Carla Marques - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carla Marques
Carla Marques
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Doutorada em Língua Portuguesa (com uma dissertação na área do  estudo do texto argumentativo oral); investigadora do CELGA-ILTEC (grupo de trabalho "Discurso Académico e Práticas Discursivas"); autora de manuais escolares e de gramáticas escolares; formadora de professores; professora do ensino básico e secundário. Consultora permanente do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacada para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

«Ele foi o menino que os pais não cuidavam dele.»

O enunciado está correto?

Obrigado.

Resposta:

A frase não está correta. A incorreção está relacionada com o uso simultâneo do pronome relativo que e da contração da preposição de com o pronome ele (dele).

A frase proposta resulta da junção de duas frases:

(1) «Ele foi o menino.»

(2) «Os pais não cuidavam do menino.»

Quando se pretende juntar as duas frases, há que eliminar a repetição do sintagma «o menino», o que se pode fazer por meio de um pronome relativo. Note-se, ainda, que o pronome relativo desempenha, na oração que introduz, a função sintática que desempenharia o sintagma que ele vem substituir.

Ora, na frase (2), o constituinte «do menino» desempenha a função sintática de complemento oblíquo do verbo cuidar, função que o pronome relativo também terá de desempenhar na sua oração.

Na frase apresentada pelo consulente, na oração subordinada relativa, a função sintática de complemento oblíquo é desempenhada por dele. Em simultâneo, o pronome relativo que tenta ocupar essa mesma função. Por essa razão, a frase é incorreta.

A solução será eliminar da frase o sintagma preposicional dele, e sinalizar o preenchimento da função de complemento oblíquo pelo relativo, o que poderá acontecer por meio da utilização de «do qual» ou «de quem» como se exemplifica nas frases seguintes:

(3) «Ele foi o menino do qual os pais não cuidavam.»

(4) «Ele foi o menino de quem os pais não cuidavam.»

Disponha sempre!

Pergunta:

Nas frases:

«Ela se arroga essa liberdade.» – o vocábulo se é objeto indireto.

«Eles se gostam.» – o vocábulo se é complemento relativo.

Qual a diferença entre objeto indireto para complemento relativo?

Obrigado.

Resposta:

A função sintática desempenhada pelo pronome se depende da estrutura argumental do verbo com o qual ele ocorre. Deste modo, se pode desempenhar diferentes funções sintáticas, tal como se ilustra nas frases seguintes:

(1) «O João se feriu no braço. / O João feriu-se no braço.» (complemento direto = ferir alguém)

(2) «O João se ofereceu um livro. / O João ofereceu-se (a si) um livro.» (complemento indireto = oferecer algo a alguém)

(3) «Eles se gostam.»1 (complemento relativo = gostar de algo ou alguém)

Nas frases apresentadas pelo consulente, o pronome se desempenha diferen...

O prefixo <i>in-</i>
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Terá o prefixo in- mais do que uma forma? Esta é a questão que a professora Carla Marques trata no seu apontamento, partindo das palavras irracional e indispensável

Apontamento incluído no programa Páginas de Português, na Antena 2, no dia 1 de outubro de 2023.

Pergunta:

Encontrei a seguinte frase:

«Este ano iremos poder contar com a presença de profissionais (…).»

Questiono-me se esta conjugação verbal está correta.

Verbo ir no futuro + infinitivo + infinitivo ?

Penso que ficaria melhor «poderemos contar» ou contaremos, mas queria uma justificação.

Obrigada.

Resposta:

O constituinte «iremos poder contar» é um complexo verbal constituído por dois verbos auxiliares (ir e poder) e por um verbo principal (contar). Trata-se, assim, de uma locução verbal com mais do que um auxiliar, o que em português pode ter lugar. 

Os auxiliares presentes no complexo estão ao serviço da expressão de valores diferentes. Assim, o auxiliar ir expressa uma ideia de futuridade, como acontece na frase (1):

(1) «Vamos ficar na escola todo o dia.»

(2) «A Joana irá entregar o trabalho.»

Em frases simples, o auxiliar ir usa-se normalmente no presente do indicativo. A opção pelo futuro é menos frequente e traduz um valor de futuridade equivalente.

O verbo poder, na qualidade de auxiliar, pode exprimir uma autorização (modalidade deôntica):

(3)

Pergunta:

A minha questão é referente à regência e/ou concordância da palavra equipa em número.

Fiz uma publicação de necrologia e a mensagem era «A equipa da empresa Y comunica com pesar e consternação o falecimento da Sra. X, mãe da esposa do nosso colega Z».

Entretanto, o jornal alterou para «A equipa da empresa Y comunica com pesar e consternação o falecimento da Sra. X, mãe da esposa do seu colega Z». Esta alteração suscitou debate e essa dúvida sobre se a primeira mensagem estava incorrecta.

Agradecia vossos preciosos comentários.

Resposta:

A questão colocada envolve, como bem afirma o consulente, um processo de concordância.

Em (1), o núcleo do sujeito da frase é «a equipa», ou seja, um constituinte equivalente à 3.ª pessoa do singular. Por esse motivo as concordâncias com este núcleo devem ocorrer na mesma pessoa e número.

(1) «A equipa da empresa Y comunica com pesar e consternação o falecimento da Sra. X, mãe da esposa do seu colega Z.»

Deste modo, está correto o uso do determinante possessivo seu, uma vez que ele se encontra na 3.ª pessoa do singular.

O uso do possessivo de 1.ª pessoa do plural poderia ocorrer se o núcleo da concordância fosse o pronome nós, como poderia acontecer numa frase como a que se apresenta em (2):

(2) «Nós, membros da equipa da empresa Y, comunicamos com pesar e consternação o falecimento da Sra. X, mãe da esposa do nosso colega Z.»

Finalmente, uma frase como a que se apresenta em (3) poderia dar azo a interpretações dúbias porque o determinante nosso poderia estar a concordar com um antecedente que não está expresso ou que seria reconstituído pelo contexto, que poderia corresponder a algo como o que indica entre parênteses retos:

(3) «[Nós ficámos agradecidos quando] a equipa da empresa Y comunicou com pesar e consternação o falecimento da Sra. X, mãe da esposa do nosso colega Z.»

Certo é que, formalmente, nosso não pode concordar com «a equipa».

No entanto, refira-se que, em contexto menos formais, pode ocorrer uma concordância siléptica, ou seja, uma concor...