Carla Marques - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carla Marques
Carla Marques
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Doutorada em Língua Portuguesa (com uma dissertação na área do  estudo do texto argumentativo oral); investigadora do CELGA-ILTEC (grupo de trabalho "Discurso Académico e Práticas Discursivas"); autora de manuais escolares e de gramáticas escolares; formadora de professores; professora do ensino básico e secundário. Consultora permanente do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacada para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Na frase abaixo, qual advérbio melhor se emprega: onde ou aonde?

«Pela vida de Javé, teu Deus, não há nação nem reino aonde (onde) meu amo não tenha mandado te procurar (...)»

Obrigado.

Resposta:

A oração em análise pode ser introduzida por onde  ou por aonde.

O uso de preposições antes das palavras que introduzem as orações relativas está diretamente relacionado com as regências dos verbos das orações que estas palavras introduzem. Atentemos nas frases (1) e (2):

(1) «Ele comprou-me este livro.»

(2) «Eu gosto muito deste livro.» 

Se pretendermos unir as frases, de modo a formar uma frase complexa, o resultado seria o que se observa em (3):

(3) «Ele comprou-me este livro de que gosto muito.»

A presença da preposição antes do pronome relativo que deve-se ao facto de o verbo gostar reger a preposição de.

Se atentarmos na frase apresentada pelo consulente:

(4) «Pela vida de Javé, teu Deus, não há nação nem reino aonde / onde meu amo não tenha mandado te procurar (...)»

verificamos que ela inclui uma oração relativa que pode corresponder a duas frases simples distintas (omitimos a negação para facilitar a análise):

(5) «O meu amo mandou-te procurar em todas as nações e reinos.»

(6) «O meu amo mandou (alguém) a todas as nações e reinos procurar-te.»&#x...

Pergunta:

Precisei de preparar este conteúdo gramatical (aspeto verbal) e as explicações encontradas para definir o aspeto iterativo e o habitual deixaram-me muito confusa, dadas as suas semelhanças.

Haverá algum modo simples e claro de os diferenciar?

Grata pela atenção dispensada.

Resposta:

Tanto o aspeto habitual como o iterativo estão relacionados com o tipo de repetição da situação expressa na frase.

Assim, o aspeto iterativo corresponde a uma situação que se repete num intervalo temporal delimitado, sendo «o conjunto dessas repetições perspetivado como um evento único»1, como acontece em:

(1) «O João correu durante uma semana.»

(2) «Enquanto andou na escola, o João ia à biblioteca ao final do dia.»

O aspeto habitual descreve a situação como tendo tipicamente um padrão de repetição. Os tempos verbais são comummente o presente e o imperfeito do indicativo e os enunciados que descrevem uma situação como habitual admitem o uso de advérbio habitualmente (que não é compatível com as frases (1) e (2):

(3) «O João lê o jornal (habitualmente).»

(4) «O Manuel come sopa (habitualmente).»

Advérbios ou locuções adverbiais como «todos os di...

Pergunta:

Tenho uma pergunta em relação ao uso do particípio passado, quando este funciona como modificador da frase, por exemplo:

(0) Atropelada pelo carro, aquela mulher caiu ao chão.

A minha pergunta é se as seguintes 2 frases são ambas corretas ou não e porquê?

(1) Chegados a casa, os colegas começaram a ajudar a Ana a preparar a festa.

(2) Chegada a casa, os colegas começaram a ajudar a Ana a preparar a festa.

No caso de a frase (2) não estar correta, é porque o particípio passado do verbo ‘chegar’ só se pode modificar o sujeito da frase principal, neste caso, ‘os colegas’? Então, porque é que a outra frase (3) está correta?

(3) Conferidos por duas pessoas, não deve haver mais erros nos dados.

Na frase (3), ‘conferido’ modifica ‘os dados’ que não funcionam como sujeito na frase principal.

Aguardo pela resposta e agradeço imenso!

Resposta:

As orações subordinadas não finitas participais (doravante, orações participiais) seguem um conjunto de regras de concordância que importa rever para analisar as situações apresentadas pela consulente.

Para proceder a esta análise, deve considerar-se a frase ativa com a qual se relaciona a oração participial e o tipo de verbo presente na oração participial.

I. Orações participiais com verbos transitivos

A frase ativa em (1) relaciona-se com as orações participiais (2) e (3), mas não com a (4):

(1) «A rapariga ofereceu três livros.»

(2) «Oferecidos pela rapariga, os três livros foram catalogados.»

(3) «Oferecidos os três livros, a rapariga sentiu-se feliz.»

(4) «*Oferecida a rapariga, os três livros foram catalogados1

Na frase (1), «a rapariga» é sujeito e «três livros» complemento di...

Pergunta:

Poderíeis analisar, para mim, a seguinte construção?

«Eis quanto me liga ao mundo.»

 

Obrigado.

Resposta:

Eis é considerado tradicionalmente um advérbio com valor de designação. Todavia, Celso CunhaLindley Cintra afastam-se desta classificação ao incluí-lo entre as palavras denotativas, referido que há «certas palavras, por vezes enquadradas impropriamente entre os advérbios, [que] passaram a ter, com a Nomenclatura Gramatical Brasileira, classificação à parte, mas sem nome especial» (Nova Gramática do Português Contemporâneo. p. 548). Em consonância com esta posição, Bechara  refere que «a Nomenclatura Gramatical ...

Pergunta:

Tenho dúvida sobre o tipo de modalidade presente nos seguintes enunciados:

1. A cor da parede é bonita.

2. É inaceitável defender a escravatura.

É epistémica com valor de certeza ou apreciativa e porquê?

Muito obrigada pela vossa ajuda.

Resposta:

A primeira frase configura a modalidade epistémica com valor de certeza, e a segunda frase, a modalidade apreciativa.

A modalidade epistémica traduz o valor de certeza do falante relativamente ao seu enunciado1. Assim, a frase apresentada em (1) evidencia que o falante produz uma afirmação de cuja verdade está certo, pelo que a modalidade tem um valor de certeza:

(1) «A cor da parede é bonita.»

Esta frase poderia ter um valor de probabilidade se o locutor utilizasse, por exemplo, a locução «ser capaz de», que mostraria que ele não se compromete com a verdade da proposição:

(2) «A cor da parede é capaz de ser bonita.»

Por seu turno, a modalidade apreciativa incide sobre um enunciado tido como verdadeiro, sobre o qual o locutor emite um juízo de valor, positivo ou negativo, como acontece em (3):

(3) «Felizmente, está a chover.»

Nesta frase, o advérbio felizmente traduz a apreciação positiva do locutor relativamente à situação descrita em «estar a chover», que se apresenta como verdadeira.

Na frase apresentada pela consulente, o locutor exprime também o seu juízo de valor / a sua apreciação de rejeição de uma situação dada como verdadeira, «defender a escravatura»:

(4) «É inaceitável defender a escravatura.»

Disponha sempre!

 

1. Num co...