Carla Marques - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carla Marques
Carla Marques
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Doutorada em Língua Portuguesa (com uma dissertação na área do  estudo do texto argumentativo oral); investigadora do CELGA-ILTEC (grupo de trabalho "Discurso Académico e Práticas Discursivas"); autora de manuais escolares e de gramáticas escolares; formadora de professores; professora do ensino básico e secundário. Consultora permanente do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacada para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Qual é a frase correta em cada par?

1. a «Deu-se conta a quem deveria dar seu amor.»

    b. «Deu-se conta de a quem deveria dar seu amor.»

2. a. «Aprendeu como fazer a torta de limão.»

    b. «Aprendeu a como fazer a torta de limão.»

Resposta:

Com um complemento nominal, a locução «dar-se conta» rege a preposição de:

(1) «Ele deu-se conta do frio.»

Com complementos oracionais finitos, a locução «dar-se conta» pode construir-se com a preposição de, mas também admite a sua supressão:

(2) «Ele deu-se conta de que tinha de trabalhar.»

(3) «Ele deu-se conta [-] que tinha de trabalhar.»

Já o verbo aprender rege a preposição a quando construído com complementos oracionais:

(4) «Ele aprendeu a fazer este bolo.»

Neste âmbito das regências, as fases apresentadas pelo consulente levantam vários problemas. Um deles é o encontro da preposição com uma oração interrogativa preposicionada, como acontece em (5). Outro é o encontro entre a preposição e o advérbio interrogativo, em (6):

(5) «*Deu-se conta de a quem deveria dar seu amor.»

(6) «*Aprendeu a como fazer a torta de limão.»

Sendo a construção apresentada em (5) inaceitável, a solução será a de procurar construções de reformulação que evitam a situação assinalada acima, como as seguintes:

(7) «Compreendeu a quem deveria dar o seu amor.»

(8) «Deu-se conta de que deveria dar o seu amor àquela pessoa.»

No caso da frase com o verbo aprender, a solução poderá passar pela omissão da preposição (9) ou pela não utilização do advérbio como (10):

(9) «Aprendeu como fazer a torta de limão.»1

(10) «Aprendeu a fazer a torta de limão.»

Disponha sempre!

Pergunta:

Agradeceria muito se puderem explicar qual é a frase correta do conjunto abaixo;

«Nossa viagem depende se vai chover ou não.»

«Nossa viagem depende de se vai chover ou não.»

 

Resposta:

A opção correta é aquela em que o verbo rege a preposição de:

(1) «Nossa viagem depende de se vai chover ou não.»

O verbo depender rege a preposição de em construções em que significa «estar ligado» ou «estar na dependência de; envolver decisão ou resolução»1. Este último valor parece ser o que é mobilizado na frase apresentada.

Disponha sempre!

 

1. Cf. Celso Luft, Dicionário Prático de Regência Nominal. Editora Ática, p. 172.

Pergunta:

Li, num livro, que o futuro normalmente está ligado a uma suposição e não a uma certeza, estando associado, por conseguinte, a uma probabilidade. Porém, o futuro não pode ser utilizado para expressar certeza?

Consideremos o seguinte enunciado: (I) Ele irá conseguir. Neste caso, (I) expressa uma certeza ou uma suposição?

E, agora, consideremos um enunciado semelhante: (II) Ele vai conseguir. Em (II), expressa certeza ou suposição?

O que me responderam foi que o (I) expressa suposição e o (II) certeza, devido ao tempo utilizado. Porém, em (II), o presente não adquire valor de futuro?

Agradeço a vossa preciosa ajuda para decifrar os mistérios da nossa tão vetusta e opulenta língua.

Resposta:

Com efeito, o futuro pode estar associado à expressão da modalidade epistémica com valor de probabilidade. Tal deve-se ao facto de o futuro referir uma situação que ainda não teve lugar, pelo que não será certo que venha efetivamente a ocorrer.

O valor de futuro pode ser expresso pela construção perifrástica formada pelo auxiliar ir seguido de verbo no infinitivo, como acontece nas frases apresentadas pelo consulente1. Esta construção localiza a situação descrita num momento posterior ao momento de enunciação (ou a um tempo de referência).

O tempo em que se conjuga o auxiliar ir pode contribuir para diferentes leituras modais:

(i) uma leitura modal com valor de probabilidade forte, quando o auxiliar é conjugado no presente do indicativo:

    (1) «Ele vai conseguir.»

(ii) uma leitura modal com valor de incerteza, quando o auxiliar surge no futuro do indicativo:

    (2) «Ele irá conseguir.»

Disponha sempre!

 

1. Note-se que um verbo conjugado no futuro não está no mesmo plano de uma construção perifrástica com valor de futuridade, pois o auxiliar desta última poderá não estar flexionado no futuro. Neste último caso, falamos apenas de valores temporais.

Pergunta:

Numa frase como «Ela está doente com gripe», se bem entendo, «com gripe» é um complemento do adjetivo.

A minha questão é: será, então, o predicativo do sujeito apenas «doente» ou será «doente com gripe», incluindo-se assim o complemento do adjetivo?

Muito obrigado.

Resposta:

As funções de complemento do adjetivo e de modificador do adjetivo funcionam no interior do sintagma adjetival e não no plano do sintagma verbal. Por essa razão, na frase apresentada, o constituinte «doente com gripe» desempenha uma função como um sintagma relativamente ao verbo copulativo.

Neste caso, a função sintática é a de predicativo do sujeito, como refere o consulente.

Disponha sempre!

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