Carlos Marinheiro - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Marinheiro
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Carlos Marinheiro (1941–2022). Bacharel em Jornalismo pela Escola Superior de Meios de Comunicação Social de Lisboa e ex-coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa. Colaborou em vários jornais, sobretudo com textos de análise política e social, nomeadamente no Expresso, Público, Notícias da Amadora e no extinto Comércio do Funchal, influente órgão da Imprensa até ao 25 de Abril.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

«Andar no(s) trinque(s)» significa andar bem aperaltado, bem vestido, ou andar bem-comportado?

Resposta:

O Dicionário de Expressões Correntes, de Orlando Neves, edição da Editorial Notícias, regista a expressão «andar nos trinques», e diz que «Na telenovela brasileira Tieta do Agreste, baseada no romance de Jorge Amado, esta expressão era usada a cada passo e andou em moda. Supôs-se ser um brasileirismo, característico ou inventado nas terras de Vera Cruz. "Andava nos trinques" aquele que se apresentava bem vestido, bem arranjado, de vestuário novo. A expressão tinha outros alvos, por analogia: "nos trinques" designava, na telenovela, tudo o que estava em boas condições, devidamente preparado. E, no entanto, a frase é portuguesíssima e antiga (surge, pelo menos, em documentos do século XVII). Caiu em desuso entre nós, o que não aconteceu no Brasil.

«A palavra trinque (talvez do francês tringle) vem em todos os dicionários como sinónimo de "cabide de alfaiate". O que estava nos trinques eram, obviamente, os fatos novos, impecáveis, à espera dos clientes.»

O Dicionário Prático de Locuções e Expressões Correntes, de Emanuel de Moura Correia e Persília de Melim Teixeira, edição da Papiro Editora, acolhe a expressão «andar no trinque», com o significado de «andar muito bem vestido; vestir com elegância».

A Infopédia define trinque (do francês tringle, "varão de cortinado") como «cabide em que os alfaiates põem o fato feito», e diz que «andar no trinque» é «vestir com elegância».

Pergunta:

Gostaria de saber qual a origem da tão comum expressão popular «mandar/atirar postas de pescada», no sentido de «mandar bitaites».

Resposta:

A expressão consagrada (e registada, por exemplo, no Dicionário de Expressões Correntes, de Orlando Neves, edição da Editorial Notícias) é «arrotar postas de pescada»; e «diz-se de quem se jactancia, se gaba da sua importância ou riqueza».

Quanto à origem, o dicionário diz que «É provável que a expressão se ligue ao peixe que dela consta, um peixe caro, que só tinha lugar na mesa dos ricos. No foral de Lisboa de 1500 diz-se: "O conduto dos pescadores de Lisboa é este: a cada um, uma pescada se a trouxerem; e, se trouxerem gorazes, a cada um, quatro; e se cachuchos ou cavalas, a cada um, seis...", etc. Parece isto provar que a pescada era o peixe mais valioso».

O Dicionário Prático de Locuções e Expressões Correntes, de Emanuel de Moura Correia e Persília de Melim Teixeira, edição da Papiro Editora, embora não diga nada sobre a origem, considera que «arrotar postas de pescada» é «alardear; bazofiar; jactar-se de abundância; ter bazófia; gabar-se de uma coisa que não se possui; impor-se como rico; vangloriar-se; gabar-se; exibir grandeza (sem motivo)».

Pergunta:

Insisto na questão da utilização do verbo amandar.

Se se considera correto utilizar alguns verbos precedidos de a, ex.: assentar, que tem o mesmo sentido de sentar, alevantar quando é o mesmo que levantar, etc.

Então qual a explicação para que não seja correto utilizar amandar, quando este termo tem sentido diferente de mandar? É diferente «mandar uma carta pelo correio» ou «amandar a carta pela janela»?

Resposta:

Realmente, o Dicionário Eletrônico Houaiss acolhe o verbo amandar (datação: séc. XIX), como regionalismo de Portugal, de uso informal, e quer dizer «lançar(-se), atirar(-se), arremessar(-se)». Não se trata, portanto, de uma palavra da norma culta e, por isso, o seu uso não é recomendado.

