Brígida Trindade - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Brígida Trindade
Brígida Trindade
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Professora portuguesa, licenciada em Línguas e Literaturas Modernas pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, é professora de português no ensino básico e professora cooperante da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Foi investigadora do ILTEC (1990-1997).

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Tenho sempre dúvida na utilização de vírgulas e o caso aqui é referente à virgula depois das conjunções e e mas.

Abaixo deixo alguns exemplos de frases que selecionei e que queria  ajuda  para entender se estão certas, ou não, e o porquê.

1 – «Nada prejudica mais uma apresentação do que o nervosismo. E, quando isso acontece, a melhor maneira é respirar fundo e confiar em si mesmo.»

2 – «Eu pediria que voltasse a ser quem era e recordasse tudo o que vivemos. Mas, mesmo assim, se isso não for possível, esqueça tudo o que passamos.»

3 –  «Ontem, Maria me contou uma história de amor inesquecível que ela viveu há alguns anos. Então penso comigo. E, se essa história de amor for realmente verdade, será que um dia poderei vivê-la?» (Aqui não vejo necessidade de vírgula antes de e. É errado numa oração ter vírgula depois de se ou caso?)

4 – «Podes ter imaginado um caminho incrível rumo a um destino excepcional. Mas, para levar as pessoas até lá, é necessário que faças a viagem parecer atraente.»

Nos exemplos acima, e e mas estão no início da oração. Sei que não é errado fazer isso, pois envolve uma questão de estilística, mas sei também que nesses casos eles poderiam estar em uma oração só. De qualquer forma, gostaria de saber se essas conjunções, exatamente do jeito que estão, têm a vírgula depois delas mal colocada.

Obrigado.

Resposta:

 O uso1 da vírgula pode ser obrigatório ou estilístico.

 Além do muito que há no Ciberdúvidas sobre a pontuação em geral e a vírgula em particular – vide Textos Relacionados, ao lado –, vamos cingir-nos ao uso correto da vírgula nos contextos frásicos apresentados na pergunta.

 Uma das questões principais no estudo e aquisição de uma língua é a ordem de palavras. A ordem canónica do português é SVO2 (M)

 Vejamos a ordem canónica dos constituintes da frase (i).

 i. A AnaSujeito foiverbo a Lisboaobjeto ontem

Pergunta:

Sou uma estudante de português na Argentina. Eu tinha a ideia que o CD de pessoa em português não leva a preposição a. Em espanhol, leva a. Mas ontem li um artigo no jornal que dizia "conhecer a uma pessoa". Então, a pergunta é: existe alguma diferença em português, entre "conhecer a uma pessoa" e "conhecer alguém" ? Obrigada.

Resposta:

A expressão «conhecer a uma pessoa» não é possível. A alternativa é «conhecer uma pessoa» ou «conhecer alguém». Relativamente à segunda questão, há casos específicos na sintaxe da língua portuguesa que admitem a preposição a a reger complemento direto. Referimo-nos ao complemento direto preposicionado. Evanildo Bechara, na Moderna Gramática Portuguesa, 37.ª edição, pp. 343-344, escreve sobre este complemento. O gramático dá exemplos, apresentando as regras em que o complemento é utilizado:

«a) quando se trata de pronome oblíquo tónico, (uso hoje obrigatório):

"Nem ele entende a nós, nem nós a ele."

b) quando, principalmente nos verbos que exprimem sentimentos ou manifestações de sentimento, se deseja encarecer a pessoa ou ser personificado a quem a ação verbal se dirige ou favorece:

"Amar a Deus sobre todas as coisas."

"Consolou aos amigos." 

c) quando se deseja evitar confusão de sentido, principalmente quando ocorre:

1. Inversão (o objeto direto vem antes do sujeito)

"A Abel matou Caim"

2. comparação:

Pergunta:

Fiz aqui uma pesquisa e, apesar de este tema ser abordado amiúde, não consegui encontrar um esclarecimento cabal para a minha dúvida.

Na frase "há vários interessados em ser transferidos" o auxiliar 'ser' deve ou não ser flexionado?

Grata desde já.

Resposta:

Segundo M. H. Mateus, at ali. em Gramática da Língua Portuguesa, as orações completivas não finitas, selecionadas por verbos, nomes ou adjetivos, apresentam o verbo no infinitivo, flexionado ou não flexionado. 

