Carlos Marinheiro - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Marinheiro
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Carlos Marinheiro (1941–2022). Bacharel em Jornalismo pela Escola Superior de Meios de Comunicação Social de Lisboa e ex-coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa. Colaborou em vários jornais, sobretudo com textos de análise política e social, nomeadamente no Expresso, Público, Notícias da Amadora e no extinto Comércio do Funchal, influente órgão da Imprensa até ao 25 de Abril.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Qual a origem etimológica da palavra laranja?

Desde já agradeço a vossa disponibilidade.

Resposta:

A palavra laranja vem «do persa narang, "laranja", pelo ár[abe] naranjâ».

Trata-se, em botânica, de «fruto (hesperídio) da laranjeira, arredondado, dividido em gomos sumarentos e coberto por uma casca cuja cor varia entre o amarelo e o cor-de-laranja» ou «variedade de pereira cultivada em Portugal». Laranja também é «cor resultante da adição de vermelho e amarelo». Ainda significa, como adjectivo, «que é da cor característica deste fruto». Além disso, existe a expressão «estar a pão e laranjas», que quer dizer «passar fome; ser castigado». [Cf. Dicionário da Língua Portuguesa 2003 da Porto Editora]

O Dicionário Eletrônico Houaiss ainda diz que, em sentido figurado e de uso informal, laranja é «indivíduo, nem sempre ingênuo, cujo nome é utilizado por outro na prática de diversas formas de fraudes financeiras e comerciais, com a finalidade de escapar do fisco ou aplicar dinheiro de origem ilícita; testa-de-ferro» e, na área da música, «o mau regente de orquestra».

Pergunta:

Li numa prova qualificativa do torneio de língua portuguesa a palavra "perservar", como sendo um erro da língua, e depois a sua correcção como sendo preservar. Ao estudar para a frequência de Língua Portuguesa, reparei que na parte dos erros mais comuns na língua aparecia a mesma palavra, só que desta vez a professora tinha "perservar".

Em que fico?

Resposta:

As obras consultadas registam preservar e perseverar, mas não acolhem "perservar". O verbo preservar (do lat[im] praeservāre) significa «garantir a continuidade ou sobrevivência de; conservar; pôr ao abrigo; defender; proteger; resguardar» e, como verbo reflexo, «acautelar-se; livrar-se». Por outro lado, o verbo perseverar (do lat[im] perseverāre) quer dizer «conservar-se firme, constante; persistir; continuar; não ceder; teimar».

[Cf. Dicionário da Língua Portuguesa 2003 da Porto Editora]

Pergunta:

A expressão «vem-me o comer à boca» está correcta?

Resposta:

A expressão «vem-me o comer à boca» era muito comum nos meios populares, entre as pessoas simples. Quando, devido a problemas de digestão, provavelmente o desconhecido nessa época «refluxo gastresofágico», a pessoa se apercebia da existência de algum movimento do conteúdo estomacal no sentido da boca, é (ou era) frequente dizer «vem-me a comida (ou o comer) à boca». Ainda hoje há quem diga assim, em muitas regiões de Portugal. Consequentemente, esta expressão genuinamente popular é correcta.

Pergunta:

Uma empresa compradora impõe um texto a todos os seus fornecedores (condições gerais de compras) onde estes aparecem como «contratantes». Não deveria ser antes «contratados»? Será que é indiferente?

Obrigado pelo esclarecimento.

 

Resposta:

Contratante e contratado são vocábulos com sentidos um pouco diferentes. O contratante é o «que contrata; contraente» ou «aquele que celebra contratos», e vem «do latim contractante-, part[icípio] pres[ente] de contractāre, "ter comércio com"».

Por sua vez, contratado, como adjectivo, «diz-se daquele que trabalha sob contrato; recrutado», e, quando é substantivo, significa «empregado».

Assim, no contexto referido, os contratantes são «aqueles que celebraram contratos», ou seja, «os fornecedores celebraram contratos com a empresa compradora». Por outro lado, esta tem, em princípio, empregados, isto é, contratados.

[Cf. Dicionário da Língua Portuguesa 2003 da Porto Editora]

 

Pergunta:

Estou de momento a realizar um trabalho sobre azeite, nomeadamente sobre o seu processamento. Ao consultar diversa bibliografia deparo-me com uma dúvida: sempre pensei que as águas residuais resultantes da extracção de azeite se denominavam "águas-ruças", mas o facto é que em vários documentos/artigos encontro referências a "águas-russas".

Resposta:

Todas as obras consultadas, nomeadamente o Grande Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora, o Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, da Academia das Ciências de Lisboa, e o Dicionário Eletrônico Houaiss, registam água-ruça, mas não acolhem o termo "água-russa". Assim, «as águas residuais resultantes da extracção de azeite» denominam-se águas-ruças; e o Houaiss (brasileiro, como sabe) ainda diz que também é «líquido que se separa do alcatrão em repouso após a sua destilação».