Carla Marques - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carla Marques
Carla Marques
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Doutorada em Língua Portuguesa (com uma dissertação na área do  estudo do texto argumentativo oral); investigadora do CELGA-ILTEC (grupo de trabalho "Discurso Académico e Práticas Discursivas"); autora de manuais escolares e de gramáticas escolares; formadora de professores; professora do ensino básico e secundário. Consultora permanente do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacada para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Na frase «O Lourenço é um doente com sida», qual a função sintática de «com sida»?

Na frase «O Lourenço é um doente de cardiologia», qual a função sintática de «de cardiologia»?

Resposta:

Atendendo a que o nome doente é independente, ou seja, não pede um complemento, os constituintes que o acompanham nas frases apresentadas pela consulente, nomeadamente «com sida» e «de cardiologia», incidem sobre o nome desempenhando a função de modificador do nome restritivo.

Disponha sempre!

Pergunta:

A palavra escalaridade (do inglês scalarity) tem sido usada sob diferentes acepções e em domínios bem distintos como geografia, linguística, arquitetura e até em análises de sistemas socioeconômicos.

Tanta polivalência, mais ajuda ou mais atrapalha?

Resposta:

O nome escalaridade formou-se, por derivação, a partir do adjetivo escalar, o qual descreve uma «representação que se faz por meio de uma escala», ou, no campo específico da matemática, refere as «grandezas que podem ser definidas exclusivamente por um número, por oposição às grandezas vetoriais» (Dicionário Houaiss e Dicionário da Língua Portuguesa).

Este termo é usado em diferentes áreas científicas, muito frequentemente para descrever realidades que se podem sujeitar a uma escala. Assim, embora a palavra seja mobilizada para áreas científicas bastante distintas, descreve com clareza um dado conceito que se pretende mobilizar, pelo que não julgo que a sua polivalência se traduza numa opacidade de significações. Deste modo, os seus usos parecem ser ajustados e pertinentes.

Disponha sempre!

O superlativo absoluto de <i>simpático</i>
Simpatiquíssimo ou simpaticíssimo?

A forma correta do superlativo absoluto sintético do adjetivo simpático constitui a matéria tratada neste apontamento da professora Carla Marques (colaboração no programa Páginas de Português, na Antena 2). 

Pergunta:

Gostava de saber se o uso de quem nesta oração «A mulher quem canta» estava correta ou não.

Grato pela resposta.

Resposta:

O segmento de frase apresentado não está correto.

O pronome relativo quem tem a particularidade de selecionar antecedentes com o traço [+humano], ou seja, refere-se a pessoas. Por esta razão, é agramatical uma frase na qual quem tenha um antecedente [-humano], como se observa em (1):

(1) «*O livro de quem tu me falaste é interessante.»

Por outro lado, quando introduz uma oração subordinada adjetiva relativa, o relativo quem tem algumas limitações quanto às funções sintáticas que pode desempenhar: o pronome surge antecedido de preposição e desempenha as funções de complemento indireto (2) ou de complemento oblíquo (3):

(2) «Este é o aluno a quem telefonei.»

(3) «Este é o aluno de quem te falei.»

Neste contexto de introdução de uma oração subordinada adjetiva relativa, o relativo quem não pode desempenhar a função sintática de sujeito. É esta a razão pela qual o segmento de frase apresentado é agramatical. A opção correta será aquela em que surge o pronome relativo que:

(4) «A mulher que canta»

Disponha sempre!

 

*indica a agramaticalidade da frase.

Pergunta:

Embora se diga que quando e se nunca são seguidos do presente do conjuntivo, o fato é que eu tenho visto, inúmeras vezes, o presente do conjuntivo depois de quando, em textos jurídicos de todo o mundo lusófono.

O curioso é que, como nativo, essa aplicação me soa bem nesses casos, mas não na maioria dos casos, onde aplicaria o presente do indicativo ou o futuro do conjuntivo. Dou como exemplo a seguinte frase:

«As concessões por arrendamento podem ser rescindidas, quando a utilização do terreno se afaste dos fins para que foi concedido.»

De fato aqui a utilização do uso presente do conjuntivo parece tirar ousadia do futuro do conjuntivo de sugerir maior probabilidade ou concretude.

Este uso está correto? Qual seria o critério para o seu uso?

Resposta:

A conjunção quando pode ser usada tanto com presente do conjuntivo (subjuntivo) como com futuro do conjuntivo. 

A situação mais comum é o recurso ao futuro do conjuntivo em situações em que se refere uma situação com valor de possibilidade a ocorrer num intervalo de tempo posterior ao momento da enunciação, como se verifica em (1):

(1) «Venham ter comigo quando terminarem o vosso teste.»

Menos frequente é o recurso ao presente do indicativo na oração introduzida por quando. Neste caso, aponta-se sobretudo para uma situação que tem uma interpretação genérica associada ao valor de eventualidade. É este valor que está presente na frase apresentada pelo consulente e que, no contexto legal em que foi produzida, lhe dá a possibilidade de se aplicar a situações da natureza da que se descreve:

(2) «As concessões por arrendamento podem ser rescindidas, quando a utilização do terreno se afaste dos fins para que foi concedido.»

A este propósito, leia-se também esta resposta de Carlos Rocha.

Disponha sempre!