Brígida Trindade - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Brígida Trindade
Brígida Trindade
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Professora portuguesa, licenciada em Línguas e Literaturas Modernas pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, é professora de português no ensino básico e professora cooperante da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Foi investigadora do ILTEC (1990-1997).

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Na frase «A avó deixava o neto mergulhar.», que função sintática desempenha o grupo nominal o neto, complemento direto da forma verbal "deixava" ou sujeito da forma verbal "mergulhar"?

Resposta:

O verbo deixar pertence ao grupo dos verbos causativos, os quais podem selecionar orações completivas como a que exibe a frase em apreço:

A avó deixava o neto mergulhar ou A avó mandou o neto tomar o xarope.

As construções sintáticas com recurso a verbos causativos apresentam duas  propriedades:

1. Complemento de infinitivo não flexionado;

2. O sujeito do domínio infinitivo é substituível por um pronome na forma acusativa e não na forma nominativa.

Vejamos:

a) A Avó deixava-[o mergulhar.]  vs  *A avó deixava [ele mergulhar.]

b) A avó mandou-[o tomar o xarope.]  vs  *A avó mandou [ele tomar o xarope.]

A segunda propriedade levou a que a construção tenha recebido a designação de infinitivo com sujeito acusativo ou, no quadro da Gramática Generativa, construção de marcação de caso excecional.

As características dos verbos causativos são comuns aos verbos percetivos, como:

c) O professou ouviu o João ameaçar a colega.

d) A Ana viu o ladrão fugir.

Pergunta:

A preposição que é regida pelo verbo acontecer seria "a" ou "com"?

Existe alguma diferença ou somente depende da formalidade da situação? Ex: Isso aconteceu a/com ela.

Obrigado.

Resposta:

1. O verbo acontecer é um verbo transitivo indireto que pode ser regido pela preposição a e pela preposição com, como em a) e b).

a) «Esta situação aconteceu ao Pedro.»

b) «Esta situação aconteceu com o Pedro.»

Cabe, no entanto, esclarecer o seguinte:

Em a), o constituinte ao Pedro é o complemento indireto, a prova disso é o resultado da aplicação do teste sintático da pronominalização:

a) «Esta situação aconteceu ao Pedro / Esta situação aconteceu-lhe.»

Em b), o constituinte com o Pedro é o complemento oblíquo:

b) «Esta situação aconteceu com o Pedro / Esta situação aconteceu com ele

 

2. Relativamente à segunda questão, a frase Isto aconteceu a ela é agramatical (errada) em português europeu. A forma correta é «Isto aconteceu-lhe», como ficou demonstrado em a). No entanto, a construção é possível em português do Brasil.

Pergunta:

Podemos considerar que em «Não me esqueço de que me ofereceste os Contos de Eça de Queirós» existe uma oração subordinada substantiva completiva?

Mais uma questão: em vez de «contou-nos as suas histórias», posso dizer «contou-no-las»?

Resposta:

1. A frase em análise apresenta inequivocamente uma oração subordinada substantiva completiva: de que me ofereceste os Contos de Eça de Queirós.

Após a aplicação do teste sintático com recurso ao pronome isso, obtemos:

«Não me esqueço disso (de que me ofereceste os Contos de Eça de Queirós).»

As orações subordinadas substantivas completivas desempenham função sintática. Na frase em apreço, a oração completiva desempenha a função de complemento oblíquo exigido pelo verbo esquecer-se que é regido pela preposição de.

 

2. Ambas as construções são possíveis e perfeitamente equivalentes.

O verbo contar é transitivo direto e indireto, seleciona complemento direto e complemento indireto.

Assim, pode dizer-se:

a) «Ele contou-nos (a nós) as suas histórias (sem pronominalizar o complemento direto).»

e

b) «Ele contou-no-las (com pronominalização do complemento indireto e do complemento direto).»

Pergunta:

Gostaria de saber se a expressão «no que tange» requer a preposição a. Eu imagino que não, pois tanger é transitivo direto, mas sempre encontro a forma «no que tange a».

Obrigado!

Resposta:

Na língua existem várias expressões denominadas articuladores do discurso. Uma delas é a expressão «No que [x] a...).A questão que coloca exibe essa expressão com recurso ao verbo tanger.

Assim, a expressão correta  é «No que tange a ...». Esta expressão  é equivalente à expressão «No que diz respeito a...»; « No que toca a ...»; « No que se refere a...».

No Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, pode ler-se: «Interessa-se por tudo o que tange à condição humana dos cidadãos» (<=> Interessa-se por tudo o diz respeito à condição humana dos cidadãos/ Interessa-se por tudo o que lhe diz respeito).

O verbo tanger, como tantos outros, tem várias aceções, o que faz com que, dentro da tipologia verbal, pertença a diferentes classes. O verbo  tanger é um verbo  transitivo direto, quando significa tocar, atingir, roçar, como em  «O arranha-céus parece tanger as nuvens», em que o constituinte  as nuvens é o complemento direto (O arranha-céus parece tangê-las). No entanto, os verbos quando introduzidos na expressão «No que [x] a... » passam a ser regidos pela preposição a, que introduz um complemento indireto.

Pergunta:

Qual destas frases é a correta ?

1. «Ele é chamado Renato.»

2. "Ele é chamado de Renato.»

 3. «Essa doença denomina-se câncer.»

4. «Essa doença denomina-se de câncer.»

 Resumindo: com ou sem a preposição "de" ?

Resposta:

Os verbos chamar e denominar são ambos transitivos diretos:

a) «Eu chamei o João

b) «Eu denominei a minha obra.» 

Estes verbos podem, ainda, ser transitivos predicativos em:

a) «Eu chamei-o santo

b) «Eu denominei-o meu assistente.»

No entanto, nas construções que o consulente apresenta, «Ele é chamado Renato» (estrutura passiva) – equivalente a «Ele chama-se Renato» – e «Esta doença denomina-se câncer», os verbos chamar e denominar são pronominais chamar-se» e «denominar-se»). Por essa razão, comportam-se como verbos  copulativos. 

Assim, em « Ele chama-se Renato» e em «Esta doença denomina-se câncer»  os constituintes Renato e câncer são predicativos do sujeito.

Face à exposição, a redação correta é sem preposição.