Embora a generalidade dos dicionários não registe o vocábulo, como não acolhe outros regionalismos, a verdade é que tem algum uso em certas regiões de Portugal; e tem toda a razão: popularmente, diz-se «amandei a carta pela janela» e, como me dizia uma vez um jovem trabalhador rural, a propósito de uma jovem da sua aldeia, «achei-a bonita, gostei dela e amandei-me».

Pergunta:

Gostaria de saber se as palavras tese e teoria podem ser sinónimas.

Agradeço, desde já, o esclarecimento.

Resposta:

O Dicionário Prático de Locuções e Expressões Correntes, de Emanuel de Moura Correia e Persília de Melim Teixeira, edição da Papiro Editora, regista a expressão «em tese», e diz que significa «em geral; teoricamente; em teoria»; assim, «em tese» e «em teoria» são expressões sinónimas, e neste contexto tese e teoria também são palavras sinónimas. O dicionário ainda acolhe a expressão «obra, romance de tese», tratando-se de «obras destinadas a demonstrar a verdade de uma teoria».

Nos outros contextos, tese quer dizer «proposição que alguém apresenta para ser defendida»; na universidade, «trabalho original escrito para obtenção do grau de mestre ou doutor; proposição sustentada publicamente, numa escola superior ou universidade, por um candidato ao mestrado ou ao doutoramento»; em filosofia (Hegel), «primeiro momento do processo dialético, ao qual se contrapõe uma antítese, gerando-se um conflito que se resolve numa síntese»; «afirmação ou conclusão de um teorema»; e «assunto; tema». A palavra vem «do grego thésis, "ato de pôr", pelo latim these-, "tese; proposição"». Por sua vez, teoria é «sistema coerente dos conceitos, princípios e técnicas na base de determinado objeto de estudo»; «conhecimento sistematizado sobre determinado domínio»; «ideia ou sistema que resultam da especulação ou de conjeturas»; «hipótese não testada experimentalmente que se apresenta como explicação de determinada circunstância ou fenómeno em relação aos quais existem dúvidas»; «representação racional ou ideal de uma realidade»; em história, «deputação solene que as cidades gregas enviavam às festas em honra dos deuses»; «fila de pessoas que avança...

Pergunta:

Qual é a diferença entre injector e ejector?

Resposta:

O injetor é, regra geral, «que ou o que injeta»; «diz-se [ainda] de ou qualquer aparelho us[ado] para introduzir por pressão um fluido numa máquina ou num motor»; e «diz-se de ou aparelho com que se aplica inseticidas no solo». Em enologia (1899), «diz-se de ou parte de um aparelho empregado na sulfurização do mosto ou do vinho». O vocábulo vem do «rad[ical] do v[erbo] injetar + -or», e injetar é, geralmente, «introduzir (líquido ou, mais raramente, gás) [no corpo de outrem ou no seu próprio], por meio de seringa» e, por extensão de sentido, «introduzir, fazer penetrar (líquido, gás ou um preparado) [nos interstícios da madeira ou de qualquer outra matéria para torná-la mais resistente ou evitar o seu apodrecimento ou sua inflamação]».

Quanto a ejetor, na área do armamento, «diz-se de ou peça que, após o tiro, extrai de uma arma de fogo a cápsula ou o cartucho que continha a carga de projeção»; em artes gráficas, é o mesmo que «expulsor»; em tecnologia, «diz-se de ou aparelho que permite a saída de água de um reservatório ou que libera em velocidade elevada, através de um jato de vapor, o fluido de um compartimento» ou «diz-se de ou peça integrante de mecanismos a vapor». A palavra ejetor vem do «fr[ancês] éjécteur (1874), "aparelho ou dispositivo que serve para ejetar um objeto ou um fluido",  der[ivação] de éjecter, este empr[és]t[imo] do lat[im] cl[ássico] ejectāre "lançar fora, expelir, expulsar, empurrar; evacuar; vomitar; lançar, arrojar, atirar"».

Simplificando, a grande diferença é que o injetor introduz, e o ejetor expulsa.

[Fonte: Dicionário Eletrônico Houaiss]