Carla Marques - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carla Marques
Carla Marques
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Doutorada em Língua Portuguesa (com uma dissertação na área do  estudo do texto argumentativo oral); investigadora do CELGA-ILTEC (grupo de trabalho "Discurso Académico e Práticas Discursivas"); autora de manuais escolares e de gramáticas escolares; formadora de professores; professora do ensino básico e secundário. Consultora permanente do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacada para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Na frase «queremos alcançar as metas o mais rapidamente que formos capazes», o vocábulo que pertence a que classe e subclasse?

Resposta:

Na frase em apreço, que é um pronome relativo.

A expressão em questão constitui o que Cunha e Cintra designam por superlativo intensivo1, uma construção que expressa os limites de uma dada possibilidade.

Esta construção forma-se com a locução adverbial «o mais» (ou «o menos»), que seleciona como complemento o adjetivo possível ou uma oração relativa de sentido equivalente2:

(1) «Ele veio o mais depressa possível.»

(2) «Ele veio o mais depressa que pôde.»

Esta mesma situação está presente na frase apresentada pela consulente, na qual a locução «o mais» seleciona como complemento a oração relativa «que formos capazes». Esta oração, por seu turno, é introduzida pelo pronome relativo que.

Disponha sempre!

 

1. Cunha e Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo. Ed. Sá da Costa, pp. 546-547.

2. Para mais informação, cf. Raposo in Raposo et al., Gramática do Português. Fundação Calouste Gulbenkian, pp. 1588-1590.

Pergunta:

Sabemos que o modo subjuntivo é usado com mais frequência acompanhado de algumas conjunções ou expressões impessoais. Mas ele também é o modo usado para indicar incerteza/possibilidade.

No caso a seguir, a frase indica incerteza/possibilidade, mas não há conjunção. Qual é a melhor forma de conjugar o verbo aguardar? «Aguardem» ou «aguardam»? O uso do subjuntivo, neste caso, é aceitável?

Não importa quais desafios nos aguardem, teremos força para enfrentá-los. / Não importa quais desafios nos aguardam, teremos força para enfrentá-los.

Resposta:

Ambos os modos são possíveis, embora o seu uso ative significações diferentes.

Antes de mais, diga-se que as frases apresentadas incluem uma oração interrogativa indireta: «quais desafios nos aguardem/ aguardem», que é introduzida pelo determinante interrogativo quais.

No interior desta oração, será possível recorrer a um tempo quer do modo indicativo quer do modo conjuntivo (subjuntivo), o que traduzirá uma intenção distinta.

Assim, poder-se-á optar pelo presente do modo indicativo, como em (1):

(1) «Não importa quais desafios nos aguardam, teremos força para enfrentá-los.»

Neste caso, o recurso ao presente do indicativo aponta para um valor de situação habitual, ou seja, descreve uma situação que acontece com regularidade, podendo também assumir um valor genérico ao descrever uma situação que engloba um conjunto de situações desta natureza.1

É possível também selecionar o presente do conjuntivo, como acontece em (2):

(2) «Não importa quais desafios nos aguardem, teremos força para enfrentá-los.»

Neste caso, o conjuntivo expressa um valor de localização da situação descrita num tempo posterior ao da oração subordinante, ou seja, referem-se os desafios que terão lugar no intervalo temporal posterior ao do momento de fala (daí o valor de possibilidade que o conjuntivo convoca).

Disponha sempre!

  

1. Para mais informação sobre os valores associados ao uso do presente do indicativo, consulte-se Oliveira in Raposo et al., Gramática do Português. Fundação Calouste Gulben...

Pergunta:

Na frase «Poucas pessoas me compreendem tão bem quanto tu», podemos substituir o quantificador existencial poucas, por outros quantificadores existenciais como várias, algumas, mantendo o mesmo sentido?

Obrigada.

Resposta:

Os quantificadores em questão não poderão ser considerados sinónimos, pelo que a sua presença na frase ativará significações distintas. Não obstante, em certos contextos, poderá acontecer que a significação associada a alguns destes quantificadores seja muito próxima.

A pertença de diferentes palavras a uma mesma classe / subclasse não equivale a uma relação de sinonímia. As palavras integram uma dada classe por partilharem um conjunto de comportamentos sintático-semânticos. Assim, poucas, várias e algum pertencem à classe dos quantificadores existenciais por se colocarem à esquerda de um nome associando-lhe um valor de quantificação, sem remeter para a totalidade de um conjunto ou referindo uma quantidade não precisa.

Este valor de quantificação difusa será particular em função dos valores semânticos de cada um dos quantificadores em questão. Estes valores são explicitados pelos dicionários1:

(i) algum: “um certo número de algo; us. para designar indivíduo, lugar ou coisa desconhecida ou indeterminada; um algum grau: um tanto, nem muito nem pouco”;

(ii) pouco: “pequena quantidade”

(iii) vários: “diversos, alguns, muitos, numerosos”

Apesar desta especificação de sentidos, em contexto, os valores expressos por estes quantificadores poderão ser muito próximos. Consideremos a frase apresentada pela consulente, aqui transcrita em (1):

(1) «Poucas pessoas me compreendem tão bem quanto tu.»

Por um lado, o valor do quantificador poderá corresponder à noção de “um pequeno número de pessoas” e, nesse caso, poucas poderia ser substituído por algumas, usado com o mesmo sentido. Por outro lado, o seu valor po...

Pergunta:

Na frase «as explicações sobre as escolhas dos textos podem ser encontradas no prefácio do livro», a modalidade associada é epistémica com valor de possibilidade ou de certeza?

Obrigada.

Resposta:

Se a frase tiver sido extraída de uma publicação na qual se dá indicações sobre o local onde encontrar determinadas informações, a modalidade veiculada é a epistémica com valor de possibilidade.

Neste caso, o locutor usa o verbo poder para indicar que se o interlocutor estiver interessado sobre as explicações, elas localizam-se no prefácio. O locutor não sabe se o interlocutor irá ou não a esse local, o que gera a modalização epistémica com valor de possibilidade.

Disponha sempre.

Pergunta:

Perguntava-vos se entre as frases abaixo existem diferenças de sentido:

«Aquele trabalho era bem mal pago.»

«Aquele trabalho era muito mal pago.»

Obrigado.

Resposta:

As duas frases apresentadas são equivalentes, apresentando ambas usos corretos.

O problema que está na base da questão apresentada prender-se-á com o facto de bem surgir num espaço onde normalmente surge o advérbio muito.

Relativamente ao advérbio bem, poderemos verificar que pode ser usado com um valor de modo:

(1) «Ele trabalhou bem.»

Bem pode também incidir sobre um adjetivo, situação em que comuta com o advérbio muito. Em muitos destes casos, bem será um advérbio de quantidade e grau1:

(2) «Isto é bem interessante.» (= «Isto é muito interessante.»)

Neste caso, o advérbio bem expressa um valor de intensidade.

A frase apresentada pelo consulente apresenta um caso em que bem funciona como advérbio de quantidade e grau. Daí ser equivalente a muito:

(3) «Aquele trabalho era bem mal pago.» (= «Aquele trabalho era muito mal pago.»)

Neste caso particular, o advérbio bem incide sobre o sintagma adjetival «mal pago» e exprime um grau elevado da propriedade denotada por esse sintagma.

Disponha sempre.

 

1. Para mais informações, leia-se também esta resposta de Carlos Rocha.