de 1845, de uma obra intitulada As Casadas Solteiras, do escritor brasileiro Luís Carlos Martins Pena (1815-1848):

(1) «Ora, já não posso aturar a minha cara-metade. O que me vale é estar ela há mais de duzentas léguas de mim.»

Contudo, importa assinalar que, em espanhol, se regista a expressão equivalente cara mitad, por exemplo, no dicionário da Real Academia Espanhola (DRAE). O significado é o mesmo que em português, como confirma Xavier Pascual López (Fraseología española de origen latino y motivo grecorromano, Universidade de Lérida, 2012, p. 239)2:

«Asimismo, se documenta la locución nominal cara mitad (‘marido o mujer, consorte’, DRAE s. v. mitad), en la que se reproduce [la imagen de un único ser (esférico, icono de la perfección) dividido en dos partes que, aunque puedan encontrar parejas similares, sólo pueden encajar con su mitad originaria] y cuyo sentido se restringe al matrimonio, incidiendo – conforme también a la moral cristiana – en que la pareja con...

Pergunta:

Qual é o feminino de mestre-escola?

Muito obrigada desde já.

Resposta:

Dado que é legítima a forma mestra como feminino de mestre (cf. Vocabulário da Língua Portuguesa, 1966, de Rebelo Gonçalves, e dicionário da Academia das Ciências de Lisboa), o feminino será mestra-escola, forma que é confirmada pelo Dicionário Priberam.

O termo mestre-escola constitui uma denominação antiga para um professor do 1.º ciclo do ensino básico (antes chamado «ensino primário»).

Pergunta:

Nesta frase «Nas capelas pendiam as armações de paninho negro (...); ao centro, entre quatro fortes tocheiras de grosso morrão, estava a eça, com o largo pano de veludilho cobrindo o caixão do Morais, (...)» (Eça de Queirós, O Crime do Padre Amaro, capítulo XI, pág. 195 da editora Livros do Brasil, 2013) –  o que significa "eça"? Ou é uma gralha ortográfica?

Resposta:

Escreve-se essa (há também registos de eça), com o significado de «estrado, catafalco» e «cenotáfio»1.

Catafalco significa «estrado alto sobre o qual se coloca o ataúde ou a representação de um morto a quem se deseja prestar honras».

Cenotáfio define-se como «túmulo ou monumento fúnebre em memória de alguém cujo corpo não jaz ali sepultado; túmulo honorário».

1 Fontes: InfopédiaDicionário Priberam e Dicionário Houaiss.

Pergunta:

Gostaria de saber o significado do seguinte proverbio: «três vezes na cadeia é sinal de forca».

Resposta:

Trata-se de um provérbio alusivo a quem é teimoso ou reincidente num erro, a ponto de se tornar um caso desesperado.

Uma ligeira variante tem registo, por exemplo, no Livro dos Provérbios Portugueses (Lisboa, Editorial Presença, 2003), de José Ricardo Marques da Costa: «Três vezes à cadeia é sinal de forca.»

Em fontes brasileiras, o provérbio aparece, por exemplo, na Revista do Arquivo Municipal (volume 38, 1937, p. 30), numa série relacionada com uma área temática identificada como "Experiência, opinião, tenacidade, contumácia".

 

N. E. (30/01/2022) – O consulente Manuel Malheiros enviou o seguinte comentário explicativo, que se agradece: «[O provérbio relaciona-se com] "ao fim das três tem vez". Vem da norma medieval odiosa que condenava à morte quem cometesse três furtos, fosse qual fosse o valor e as condições; por exemplo, [o furto] de três galinhas do mesmo galinheiro, que podiam ser considerados três furtos. Procurou evitar-se esta aberração criminosa através da teoria do crime continuado, que através da doutrina da 

Pergunta:

Como se escreve a modalidade esportiva Fórmula 1 em narrativas? Há alguma regra específica de estilo sobre isso?

O correto é "fórmula um", com letra minúscula e o número por extenso por se tratar de algarismo inferior a dez e não terminado em zero?

Ou por ser uma modalidade esportiva conforme comentado, admite-se usar "Fórmula 1", com letra maiúscula e o algarismo?

Agradeço desde já o retorno e atenção!

Resposta:

A denominação em apreço ainda não tem grafia estável, mas pode aceitar-se que, preferencialmente, se escreve fórmula 1 ou Fórmula 1.

Com efeito, a minúscula na grafia desta expressão encontra-se no dicionário da Academia das Ciências de Lisboa. No Dicionário Houaiss, indica-se que tem maiúscula inicial quando se define fórmula como termo automobolístico: «cada uma das categorias de carros de corrida, correspondentes a determinados requisitos técnicos dos motores (p.ex., Fórmula 1, Fórmula 2000 etc.)».

No entanto, o Dicionário Priberam regista Fórmula Um como subentrada de fórmula, na aceção de «modalidade de corrida de automobilismo em cujo campeonato competem pilotos profissionais que conduzem carros de um só lugar com a tecnologia mais avançada da indústria automóvel». A grafia com um por extenso em lugar de 1 afigura-se mais marginal, ainda que este juízo não impeça a sua legitimidade.