Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Ouvi há pouco, na televisão, «esta quarta e quinta-feiras»? Fiquei a matutar no assunto...

Das três hipóteses seguintes, qual/quais consideram correcta/correctas?

a) «Esta quarta e quinta-feira»

b) «Esta quarta e quinta-feiras» (como foi dito)

c) «Estas quarta e quinta-feiras»

d) «Estas quarta e quinta-feira».

Já agora: «quinta-feiras» (partindo do princípio que a palavra, neste contexto, existe) deve escrever-se assim ou perde o hífen?

Como sempre, antecipadamente grato pela vossa resposta. Aproveito para desejar um feliz 2022 a toda a equipa.

 

[N. E. – Mantém-se a ortografia de 1945, adotada pelo consulente.]

Resposta:

Trata-se de uma possibilidade que se realiza na oralidade, mas que não se recomenda na escrita.

A coordenação de nomes de dias da semana tem certa flexibilidade decorrente de se tratar de compostos que podem funcionar como os constituintes frásicos formados por numeral ordinal (o mesmo que adjetivo numeral) – segunda, terça (em lugar de terceira por razões históricas), quarta, quinta, sexta – e o nome feira. Deste modo, assim como se diz (e escreve) «1.º e 2.º ciclos», também se diz «quarta e quinta-feiras» (já escrever será diferente). O problema desta última forma – que só poderá ocorrer em coordenação com um composto com o qual tenha em comum a palavra feira – é que, em português não há, por enquanto, regras claras para a coordenação de compostos que partilhem um segundo elemento.

Esta situação torna-se mais inteligível quando ocorrem casos de coordenação de prefixos associados à mesma base (exemplos retirados daqui):

(1) transportes inter- e intraurbanos

(2) transportes inter e intraurbanos

Seguindo os exemplos (1) e (2), e aceitando que quarta e quinta se comportam como prefixos, poderia propor-se:

(3) quarta- e quinta-feiras

(4) quarta e quinta-feiras

Acontece que os exemplos (3) e (4) podem suscitar reações adversas de falantes e escreventes.

Suprimir o hífen – "quarta e quinta feiras" – não se afigura possível, porque se trata de compostos, e não de formações sintagmáticas de adjetivo numeral + nome. Neste cont...

Pergunta:

Tenho recorrido à palavra bitcoin como sendo do género feminino. Mas dicionários como o Priberam consideram-na como sendo do género masculino.

Qual dos dois géneros é o correto?

E qual a razão para que seja de um género e não de outro?

Muito obrigado!

Resposta:

É difícil dizer qual é o género correto a atribuir a bitcoin, uma vez que a palavra foi criada em inglês (ver Textos Relacionados), que é uma língua sem género morfológico.

Do ponto de vista semântico-referencial, à palavra pode atribuir-se tanto o género masculino, como o género feminino. Com efeito, há muitos nomes de moedas do género masculino («o dólar», «o euro», «o real»); por outro lado, pode aceitar-se, por analogia com o género de moeda («a moeda») e do de libra («a libra»), que bitcoin desencadeia a concordância no feminino («a bitcoin»). Pode, portanto, falar-se de hesitação ou de impasse quanto à atribuição genérica.

Um critério de desempate legítimo é o uso, muito embora muitos dicionários (caso do Priberam) não esclareçam se o adotam ou não. Em todo o caso, tomando como termo uma expressão como «valor de» seguido de «o bitcoin» ou «a bitcoin», a pesquisa Google revela que a expressão «valor do bitcoin» tem mais de 700 000 resultados, enquanto «valor da bitcoin» não atinge os 70 000 resultados. Esta consulta permite, portanto, sugerir que a palavra está a usar-se predominantemente como nome do género masculino, e os dicionários parecem seguir este critério no registo da palavra.

Em suma, ambos os géneros podem ser atribuídos a bitcoin, mas é preciso ter em mente que o uso e o registo dicionarístico favorecem o género masculino.

 

Cf. O colapso de mais uma criptomoeda

Pergunta:

Quais as diferenças articulatórias entre vogais e consoantes?

Resposta:

As vogais são produzidas sem qualquer obstrução do trato vocal1.

As consoantes, por seu lado, resultam da «obstrução ou estreitamento do tracto2 vocal em que a passagem do ar é total ou parcialmente bloqueada»3.