Vejam-se os exemplos de completivas não finitas selecionadas por verbos (1), por nomes (2) e por adjetivos (3):

(1)

a) O João lamenta [os pedreiros não terem concluído a obra].

b) Os pedreiros lamentam [não ter concluído a obra].

(2)

a) Foi uma surpresa [elas terem chegado ontem a Budapeste].

 b) Elas têm sempre medo de [perder o avião].

(3)

a) É difícil [recebermos a informação a tempo].

b) Os contribuintes estão ansiosos por [receber a informação a tempo].

Na frase «Há vários interessados em [ser transferidos]», ser transferidos é uma oração completiva não finita selecionada pelo adjetivo interessado, logo o auxiliar ser tem de estar no infinitivo, flexionado ou não flexionado:

«Há vários interessados em [ser transferidos].» ou «Há vários interessad...

Pergunta:

Na frase «Aos primeiros raios de sol, saí de casa», «primeiros» é um adjetivo numeral ou qualificativo?

Obrigado.

Resposta:

      Os adjetivos numerais pertencem à classe tradicional dos numerais ordinais, expressam a ordem ou a sucessão. Os adjetivos numerais ocorrem geralmente em posição pré-nominal antecedidos de artigos ou demonstrativos e eventualmente de possessivos. (cf. Dicionário terminológico). Os adjetivos numerais não têm variação em grau (exceto primeiro (primeiríssimo)).

      Os adjetivos qualificativos atribuem uma determinada característica ao nome que acompanham. Geralmente, ocorrem em posição pós-nominal e variam em grau (embora haja muitos que não variam e/ou que ocorrem também em posição pré-nominal, provocando ou não alteração de interpretação).

      Na frase em apreço, primeiros é um adjetivo numeral. No entanto, e atendendo à interpretação da frase, não existem segundos raios de sol, mas a frase «Terminei o meu romance aos últimos raios de sol» é possível.

      Assim, apesar da estrutura aos primeiros raios de sol equivaler semanticamente a amanhecerprimeiros não poderá ser considerado um adjetivo qualificativo¹.


1Para uma definição mais criteriosa dos adjetivos qualificativos, veja-se Gramática do Português, Cap.27, «Modificação adjetival» – adjetivos qualificativos, Fundação Calouste Gulbenkian, p. 1087

Pergunta:

Num manual do 9.º ano de escolaridade, a oração «onde nos vimos pela primeira vez» na frase «Fui jantar com o Pedro ao restaurante onde nos vimos pela primeira vez.» surge classificada como oração substantiva relativa, desempenhando a função sintática de modificador do grupo verbal. Contudo, a oração em análise não é uma oração subordinada adjetiva relativa restritiva (com função sintática de modificador restritivo do nome)?

Resposta:

Sim, a análise da consulente está correta. Na frase «Fui jantar com o Pedro ao restaurante onde nos vimos pela primeira vez», a oração «onde nos vimos pela primeira vez» é uma oração subordinada adjetiva relativa restritiva, cuja função sintática é modificador restritivo do nome. Todas as orações subordinadas adjetivas relativas são modificadores do nome ao qual se referem. Nesta frase, a oração relativa é introduzida pelo advérbio relativo onde.

Por outro lado, existem também orações subordinadas substantivas relativas sem antecedente, introduzidas pelos advérbios relativos onde e como:

a)      O João escreve os seus romances onde lhe apetece.

b)      Ele estuda como lhe dá mais jeito.

Ambas as orações subordinadas («onde lhe apetece», em a) e «como lhe dá mais jeito», em b)) são introduzidas por um advérbio relativo sem antecedente; isto é, a expressão lexical a que estão associados (a qual deve ocorrer à esquerda da palavra relativa, permitindo identificar a entidade a que se refere) está ausente. A oração substantiva relativa sem antecedente pode desempenhar várias funções sintáticas¹.

Na frase a), a oração «onde lhe apetece» e na frase b), a oração «onde lhe dá mais jeito» desempenham a função sintática de modificador do grupo verbal da subordinante («O João escreve os seus romances» em a) e «Ele estuda» em b)).

Assim, temos uma oração subordinada adjetiva relativa restritiva em 1.

1.       ...