Carla Marques - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carla Marques
Carla Marques
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Doutorada em Língua Portuguesa (com uma dissertação na área do  estudo do texto argumentativo oral); investigadora do CELGA-ILTEC (grupo de trabalho "Discurso Académico e Práticas Discursivas"); autora de manuais escolares e de gramáticas escolares; formadora de professores; professora do ensino básico e secundário. Consultora permanente do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacada para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Quanto à consulta sobre «nós todos», respondida em 08/4/2022, não há algo de redundante no emprego do pronome todos na frase em questão («Nós todos somos seus fãs») e em outras semelhantes?

Não bastaria dizer «Nós somos seus fãs», estando implícita a ideia de totalidade no pronome pessoal?

Obrigado.

Resposta:

Tem o consulente toda a razão na observação que faz ao que se afirma nesta resposta.

Com efeito, aí não nos pronunciámos sobre o facto de o valor do quantificador todos ser algo redundante na frase, o que leva a que seja preferível a sua omissão, uma vez que a frase apresentada em (1) detém praticamente o mesmo valor da que se apresenta em (1a);

(1) «Nós somos seus fãs.»

(1a) «Nós somos todos seus fãs.»

O uso de todos na frase apenas se justificará em situações em que se pretende enfatizar a quantidade e a uniformidade perante uma dada situação.

Este mesmo aspeto é reiterado por Miguel e Raposo na Gramática do Português, quando afirmam «O uso explícito de todos é usualmente evitado por ser redundante e por tornar o enunciado pragmática e estilisticamente “pesado”, a menos que o falante queira enfatizar o aspeto quantitativo»1.

Disponha sempre!

 

1. Raposo et al., Gramática do Português. Fundação Calouste Gulbenkian, p. 825. 

Pergunta:

Tenho que indicar classe e subclasse das palavras da frase seguinte:

«Iriam decerto ordenar que este maldito bobo fosse metido a ferros na mais escura masmorra deste castelo!»

Surgiram as seguintes dúvidas:

«iriam»: verbo principal transitivo indireto?

«ordenar»: verbo?

«fosse»: verbo auxiliar da passiva?

«metido»: verbo principal no particípio?

«a»: preposição?

Obrigada.

Resposta:

Passamos a identificar a classe a subclasse das palavras indicadas:

·         iriam: trata-se de um verbo auxiliar que, ao juntar-se ao verbo principal, traduz um valor de futuro;

·         ordenar: verbo principal transitivo direto;

·         fosse: verbo auxiliar da passiva;

·         metido: verbo principal no particípio passado;

Pergunta:

Aliás, também e sobretudo são classificados como advérbios de quê?

Resposta:

As propostas de subclasses dos advérbios são algo flutuantes, pelo que poderemos encontrar propostas de subdivisão muito diferentes: desde as que se organizam por critérios sintáticos àquelas que mobilizam critérios semânticos.

Consideraremos aqui um critério semântico que está relacionado com as circunstâncias que os advérbios descrevem1.

Neste contexto, também poderá ser considerado um advérbio de inclusão numa frase como (1):

(1) «Ele escreveu também este livro.»

Por sua vez, aliás pode ser considerado um advérbio de retificação numa frase como (2):

(2) «Ele escreveu cinco, aliás seis livros.»

Por fim, sobretudo pode ser considerado um advérbio de intensidade em frases como (3):

(3) «Ele gosta sobretudo de romances.»

 

1. Cf. Bechara, Moderna Gramática Portuguesa. Ed. Lucerna, p. 244. Note-se que Bechara segue maioritariamente a Nomenclatura Gramatical Brasileira, mas propõe algumas subclasses que esta nomenclatura não considera, como os advérbios de inclusão, de exclusão, de situação, de retificação, de designação, de realce, de explicação e expletivo (cf. Id., ibid., 245-246).

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Assinalando os  48 anos do 25 de Abril em Portugal, a professora Carla Marques apresenta 48 palavras e expressões que caracterizam a língua na atualidade, porque a forma como se fala «como outros produtos humanos, não fica indiferente a esta ação do tempo e também ela é permeável às alterações e acompanha os novos tempos abrindo espaço a muitos fenómenos que a alteram, tanto no sentido positivo como no negativo.»

Pergunta:

Na frase «Elas eram tratadas como amigas», «amigas» pode ser considerado um adjetivo?

Resposta:

Na frase em questão, a classificação da palavra amigas é ambígua, sendo possíveis argumentos para a classificar como nome ou como adjetivo.

A frase aqui transcrita em (1) é uma frase passiva que inclui uma construção de predicação secundária que fica mais saliente quando se coloca a frase na forma ativa (2):

(1) «Elas eram tratadas como amigas.»

(2) «(X) tratava-as como amigas.»

Na frase (2), o constituinte «como amigas» desempenha a função sintática de predicativo do complemento direto incidindo sobre o complemento direto (função desempenhada pelo pronome as).  No interior deste constituinte, amigas pode ser visto como um nome, o que pode ser comprovado por comportamentos como:

(i) o facto de se poder considerar que amigas denota uma classe de indivíduos (denotação típica do nome);

(ii) a possibilidade de ser modificado por adjetivo, por oração subordinada adjetiva relativa ou por sintagma preposicional:

(2a) «(X) tratava-as como amigas íntimas.»

(2b) «(X) tratava-as como as amigas que todos gostariam de ter.»

(2c) «(X) tratava-as como amigas do coração.»

Não obstante, será também plausível considerar que amigas denota uma propriedade do pronome as, sendo, portanto, um adjetivo. Nesta interpretação, a palavra é, como muitos adjetivos, graduável, sendo compatível com um advérbio de grau:

(2d) «(X) tratava-as como muito amigas.»

Disponha sempre!