Carlos Marinheiro - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Marinheiro
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Carlos Marinheiro (1941–2022). Bacharel em Jornalismo pela Escola Superior de Meios de Comunicação Social de Lisboa e ex-coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa. Colaborou em vários jornais, sobretudo com textos de análise política e social, nomeadamente no Expresso, Público, Notícias da Amadora e no extinto Comércio do Funchal, influente órgão da Imprensa até ao 25 de Abril.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Gostaria de saber se a palavra para o instrumento usado para abrir caricas se chama "descapsulador". Existe o termo "abre-cápsulas"? E, se não, qual é a palavra para definir este objecto?

Obrigada.

Resposta:

As obras consultadas não registam a palavra descapsulador, mas ela está bem formada; com efeito, «de descapsular (vocábulo registado) + dor» resulta descapsulador.

Tendo em conta que carica (termo popular) significa «cápsula de garrafa» ou «jogo em que se usam cápsulas de garrafas», a palavra descapsulador parece-me adequada para o instrumento referido.

Acontece, contudo, que o Grande Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora, por exemplo, acolhe a palavra abre-garrafas, e esta, além de adequada, até me parece mais sugestiva. Regista ainda abre-cápsulas, mas como forma não preferível.

Na entrada abre-garrafas diz que se trata de «utensílio com que se tiram as cápsulas das garrafas; abre-cápsulas, tira-cápsulas, saca-cápsulas».

Assim, há várias palavras «para definir o objecto»: abre-garrafas, abre-cápsulas, tira-cápsulas e saca-cápsulas. Provavelmente ainda temos outras, mas parece-me que estas já chegam.

Pergunta:

Tenho visto a palavra polinucleada utilizada em expressões como esta, por exemplo: «uma área metropolitana que se pretende polinucleada, com o Tejo como núcleo central». No Novo Dicionário Compacto da Língua Portuguesa, de Morais, 6.ª edição de 1990, apenas encontro a palavra "pulinuclear" mas fora de ordem alfabética, ou seja, aparece entre polinoso e pólio, significando que tem muitos núcleos. Admito que se trate de gralha. Gostaria de uma opinião a este respeito e, ainda, de saber se a utilização acima referida é correcta.

Obrigada.

Resposta:

O adjectivo polinucleado (da área da biologia) significa «que tem vários núcleos» [in Grande Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora], e nada impede que, por extensão de sentido, seja utilizado no contexto referido.

Assim, «uma área metropolitana que se pretende polinucleada, com o Tejo como núcleo central» é o mesmo que «uma área metropolitana que se pretende que tenha vários núcleos, com o Tejo como núcleo central».

O Dicionário Eletrônico Houaiss acolhe polinucleado, mas remete-nos para multinucleado, a forma preferida desta obra e, provavelmente, no Brasil.

Multinucleado significa «que possui mais de dois núcleos; plurinucleado, polinucleado».

Acrescente-se que a forma "pulinuclear" é efectivamente uma gralha do dicionário referido pela consulente e está por polinuclear.

Pergunta:

Qual é o coletivo de navios? Frota, ou esquadra?

Alguns dicionários definem esquadra, frota ou até mesmo esquadrilha como sendo coletivo de «navios de guerra», mas ao se referirem a «navios em geral», definem o coletivo somente como frota.

É correto usar o termo esquadra para definir o coletivo de «navios em geral»?

Resposta:

O Dicionário Eletrônico Houaiss diz que a palavra frota, na área da marinha, é «conjunto de navios de guerra ou de navios cujo fim específico se designa (frota mercante, frota pesqueira etc.)»; por extensão de sentido, trata-se de «conjunto de quaisquer veículos, em geral pertencentes a uma mesma pessoa física ou jurídica: f[rota] de ônibus e f[rota] de caminhões». Informalmente, ainda é «grande número, grande quantidade de pessoas ou coisas; chusma». O vocábulo frota vem do «fr[ancês] flotte (c1140), "reunião de navios de guerra ou de comércio", do nórd[ico] ant[igo] floti "id."; f[orma] hist[órica] sXIV flota».

Quanto a esquadra, como termo da marinha, é «o número total de navios de guerra de um país» ou «conjunto de navios de guerra, de porte considerável, que compõem uma força, ger. sob comando de oficial-general [Outrora dividia-se em três esquadrões: o de vante, comandado pelo almirante, que tb. comandava toda a esquadra; o do centro, comandado pelo vice-almirante; e o de ré, comandado pelo contra-almirante]»; na área militar, trata-se de «seção de uma companhia de infantaria». É ainda «posto policial» e, na área de armamento, «dispositivo us. pelos artilheiros para graduar as peças». A palavra vem do «it[aliano] squadra (a1540), "menor unidade orgânica das armas do exército, com exceção da artilharia, comandada por um sargento", der[ivado] do v[erbo] squadrare "regular com esquadro; reduzir a seções esquadradas"».

Em relação a esquadrilha, trata-se, como termo de marinha, de «esquadra constituída de pequenas embarcações de guerra (fragatas, corvetas etc.); flotilha» e, como palavra da área da aeronáutica, de «grupo de até quatro aeronaves que realizam uma operação»; etimologicamente, vem do «cast[elhano] escuadrilla "id."; c[o...

Pergunta:

Tenho ouvido algumas pessoas utilizarem a palavra incredibilidade num contexto que considero ser mais apropriado utilizar a palavra incredulidade. As duas formas podem ser utilizadas?

Grata pela atenção.

Resposta:

Sim, as duas formas podem ser utilizadas, mas não nos enviou o contexto em que considera «ser mais apropriado utilizar a palavra incredulidade».

Assim, o nome (substantivo) incredibilidade é «qualidade daquilo em que não se consegue acreditar» ou «qualidade do que produz espanto ou admiração por ser extraordinário»; vem «do lat[im] ecl[esiástico] incredibilitāte-».

Por sua vez, incredulidade («do lat[im] incredulitāte-») quer dizer «qualidade de incrédulo»; «qualidade do que duvida ou é desconfiado; descrença»; e «característica do que não crê nos dogmas religiosos; ateísmo».

Na verdade, sem o contexto, nada mais me parece possível adiantar, mas, se ele for, por exemplo, da área da religião, é certamente «mais apropriado utilizar a palavra incredulidade».

[Fonte: Dicionário da Língua Portuguesa 2008, da Porto Editora]

Pergunta:

Preciso de saber como ter certeza de que a frase: «Vire a esquerda» possui crase ou não na letra a.

Qual a regra para essa expressão?

Obrigada!

Resposta:

A expressão «vire à esquerda» é o mesmo que «vire a + a esquerda», assim como «vire ao seu lado direito» é igual a «vire a + o seu lado direito»; mas, quando exclama, por exemplo, «vire a esquerda!», está a dizer ao seu interlocutor qualquer coisa como «volte a esquerda [política?] ao contrário», e não está a dizer-lhe para virar ao seu lado esquerdo.

O verbo virar, neste contexto, significa «mudar de direção, de rumo: "virar ao largo, à costa" (Aulete), "O vento virou ao sul" (Séguier)» e rege a preposição a [in Dicionário de Verbos e Regimes, de Francisco Fernandes, Editora Globo, São Paulo, Brasil]; portanto, «virar à [a + a] esquerda», «virar à [a + a] direita», «virar ao [a + a] lado direito», etc.

Assim, é «vire à esquerda», quando o sentido é o de «voltar para o lado esquerdo», mas, embora não seja usual, também se pode dizer «vire a esquerda», com o sentido de «voltar a esquerda», isto é, levá-la a aceitar melhor, por exemplo no contexto político, as posições que não são de esquerda.