Carla Marques - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carla Marques
Carla Marques
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Doutorada em Língua Portuguesa (com uma dissertação na área do  estudo do texto argumentativo oral); investigadora do CELGA-ILTEC (grupo de trabalho "Discurso Académico e Práticas Discursivas"); autora de manuais escolares e de gramáticas escolares; formadora de professores; professora do ensino básico e secundário. Consultora permanente do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacada para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Qual a frase mais correta?

«Tenho suficiente para nós dois» ou «Tenho suficiente para nós os dois»?

Obrigada.

Resposta:

Ambas as formas são aceitáveis.

A forma usada mais correntemente é a que inclui o determinante artigo definido antes do quantificador numeral:

(1) «Tenho suficiente para nós os dois.»

Não obstante, para muitos falantes é aceitável a construção sem o artigo definido:

(2) «Tenho suficiente para nós dois.»

O sintagma composto por artigo definido seguido de numeral pode, em determinadas construções, surgir depois do verbo como em (3) e (4)1:

(3) «Nós os dois vamos concluir o trabalho.»

(4) «Nós vamos os dois concluir o trabalho.»

Disponha sempre!

 

1. Para mais informações, cf. Raposo in Raposo et al., Gramática do Português. Fundação Calouste Gulbenkian, pp. 916-918.

Pergunta:

«Hoje estamos aqui para falar da origem do azulejo uma das artes da qual tanto nos orgulhamos.»

Nesta frase, existe uma palavra tanto, o que significa?

Resposta:

Quando acompanha verbos, tanto funciona como um advérbio que expressa o grau, a intensidade ou uma quantidade superior (Dicionário da Língua Portuguesa). Nessa qualidade, é equivalente a muito ou bastante:

(1) «Hoje estamos aqui para falar da origem do azulejo uma das artes da qual tanto / muito / bastante nos orgulhamos.»

Disponha sempre!

Pergunta:

A frase abaixo está correta? Fiquei em dúvida sobre o «só se nos permitirmos» quando com a vírgula antes de «construiremos».

«Só se nos permitirmos olhar para o mesmo objetivo com diferentes pontos de vista, construiremos novas estratégias.»

Obrigada.

Resposta:

A frase está correta.

A frase apresentada é composta por duas orações: uma oração subordinada condicional («Só se nos permitirmos olhar para o mesmo objetivo com diferentes pontos de vista») e uma oração subordinante / principal («construiremos novas estratégias»).

Ora, quando uma oração subordinada antecede a oração subordinante, normalmente estas são separadas da oração seguinte por meio de vírgula. Esta possibilidade é preceituada por Cunha e Cintra quando afirmam que a vírgula se usa «[p]ara separa as orações subordinadas adverbiais, principalmente quando antepostas à principal»1. Por essa razão, a vírgula usada está correta.

Disponha sempre!

 

1. Cf. Cunha e Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo. Ed. Sá da Costa, p. 645.

Pergunta:

Sei que o pretérito mais-que-perfeito figura na ação que ocorre antes de outra ação que é indicada pelo pretérito perfeito:

«Eu comera o bolo quando ela chegou.»

A primeira ação é a de comer o bolo, a segunda é a de ela chegar. Conheço também que podemos usar a forma do composto:

«Eu tinha comido o bolo quando ela chegou.»

Aquelas duas relações são muito claras para mim, mas há um terceiro caso sobre o qual estou em dúvida, não tenho certeza de como posso classificá-lo.

«Eu comi o bolo quando ela chegou.»

Ambas as formas verbais (comi, chegou) são as do pretérito perfeito. Mas não consigo indicar com certeza qual ocorreu primeiro.

Seguindo o raciocínio das primeiras, parto do pressuposto de que seja «comi» a primeira ação e «chegou» a segunda. Esta é também uma dúvida que tenho, mas não a principal, que vem a seguir:

O significado da primeira forma (comi) é o mesmo de comera, tinha comido? Isto é, há alguma equivalência de sentido, pelo menos neste caso, entre o pretérito perfeito e o pretérito mais-que-perfeito, de modo que eu pudesse substituir uma forma pela outra?

Esta dúvida surge por causa da ideia de que a ação de comer ocorre antes da ação de chegar.

Sugestões de outros artigos e referências são bem-vindas.

Grato.

Resposta:

O pretérito mais-que-perfeito pode assinalar uma situação anterior a uma situação descrita por um verbo no pretérito perfeito, que funciona como tempo de referência à anterior:

(1) «Eu [já] comera o bolo quando ela chegou.»

(1a) «Eu [já] tinha comido o bolo quando ela chegou.»

Assim, nas frases anteriores, a situação descrita como «comer o bolo» é anterior à situação descrita como «ela chegar», o que pode ser marcado pelo advérbio .

Quando temos uma sucessão de frases com verbos no pretérito perfeito, a leitura pode corresponder à de ordenação temporal, como acontece em (2):
(2) «Eu comi o bolo quando ela chegou.»

Nesta frase, a forma «chegou» funciona como referência para «comi», o que gera a leitura de sequência de eventos: em primeiro lugar, «ela chegou» e, de seguida, ele «comeu o bolo».

Assim, entre a frase (1) e a frase (2) existem diferenças na ordenação temporal das situações descritas, o que se deve ao uso dos tempos verbais.

Para esta questão, podem ser consultadas as seguintes referências:

Disponha sempre!

Pergunta:

Na frase «O Lourenço é um doente com sida», qual a função sintática de «com sida»?

Na frase «O Lourenço é um doente de cardiologia», qual a função sintática de «de cardiologia»?

Resposta:

Atendendo a que o nome doente é independente, ou seja, não pede um complemento, os constituintes que o acompanham nas frases apresentadas pela consulente, nomeadamente «com sida» e «de cardiologia», incidem sobre o nome desempenhando a função de modificador do nome restritivo.

Disponha sempre!