Nos 27 anos do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, faz-se um balanço das suas atividades e das inovações que têm sido introduzidas no projeto.
Doutorada em Língua Portuguesa (com uma dissertação na área do estudo do texto argumentativo oral); investigadora do CELGA-ILTEC (grupo de trabalho "Discurso Académico e Práticas Discursivas"); autora de manuais escolares e de gramáticas escolares; formadora de professores; professora do ensino básico e secundário. Consultora permanente do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacada para o efeito pelo Ministério da Educação português.
Nos 27 anos do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, faz-se um balanço das suas atividades e das inovações que têm sido introduzidas no projeto.
Palavras – Revista em Linha, uma publicação da Associação de Professores de Português, dedica o seu número 60-61 ao ensino da oralidade. Esta edição conta com a coordenação editorial da professora Carla Marques, linguista e consultora permanente do Ciberdúvidas, e centra-se em aspetos específicos da competência oral que permitam uma compreensão dos planos em que se divide o seu ensino e as áreas com as quais se articula. Como assinala Carla Marques, «a escola tem de assumir o papel de ensinar efetivamente a oralidade, em todas as dimensões, em todos os ciclos de ensino e mobilizando todos os instrumentos disponíveis»; por esta razão, o presente número pretende, sobretudo, ser um convite à reflexão sobre caminhos possíveis para o desenvolvimento de práticas de ensino-aprendizagem no âmbito do domínio do oral.
Esta edição conta com várias visões de especialistas em didática e que se refletem no conjunto de artigos que a compõem. Para além disto, pode-se também encontrar uma entrevista conduzida por Carla Marques e João Pedro Aido a Joaquim Dolz, professor na Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Genebra e reconhecido especialista internacional na área dos estudos da oralidade. Nesta conversa são abordados vários temas, entre eles, a construção de um pensamento renovado em torno das práticas do ensino e da aprendizagem da oralidade.
De entre os diversos artigos desta edição sobre oralidade, salientamos em particular o estudo desenvolvido por
Ouço e leio frequentemente a palavra "publicidades", que julgo ser usada por confusão com "anúncios". Sendo a publicidade uma técnica de comunicação que recorre a anúncios, afigura-se-me que o termo "publicidades" não faz sentido.
Afinal, "faz-se publicidade a", não se "faz publicidades a"! O que dizem os especialistas?
O uso do termo "publicidades" é ou não correto?
Obrigada.
De acordo com o Dicionário da Língua Portuguesa, da Academia das Ciências de Lisboa, publicidade pode ter várias aceções. Entre elas, destacamos as que são relevantes para o tópico:
(1) «atividade ou arte que consiste em exercer, por meio de anúncios ou de cartazes, uma ação psicológica sobre o público em geral, com fins essencialmente comerciais
agência de publicidade; campanha de publicidade
publicidade radiofónica; publicidade televisiva
Fizeram publicidade a um detergente.»
(2) «página, texto, cartaz, anúncio com carácter publicitário
A frontaria do edifício estava carregada de publicidade.»
Como de pode observar, o significado que aqui se apresenta em (1) corresponde à técnica / arte / atividade de comunicação, que a consulente refere.
Não obstante, se atentarmos no significado transcrito em (2), publicidade também pode ser equivalente a anúncio. A assimilação deste significado por parte da palavra publicidade pode corresponder a um processo metonímico em que o produto é tomado pelo processo.
A ação da metonímia no significado lexical pode observar-se, a título de exemplo, no uso da marca pelo produto:
(3) «Ele andou no meu BMW.» (BMW por automóvel da marca BMW)
ou do instrumento pelo utilizador:
(4) «Os microfones deram a conhecer o sucedido.» (microfone por jornalista)
Assim sendo, podemos concluir que o uso de <...
Gostaria de esclarecer a seguinte dúvida: por que razão é classificada nas frases «Ando a ler O ano da morte de Ricardo Reis» (situação iterativa), «Os alunos, naquela tarde de chuva, contavam entusiasmados todo o dinheiro recolhido para a viagem de finalistas» (situação imperfetiva)?
