O provérbio «Pedra movediça não cria bolor» dá matéria ao apontamento da professora Carla Marques divulgado no programa Páginas de Português, na Antena 2 (7 de janeiro de 2024).
Doutorada em Língua Portuguesa (com uma dissertação na área do estudo do texto argumentativo oral); investigadora do CELGA-ILTEC (grupo de trabalho "Discurso Académico e Práticas Discursivas"); autora de manuais escolares e de gramáticas escolares; formadora de professores; professora do ensino básico e secundário. Consultora permanente do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacada para o efeito pelo Ministério da Educação português.
O provérbio «Pedra movediça não cria bolor» dá matéria ao apontamento da professora Carla Marques divulgado no programa Páginas de Português, na Antena 2 (7 de janeiro de 2024).
«Ricardim gosta da música popular» ou «Ricardim gosta de música popular»?
Qual destas frases fica correctamente escrita desde a perspectiva puramente gramatical? Eu optei pela primeira, já que é uma música específica, ou seja, que Ricardim gosta da música popular.
Grato pelas doutas respostas.
Ambas as frases estão corretas e são, no seu uso corrente, praticamente sinónimas.
A questão convocada pelas frases apresentadas está relacionada com o uso de nome com ou sem artigo definido. A presença ou ausência do artigo definido está relacionado com fatores semânticos, contextuais e individuais que não é possível sistematizar de forma a apresentar como regra a seguir nos usos do português.
Poderemos afirmar, não obstante, que o uso do artigo a introduzir um sintagma nominal habitualmente associa-se a uma referência específica, ao passo que a ausência do artigo contribui para uma referência mais vaga e imprecisa.
Assim, no caso concreto do sintagma nominal «música popular», a sua construção com artigo definido, como em (1), é compatível com a intenção de indicar o tipo particular1 de música de que Ricardim gosta: a música popular face, por exemplo, à música erudita. A presença do artigo contribui para a indicação de uma realidade concreta ou tomada como já conhecida pelos interlocutores:
(1) «Ricardim gosta da música popular.»
Em (2), a ausência de artigo definido é compatível com a apresentação de um conceito abstrato1, relativo aos tipos de música existentes, apontando assim para um conceito de valor genérico:
(2) «Ricardim gosta de música popular.»
Como se pode observar, as diferenças entre as duas frases são, de facto, muito subtis e podem ainda ficar dependentes de razões contextuais que dificilmente poderão ser sistematizadas.
Disponha sempre!
Francisco Fernandes, no seu Dicionário de Regimes de Substantivos e Adjetivos, dá para desconfiado a preposição de e para.
Não seria apenas a preposição de selecionada por desconfiado?
Muito obrigado!
Celso Luft assinala como regências de desconfiando as preposições com e de1, apresentando exemplos como os abaixo transcritos:
(1) «Mulher desconfiada com o marido.»
(2) «Estou desconfiadíssima de que a tal arte de não fazer nada não existe» (Cecília Meireles, O que se diz e o que se entende – Crônicas. Nova Fronteira, 1980.)
Uma pesquisa no Corpus do Português, de Mark Davies mostra que, a nível literário, desconfiado tem registos de uso também com as preposições de e com, como se observa por exemplo em:
(3) «Não era inglês, mas lembrou-lhe a outra, que o marido levou para a roça, desconfiado de um inglês, e sentiu crescer-lhe o ódio contra a raça masculina - com exceção, talvez, dos rapazes a cavalo.» (Machado de Assis, Capítulo dos Chapéus.)
(4) «Já não estou desconfiado com a Berlenga.» (Rúben Andresen, Páginas. 1988)
No mesmo corpus, identificamos frases em que desconfiado ocorre com a preposição para, como se exemplifica a seguir:
(5) «Bio olhou desconfiado para um capão, a uns trinta metros da casa.» (Eric Veríssimo,
O significado e a etimologia da palavra moçárabe dão tema ao apontamento da professora Carla Marques divulgado no programa Páginas de Português, na Antena 2 (dia 17 de dezembro de 2023).
Na frase «[…] uns feixes de mato a ziguezaguearem e a andarem e a pararem […]», podemos considerar a existência de uma enumeração para além da personificação nela existente?
No excerto apresentado, podemos identificar a presença da enumeração como recurso expressivo.
A enumeração é a «[a] dição ou inventário de coisas relacionadas entre si, cuja ligação se faz quer por polissíndeto quer por assíndeto»1. Neste caso, a relação que se estabelece entre os elementos enumerados está relacionada com os movimentos executados pelos feixes de mato.
A enumeração é um recurso expressivo com efeitos retóricos quando, como afirma Garavelli, «a intenção comunicativa, o contexto verbal, as situações de uso, etc., lhe atribuem eficácia argumentativa, descritiva»2. Ora, neste caso, embora não tenhamos acesso ao texto na sua íntegra, poderemos aventar a hipótese interpretativa de que a enumeração contribui para a descrição de uma situação, recorrendo a um efeito estilístico de adição de ideias. Neste caso, a adição surge bem vincada porque é processada por meio do polissíndeto, que associa cada uma das formas verbais.
Disponha sempre!
1. E-dicionário de termos literários
2. Bice Garavelli, Manual de Retórica. Cátedra, 1991, p. 248.
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