Carla Marques - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carla Marques
Carla Marques
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Doutorada em Língua Portuguesa (com uma dissertação na área do  estudo do texto argumentativo oral); investigadora do CELGA-ILTEC (grupo de trabalho "Discurso Académico e Práticas Discursivas"); autora de manuais escolares e de gramáticas escolares; formadora de professores; professora do ensino básico e secundário. Consultora permanente do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacada para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Sei que o pretérito mais-que-perfeito figura na ação que ocorre antes de outra ação que é indicada pelo pretérito perfeito:

«Eu comera o bolo quando ela chegou.»

A primeira ação é a de comer o bolo, a segunda é a de ela chegar. Conheço também que podemos usar a forma do composto:

«Eu tinha comido o bolo quando ela chegou.»

Aquelas duas relações são muito claras para mim, mas há um terceiro caso sobre o qual estou em dúvida, não tenho certeza de como posso classificá-lo.

«Eu comi o bolo quando ela chegou.»

Ambas as formas verbais (comi, chegou) são as do pretérito perfeito. Mas não consigo indicar com certeza qual ocorreu primeiro.

Seguindo o raciocínio das primeiras, parto do pressuposto de que seja «comi» a primeira ação e «chegou» a segunda. Esta é também uma dúvida que tenho, mas não a principal, que vem a seguir:

O significado da primeira forma (comi) é o mesmo de comera, tinha comido? Isto é, há alguma equivalência de sentido, pelo menos neste caso, entre o pretérito perfeito e o pretérito mais-que-perfeito, de modo que eu pudesse substituir uma forma pela outra?

Esta dúvida surge por causa da ideia de que a ação de comer ocorre antes da ação de chegar.

Sugestões de outros artigos e referências são bem-vindas.

Grato.

Resposta:

O pretérito mais-que-perfeito pode assinalar uma situação anterior a uma situação descrita por um verbo no pretérito perfeito, que funciona como tempo de referência à anterior:

(1) «Eu [já] comera o bolo quando ela chegou.»

(1a) «Eu [já] tinha comido o bolo quando ela chegou.»

Assim, nas frases anteriores, a situação descrita como «comer o bolo» é anterior à situação descrita como «ela chegar», o que pode ser marcado pelo advérbio .

Quando temos uma sucessão de frases com verbos no pretérito perfeito, a leitura pode corresponder à de ordenação temporal, como acontece em (2):
(2) «Eu comi o bolo quando ela chegou.»

Nesta frase, a forma «chegou» funciona como referência para «comi», o que gera a leitura de sequência de eventos: em primeiro lugar, «ela chegou» e, de seguida, ele «comeu o bolo».

Assim, entre a frase (1) e a frase (2) existem diferenças na ordenação temporal das situações descritas, o que se deve ao uso dos tempos verbais.

Para esta questão, podem ser consultadas as seguintes referências:

Disponha sempre!

Pergunta:

Na frase «O Lourenço é um doente com sida», qual a função sintática de «com sida»?

Na frase «O Lourenço é um doente de cardiologia», qual a função sintática de «de cardiologia»?

Resposta:

Atendendo a que o nome doente é independente, ou seja, não pede um complemento, os constituintes que o acompanham nas frases apresentadas pela consulente, nomeadamente «com sida» e «de cardiologia», incidem sobre o nome desempenhando a função de modificador do nome restritivo.

Disponha sempre!

Pergunta:

A palavra escalaridade (do inglês scalarity) tem sido usada sob diferentes acepções e em domínios bem distintos como geografia, linguística, arquitetura e até em análises de sistemas socioeconômicos.

Tanta polivalência, mais ajuda ou mais atrapalha?

Resposta:

O nome escalaridade formou-se, por derivação, a partir do adjetivo escalar, o qual descreve uma «representação que se faz por meio de uma escala», ou, no campo específico da matemática, refere as «grandezas que podem ser definidas exclusivamente por um número, por oposição às grandezas vetoriais» (Dicionário Houaiss e Dicionário da Língua Portuguesa).

Este termo é usado em diferentes áreas científicas, muito frequentemente para descrever realidades que se podem sujeitar a uma escala. Assim, embora a palavra seja mobilizada para áreas científicas bastante distintas, descreve com clareza um dado conceito que se pretende mobilizar, pelo que não julgo que a sua polivalência se traduza numa opacidade de significações. Deste modo, os seus usos parecem ser ajustados e pertinentes.

Disponha sempre!

O superlativo absoluto de <i>simpático</i>
Simpatiquíssimo ou simpaticíssimo?

A forma correta do superlativo absoluto sintético do adjetivo simpático constitui a matéria tratada neste apontamento da professora Carla Marques (colaboração no programa Páginas de Português, na Antena 2). 

Pergunta:

Gostava de saber se o uso de quem nesta oração «A mulher quem canta» estava correta ou não.

Grato pela resposta.

Resposta:

O segmento de frase apresentado não está correto.

O pronome relativo quem tem a particularidade de selecionar antecedentes com o traço [+humano], ou seja, refere-se a pessoas. Por esta razão, é agramatical uma frase na qual quem tenha um antecedente [-humano], como se observa em (1):

(1) «*O livro de quem tu me falaste é interessante.»

Por outro lado, quando introduz uma oração subordinada adjetiva relativa, o relativo quem tem algumas limitações quanto às funções sintáticas que pode desempenhar: o pronome surge antecedido de preposição e desempenha as funções de complemento indireto (2) ou de complemento oblíquo (3):

(2) «Este é o aluno a quem telefonei.»

(3) «Este é o aluno de quem te falei.»

Neste contexto de introdução de uma oração subordinada adjetiva relativa, o relativo quem não pode desempenhar a função sintática de sujeito. É esta a razão pela qual o segmento de frase apresentado é agramatical. A opção correta será aquela em que surge o pronome relativo que:

(4) «A mulher que canta»

Disponha sempre!

 

*indica a agramaticalidade da frase.