Bárbara Nadais Gama - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Bárbara Nadais Gama
Bárbara Nadais Gama
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Licenciada em Ensino de Português Língua Estrangeira, mestre em Português Língua Segunda/Língua Estrangeira pela Universidade do Porto e doutoranda em Didática de Línguas. Foi professora de Português no curso de Direito da Universidade Nacional Timor Lorosae- UNTL, no ano letivo de 2011-2012.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Por que razão o verbo latino dispendere deu origem, em português, a despender em vez de "dispender"? Parece-me que quase todos os verbos portugueses derivados dos seus correspondentes latinos começados por dis- resultaram em verbos também eles começados por essa mesma forma.

Resposta:

Despender vem efetivamente do latim dispendere, mas com alteração fonética de dis- em des-, a qual se fixou na norma (cf. Gonçalves, Rebelo, Tratado de Ortografia da Língua Portuguesa, 1947, p. 108, n. 3). Todavia, regista-se o substantivo dispêndio, que mantém sem alteração fonética apreciável o prefixo dis- da forma latina donde provém, dispendium (cf. idem e Dicionário Eletrônico Houaiss).

Pergunta:

Qual a razão para o topónimo Seul ser grafado com s, se a letra seguinte é um e. Não deveria ser "Ceul"?

Resposta:

Para representar o som [s] (sibilante surda) e antes de e ou i, podem ocorrer os grafemas s (seco, simples), ss (ssego, ssimo), c (cento, recinto) ou x (trouxe, ximo). O uso de cada um destes grafemas não obedece a regras, isto é, não é previsível, antes dependendo de razões históricas.

Tal é o caso do topónimo Seul, que se escreve com s inicial, em harmonia com todas as outras línguas que usam a escrita latina (cf. espanhol Seúl, francês Séoul e inglês Seoul).

Razões históricas determinam que, junto de e ou i, o s surja em palavras como ânsia, ascensão, seda, Seia, Singapura, Sintra, mas que seja o grafema c a representar a mesma fonia em palavras como alicerce, cebola, cereal, cetim, Cinfães, Escócia. Quando e...

Pergunta:

Gostaria de saber a origem da palavra picar, como em «picada de cobra» ou «o pernilongo me picou».

Resposta:

De acordo com o Dicionário Eletrônico Houaiss, picar é um vocábulo «de criação expressiva, formado a partir de uma base onomatopaica pic- (ou picc-) "golpe" + -ar; como se trata de uma palavra espalhada por quase todas as línguas românicas (exceto o romeno), crê-se que a sua formação expressiva deve remontar ao latim vulgar [...]; da ideia de "golpear" passou-se à de "ferir"». Sendo assim, também nos exemplos a que o consulente se refere, «picada de cobra» e «o pernilongo me picou», o verbo picar ocorre na aceção de «ferir», «morder».

Pergunta:

Gostaria de saber a origem do sobrenome Dantas.

Resposta:

No Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, de José Pedro Machado, regista-se que Dantas é um apelido (ou seja, um sobrenome) que resulta da contração da preposição de com o nome de lugar (topónimo) Antas e que tem atestações desde meados do século XIII.  Em relação a Antas, o mesmo dicionário diz tratar-se de um topónimo também usado como alcunha e depois como apelido, com origem no substantivo comum anta, termo que se aplica a um monumento pré-histórico também conhecido como dólmen (ver imagem à esquerda: anta ou dólmen da Orca, Carregal do Sal, Viseu, Portugal).

Pergunta:

O Mostrengo, de Fernando Pessoa (Obra: Mensagem), pode ler-se:

«À roda da nau voou três vezes

voou três vezes a chiar»

(est. 1, vv.3-4).

Podemos considerar que existe uma anáfora, apesar de não começar no início do verso? Se não, que recurso expressivo podemos considerar?

Resposta:

O recurso expressivo mais adequado para o exemplo literário que o consulente apresenta é a anadiplose. Conforme respostas anteriores sobre figuras de estilo, este recurso traduz-se pela «repetição da última palavra ou frase de período ou verso, no começo do período do verso seguinte». É o que acontece nos versos em questão.