Carla Marques - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carla Marques
Carla Marques
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Doutorada em Língua Portuguesa (com uma dissertação na área do  estudo do texto argumentativo oral); investigadora do CELGA-ILTEC (grupo de trabalho "Discurso Académico e Práticas Discursivas"); autora de manuais escolares e de gramáticas escolares; formadora de professores; professora do ensino básico e secundário. Consultora permanente do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacada para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Gostaria de saber se a regência do verbo pedir na seguinte sentença está adequada:

«Professora é demitida por pedir que Trump retire 'alunos ilegais' de escola.»

O correto seria «...pedir a Trump que retire...»?

Grato pelo caprichoso serviço prestado.

Resposta:

Ambas as construções apresentadas estão corretas, embora tenham significados diferentes.

Na frase

(1) «Professora é demitida por pedir que Trump retire 'alunos ilegais' de escola.»

o verbo pedir é completado por uma oração subordinada substantiva completiva («que Trump retire 'alunos ilegais' de escola»), pelo que a frase é equivalente a

(2) «Professora é demitida por pedir isto

Na frase (1), o constituinte «Trump» é sujeito de «retire» e não se identifica a pessoa/entidade a quem a professora endereçou o seu pedido.

Na frase

(3) «Professora é demitida por pedir a Trump que retire 'alunos ilegais' de escola.»

o verbo pedir tem dois com...

Pergunta:

Gostaria de saber como analisarmos a oração «Já é dia».

A minha pergunta é que tipo de predicado – nominal, verbal ou verbo-nominal?

E a palavra dia, qual é a função sintática – predicativo ou adjunto adverbial?

Grato pala resposta.

Resposta:

A frase apresentada pelo consulente é uma frase copulativa. As frases copulativas não constituem predicações de base verbal, porque o conteúdo nuclear da frase não é veiculado pelo verbo. Na frase apresentada, o conteúdo essencial é veiculado pelo nome dia. Por esta razão, considera-se que estamos perante uma predicação de base nominal.

A frase «Já é dia» ilustra um uso do verbo ser no qual ele exprime a localização temporal de um determinado momento, como acontece em frases do tipo:

(1) «É terça-feira.»

(2) «É feriado.»

(3) «São cinco horas.»

Frases desta natureza caracterizam-se por não terem um sujeito expresso, embora seja possível recuperá-lo semanticamente como correspondente ao momento da enunciação, entendido de forma mais ou menos lata1.

De um ponto de vista sintático, o constitu...

Pergunta:

«Desembarcar na ilha» – «na ilha» é complemento oblíquo, não é?

Muito obrigada.

Resposta:

Na frase apresentada, o constituinte «na ilha» tem a função de complemento oblíquo.

O verbo desembarcar pode ter os seguintes usos:

(i) verbo intransitivo:

(1) «Os passageiros desembarcaram.»

(ii) verbo transitivo direto:

(2) «Ele desembarcou as encomendas.»

(iii) verbo transitivo indireto:

(3) «Ele desembarcou do avião.»

(4) «Ele desembarcou em Paris.»

(iv) verbo transitivo direto e indireto:

(5) «Eles desembarcaram as mercadorias em Paris.»

Nos usos (iii) e (iv), o verbo tem um valor de mudança de lugar e pode reger preposições como de (que assinala o lugar de origem) ou em (que assinala o lugar de destino), tendo os complementos introduzidos pela preposição a função de complemento oblíquo.

Pergunta:

Como classificar a oração «que não se arme e se indigne o céu sereno», na estância 106, vv. 5-8 de Os Lusíadas?

«Onde pode acolher-se um fraco humano,/ Onde terá segura a curta vida,/ Que não se arme e se indigne o céu sereno/ contra um bicho da terra tão pequeno?»

Resposta:

A oração em questão1 é uma oração subordinada adverbial consecutiva.

Esta oração está dependente das duas orações coordenadas «Onde pode acolher-se um fraco humano, / Onde terá segura a curta vida», que funcionam como orações subordinantes. 

Assim, verbalizando todos os constituintes e usando a ordem natural, a frase poderia ter a seguinte forma:

(1) «Onde pode acolher-se um fraco humano e onde terá segura a curta vida, de tal maneira que não se arme e se indigne o céu sereno contra um bicho da terra tão pequeno?»

Disponha!

 

1. A oração integra a estância 106 do Canto I, d'Os Lusíadas, de Luís de Camões.

2. Cf. Raposo et al. Gramática do Português. Fundação Calouste Gulbenkian, pp. 2168-2169.

Pergunta:

«Você não faz ideia com quem você está mexendo.» A frase está correta ou apresenta algum erro?

Julgo que a preposição de deveria constar, porque quem «faz ideia» o faz de algo, como: «Você não faz ideia de como isso me machucou.», mas a presença da preposição me soa estranha. Como fica?

Grato!

Resposta:

A frase em questão apresenta, com efeito, alguns problemas, que trataremos de seguida.

Em primeiro lugar, o nome ideia rege a preposição de, que pode ter como complemento um nome (1) ou uma oração (2):

(1) «Tu não fazes ideia da verdade

(2) «Tu não fazes ideia do problema que ele causou

Em segundo lugar, o verbo mexer rege a preposição com:

(3) «Ele mexeu com os meus sentimentos.»

Todavia, uma oração relativa sem antecedente parece ter dificuldade em ter uma preposição à cabeça:

(4) «*Com quem tu mexeste ficou indignado.»

Como nos explicam Peres...