Carla Marques - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carla Marques
Carla Marques
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Doutorada em Língua Portuguesa (com uma dissertação na área do  estudo do texto argumentativo oral); investigadora do CELGA-ILTEC (grupo de trabalho "Discurso Académico e Práticas Discursivas"); autora de manuais escolares e de gramáticas escolares; formadora de professores; professora do ensino básico e secundário. Consultora permanente do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacada para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pela autora
«Pelos vistos» (II)
Uma expressão já dicionarizada

«Pelos  vistos» – certo ou errado? A dúvida foi manifestada pelo humorista português Ricardo Araújo Pereira no Programa Cujo Nome Estamos Legalmente Impedidos de Dizer do dia 12 de novembro de 2022, na SIC Notícias.

Pergunta:

Na oração «Em 2021, o uso desse tipo de remédio foi 31% maior que em 2018», a palavra maior é um adjetivo, está correto?

Mas o adjetivo caracteriza um substantivo, então qual é o substantivo que maior caracteriza? Seria «31%»? Então «31%» é um substantivo?

Todo número, em porcentagem ou não, vai ser um substantivo?

Resposta:

Na frase em questão, encontramos uma estrutura comparativa («31% maior que em 2018»), da qual fazem parte as palavras maior (que corresponde à junção do operador comparativo mais ao adjetivo grande) e 31% (um quantificador numeral percentual).

Relativamente aos quantificadores numerais percentuais, recorde-se que estes podem incidir sobre um nome, como acontece em (1):

(1) «Dez por cento dos alunos leram este livro.»

Não obstante, estes quantificadores também podem incidir sobre um adjetivo, como se verifica em (2)1:

(2) «Os livros ficaram dez por cento mais caros

Assim sendo, podemos concluir que os quantificadores numerais têm a possibilidade de incidir sobre um adjetivo, o que acontece na frase apresentada pelo consulente.

Disponha sempre!

 

1. Para mais informações, cf. Vicente in Raposo et al., Gramática do Português. Fundação Calouste Gulbenkian, pp. 940 – 942.

Pergunta:

Na frase «Elas compraram um terço perto da catedral», qual a classe de um: determinante ou quantificador?

Penso que o verbo comprar implica uma quantidade, logo na minha opinião será um quantificador cardinal. Contudo, deparei-me com um colega que afirma que é um determinante.

Gostaria de tirar esta dúvida.

Resposta:

Sem ter conhecimento do contexto, não poderemos classificar a palavra um, que tanto poderá pertencer à classe dos quantificadores numerais como à dos determinantes artigos indefinidos.

Sendo um artigo indefinido, um incide sobre o nome terço, gerando uma leitura de valor indefinido: trata-se de um terço qualquer, que não se identifica, nem particulariza.

Sendo um quantificador numeral, um incide sobre o nome terço e produz uma leitura de quantidade: a informação dada é relativa ao número de terços adquiridos pelo locutor.

Com conhecimento do contexto, será possível aplicar alguns testes que permitirão ajudar na classificação da palavra um1:

(i) sendo quantificador, é compatível com construções do tipo apresentado em (1), onde se conjugam dois quantificadores (um e dois):

(1) «Elas compraram um terço perto da catedral e eu comprei dois

Note-se que dois incide sobre o nome terços, o qual está elidido na frase.

(ii) sendo artigo indefinido, é compatível com o plural (os quantificadores não se pluralizam):

(2) «Elas compraram uns terços perto da catedral.»

(iii) no plural, o artigo indefinido pode coocorrer com um quantificador numeral antecedendo-o (não se colocam dois quantificadores seguidos):

(3) «Elas compraram uns cinco terços perto da catedral.»

Disponha sempre! 

 

Pergunta:

Nas frases «A banda desenhada é interessante de ler» e «O texto está bem escrito e fixe de ler», perguntava-vos se o emprego da preposição destacada é possível.

Obrigado.

Resposta:

A utilização da preposição de é possível nos casos que apresentaremos abaixo. Refira-se, todavia que a segunda frase tem um problema de estrutura, pelo que consideraremos a frase apresentada em (1):

(1) «O texto é fixe de ler.»

A construção em causa é uma construção particular que é equivalente a uma frase na qual o adjetivo interessante (ou fixe) seleciona uma oração completiva com função de sujeito:

(2) «É interessante ler a banda desenhada.»

(3) «É fixe ler este texto.»

Os adjetivos que se constroem com oração completiva também permitem uma construção como a que se apresenta em (4) e (5):

(4) «A banda desenhada é interessante de ler.»

(5) «Este texto é fixe de ler.»

Neste caso, estamos perante uma estrutura copulativa que tem como sujeito o sintagma nominal que constitui o complemento direto na oração completiva (em (2) e (3)). Nas frases (4) e (5), a oração completiva perde o seu complemento direto e é introduzida pela preposição de1.

Atentando agora na segunda frase apresentada pelo consulente, veremos que o seu problema é de natureza sintática. A estrutura «bem escrito e fixe» coordena um particípio verbal com um adjetivo com sintaxes distintas: o particípio escrito ocorre com o verbo estar; o adjetivo fixe ocorre preferencialmente com o verbo ser:

(6) «O livro está bem escrito.»

(7) «O livro é fixe.»

Disponha sempre!

 

Usos da vírgula
Com sujeito e com vocativo

Partindo da frase «Pedro abre a porta.», a professora Carla Marques esclarece o contexto em que poderá existir uma vírgula após Pedro (apontamento do programa Páginas de Português da Antena 2).