Como distinguir corretamente uma situação iterativa de uma situação imperfetiva?
Obrigada pela atenção.
As frases têm o valor assinalado pelo consulente, sendo que na primeira frase podemos ainda identificar, de forma cumulativa, o valor imperfetivo.
O valor aspetual gramatical imperfetivo está presente quando uma dada situação é perspetivada no seu decurso, sem que se delimitem o seu início ou o seu fim. Nesta perspetiva, ambas as frases, transcritas em (1) e (2), expressam este valor:
(1) «Ando a ler O ano da morte de Ricardo Reis.»
(2) «Os alunos, naquela tarde de chuva, contavam entusiasmados todo o dinheiro recolhido para a viagem de finalistas.»
O aspeto gramatical iterativo descreve uma situação que se repete num intervalo de tempo que, normalmente, é delimitado, sendo perspetivado como se se tratasse de um evento único. Note-se, porém, que nem sempre o limite final da situação é expresso na frase. Por essa razão, na frase apresentada em (1) identificamos igualmente o valor iterativo: a situação descrita como ler é apresentada como um evento único, o que se consegue pelo efeito do complexo verbal «ando a ler», que perspetiva um conjunto de repetições como um ato único. Bem sabemos do nosso conhecimento do mundo que não se lê um livro ininterruptamente durante 24 horas até chegar ao final, mas o que aqui se tem em consideração é a forma como a situação é apresentada na frase e não do modo como a ação foi desenvolvida por alguém. Na frase (1), não se delimita o fim da situação «ler O ano da morte de Ricardo Reis» (o que é compatível com o valor imperfetivo, como vimos), mas o nosso conhecimento do mundo diz-nos que ela terá um fim, sem que isso implique que se leia toda a obra.
Disponha sempre!
Caros peritos da língua,
Considerem a frase:
«Putin descreveu o leste da Ucrânia como "território histórico" da Rússia e voltou a insistir que a Rússia tinha tentado negociar um acordo pacífico antes de enviar tropas, mas "foi enganada".»
Como compreender o valor aspetual da construção "tinha tentado negociar"? É télico ou atélico?
Isto parece-me ser aberto à interpretação de cada um da frase.
Estamos a falar de uma ação/tentativa de fazer um acordo? Ou talvez de uma série de tentativas contínuas que se prolongaram por um longo período de tempo? Não tenho certeza, mas talvez o verbo tentar seja por si só um operador aspetual na frase, cujo valor não consigo determinar.
Agradeceria um comentário de um especialista.
O pretérito mais-que-perfeito composto (do indicativo) é um tempo verbal que descreve uma situação concluída, localizada no passado1. Assim, a forma auxiliar aspetual «tinha tentado» é télica, uma vez que implica uma situação com um fim inerente: «tinha tentado negociar» implica que já não «tenta negociar».
O complexo verbal «tinha tentado negociar» é, não obstante, dúbio quanto à sua duração inerente. Não fica claro na frase apresentada pelo consulente se se trata de uma situação pontual, ou seja, que teve lugar uma vez num intervalo de tempo passado, ou de uma situação durativa, ou seja, que se prolongou durante algum tempo num intervalo de tempo passado, o que implica uma série de tentativas.
Sem mais contexto ou sem acesso à intenção do locutor, torna-se difícil identificar o valor aspetual do complexo verbal.
Para além disso, o verbo tentar é ele próprio ambíguo porque «tentar negociar» não significa que alguma vez a negociação entre as partes tenha efetivamente tido lugar, pois tentar significa “fazer esforço ou tratar de conseguir atingir um objetivo; usar meios para chegar a um resultado; mostrar o intento ou a vontade de”. Os valores do verbo apontam apenas para uma intenção e não para uma concretização.
Deste modo, podemos concluir que a formulação «tinha tentado negociar» expressa uma significação ambígua e mesmo difusa, o que poderá, de alguma forma, ser esclarecedor relativamente às intenções do locutor que poderá ter a intenção de não se comprometer com a declaração de realização efetiva de uma situação.
1. Raposo et al., Gramática do Português. Fundação Calouste Gulbenkian, p. 530-531. <...
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