Nem a contribuição extraordinária de 200 mil euros que o Estado português fez ao Instituto Internacional da Língua Portuguesa (IILP), no início do ano, foi suficiente para resolver a situação financeira «grave» do organismo pertencente à Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) e que tem como objetivo «a promoção, a defesa, o enriquecimento e a difusão» do português no Mundo.
Segundo apurou o JN junto do diretor-executivo, Incanha Intumbo, Portugal é mesmo o único país com as contas em dia. «Temos alertado os Estados para a necessidade de saldarem as dívidas», explicou o dirigente guineense a partir da cidade da Praia, sede da IILP, em Cabo Verde. Apesar de o atual diretor se mostrar esperançado, a verdade é que os problemas de financiamento do IILP são crónicos, havendo casos de países que “nunca pagaram qualquer contribuição”.
Historicamente, Portugal e o Brasil sempre foram os principais contribuintes líquidos, embora fossem frequentes os atrasos no pagamento por parte do país sul-americano. A situação financeira deteriorou-se bastante com a eleição de Jair Bolsonaro, que cortou as verbas para o IILP, alegando suspeitas de irregularidades nas contas. As verbas em atraso só serão desbloqueadas pelo Estado brasileiro depois de serem validadas pelo Tribunal de Contas de Cabo Verde, o que ainda não aconteceu. Diferente é a situação cabo-verdiana. Apesar de também não ter as contribuições em dia, tem assumido custos com o organismo sediado no seu território, através de obras de beneficiação no edifício do IILP.
As dívidas totais dos oito países devedores ascendem já aos 600 mil euros, valor que representa o dobro do orçamento anual do IILP.
«Temos funcionado sobretudo com as contribuições acumuladas dos anos anteriores», explica o diretor-executivo. Apesar das dificuldades, a instituição «não tem dívidas», garante: «Preferimos ter cautela. Quando sentimos que podemos entrar em défice, não avançamos».
As quotizações pedidas aos membros da CPLP variam de acordo com a dimensão, mas «nenhum país paga mais de 100 mil euros», garante o diretor, que confessa não compreender as dificuldades de financiamento: «Trezentos mil euros num universo de 280 milhões de falantes é uma gota de água».
O JN contactou a CPLP e a Secretaria de Estado da Educação – o departamento governamental português [com tutela dos assuntos relacionados com o] IILP responde – para que [o seu responsável, João Costa] comentassem estas dificuldades orçamentais, mas, até à hora de fecho da edição, não nos foi possível obter qualquer reação por parte de ambos os organismos.
Protocolos são solução
A presidente do Conselho Científico do IILP, Margarita Correia, admite que a falta de verbas é um óbice ao funcionamento, mas não impede o incremento de atividades. Tudo porque «têm sido estabelecidos nos últimos anos vários protocolos» com associações de Portugal, Moçambique, Brasil ou Angola, explica.
No entanto, a mesma responsável reconhece que o dinamismo seria outro caso todos os países cumprissem com as suas obrigações. «Teríamos condições de fazer muito mais», reforça a diretora do Conselho Científico, que destaca o contributo dado pelo IILP para a criação de um vocabulário ortográfico comum em quase todos os países da CPLP.
Português ainda é miragem na Guiné Equatorial
Membro da CPLP desde 2014, a Guiné Equatorial assumiu compromissos (da abolição à pena de morte ao ensino da língua portuguesa) que continuam sem ser cumpridos. Isso mesmo pôde observar uma delegação portuguesa que se deslocou a este país em junho.
Para o diretor-executivo da IILP a ausência de avanços deveu-se «a um mal-entendido»: «Deviam ter criado uma comissão nacional da IILP, mas por lapso criaram uma da CPLP», sustenta, acreditando que «em breve» deverá haverá novidades». O Instituto Camões (IC) está representado no território através de uma professora que leciona Português a funcionários do Governo e da embaixada. «Não há o domínio de Português que devia haver, mas estão a ser dados passos», afirmou ao JN o presidente-executivo do IC, Luís Faro Ramos. A situação é de tal forma gritante que nem sequer o portal oficial da Guiné Equatorial ostenta qualquer conteúdo em português, apesar de ser um dos idiomas oficiais do país, a par do francês e do espanhol. «Predispusemo-nos a a fazer esse trabalho [além de uma proposta apresentada visando a introdução gradual do ensino do português na Guiné Equatorial]. mas nem uma resposta obtivemos até hoje – do Instituto Camões à CPLP e à própria Embaixada da Guiné Equatorial», lamenta José Mário Costa, responsável editorial do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa.
Noticia do Jornal de Notícias do dia 31 de dezembro de 2019.