 

1 Ver "Vogal" no Dicionário Terminológico (DT). A expressão «trato vocal» refere-se à «zona por onde passa o ar, acima da laringe, cuja forma é um fator que determina a qualidade dos sons da fala» e é termo que se aplica, «num sentido mais genérico, aos órgãos vocais» (Dicionário de Termos Linguísticos, Portal da Língua Portuguesa).

2 Mantém-se a ortografia da fonte consultada, publicada antes da aplicação do Acordo Ortográfico de 90

3 Ver "Consoante" no DT.

Pergunta:

Será que "fálár", "ládrár", "págár", "lárgár" e... "gánhár" terão a mesma asneira comum ?

Como "curenta" (40), "riu" (rio), "Lôres" ou "Lólé" (Loulé)?

 

Resposta:

Convém perceber que o que se escreve nem sempre corresponde ao que se pronuncia realmente. Quem trabalha em fonética e fonologia sabe isto muito bem e descobre que há mais variação do que se imagina – variação que até não é considerada incorreta nem pelos estudiosos da língua nem pelos leigos em matéria de atitudes linguísticas. Assim, se se está a falar de pronúncia, há que distinguir entre a pronúncia aceite por todo o país e as pronúncias que são toleradas regionalmente.

Sobre os cinco primeiros casos, no contexto da variação observada em Portugal:

a) "fálár", "ládrár", "lárgár" e "págár" são de facto pronúncias anómalas ou menos recomendáveis entre falantes do território português, porque o a da primeira sílaba de cada caso costuma ser fechado1;

b) o mesmo não se pode dizer de ganhar pronunciado como "gánhar", caso em que o a da primeira sílaba, que é átona, é aberto por razões históricas (vem de dois aa da forma arcaica gaanhar).

Quanto à pronúncia de quarenta, esta palavra soa como [kuarenta] no discurso culto e pausado, embora informalmente se diga "corenta" ou "curenta".

Sobre rio, é sabido (ver Textos Relacionados) que em grande parte do país a sequência io se pronuncia como o ditongo "iu" – é o caso de Lisboa (ver Gramática do Português, Fundação Calouste Gulbenkian, 2013-2020, p. 3379). Contudo, não é assim nas Beiras, nem na maior parte do Norte. Todas essas pronúncias são corretas.

Quanto às pronúncias de Loures e Loulé, é de assinalar que, entre falantes a sul do Vouga, a grafia ou se pronuncia geralmente "ô", o que é aceite e até está legitimado como pronúncia-padrão, apesar de a conservação do ditongo a norte ser também correta. Sendo assim, aceita-se que Loures seja "lôres", en...

Pergunta:

Por que alguns autores, em relação ao grau de abertura/timbre das vogais, dizem que podem ser fechadas ([i] e [u]), semifechadas ([ê] e [ô]), semiabertas ([é] e [ó]) e abertas ([a]); enquanto outros, porém, dizem que elas podem ser abertas ([a], [é] e [ó]), fechadas ([ê], [ô], [i] e [u]) e reduzidas ([a], [i] e [u])?

Qual é o certo? Ou eu que não entendi direito quanto ao timbre?

Desde já, obrigado.

Resposta:

São terminologias diferentes e ambas são aceitáveis, mas a segunda tem implantação no ensino não universitário do Brasil.

Convém começar por dizer que, na descrição mais tradicional da língua, o termo timbre se define como o «efeito acústico relacionado com os graus de abertura da cavidade bucal, nomeadamente na pronúncia das vogais» (Infopédia).

A primeira série de termos – abertas, semiabertas, semifechadas e fechadas – é a que figura na Nova Gramática do Português Contemporênea (Lisboa, Edições João Sá da Costa, 1984, p. 35). Nesta proposta, o a de gato é uma vogal aberta (símbolo fonético: [a]); o e de seta e o o de amora são vogais semiabertas (símbolos fonéticos [ɛ] e [ɔ]); o e de cedo, o de autor e o a de moda são vogais semifechadas (símbolos fonéticos [e], [o] e [ɐ]); o i de mil e o u de sul são vogais fechadas (símbolos fonéticos [i] e [u])1.

A segunda série terminológica mencionada pelo consulente – abertas, fechadas e reduzidas – é a que consta da Nomenclatura Gramatical Brasileira de 1959 e parece ter grande aceitação nas gramáticas gerais elaboradas no Brasil2. Nesta classificação, são vogais abertas os segmentos representados por [a], [ɛ] e [ɔ]; fechadas são [e], [o], [i] e [u]; e reduzida, a vogal [...