Valeu tudo: tratar um sujeito como predicado, usar um "ç" em vez de dois "s", inventar palavras. O Gabinete de Avaliação Educacional (GAVE) do Ministério da Educação deu ordens para que nas primeiras partes das provas de aferição de Língua Portuguesa do 4.º e 6.º anos, os erros de construção gráfica, grafia ou de uso de convenções gráficas não fossem considerados. E valeu tudo menos saber escrever em português. Isso não deu pontos.
Os exemplos não faltam. As explicações também não, apesar de nenhuma chegar do ministério. "Pensamos que a ideia do GAVE é que se avalie as competências de leitura e as competências de escrita em separado - e que, na primeira parte, de análise do texto, se avalie apenas se os alunos o compreenderam", diz Paulo Feytor Pinto, da Associação de Professores de Português.
"Mas estranhamos todos que seja assim", acrescenta. É que "às tantas não sabemos se o aluno de facto compreendeu o texto mas não se sabe exprimir, ou se se sabe exprimir mas não compreendeu o texto".
Arminda Bragança, professora de Inglês/Alemão e dirigente da Federação Nacional dos Sindicatos da Educação (FNE), vai mais longe: "Estamos a tratar da língua materna e é sabido que nós, os portugueses, temos um grande problema com ela." Por isso, diz, "há que acertar os objectivos do investimento na promoção da aprendizagem da língua portuguesa." Ou se investe, ou não.
É que, para Arminda Bragança, "o Ministério da Educação tem feito um esforço grande nesse sentido, mas parece que há aqui critérios contraditórios com o objectivo de investir na nossa língua". Se o aluno não consegue exprimir o que entende, pergunta, devemos ficar satisfeitos? "O que queremos é que os alunos saibam escrever e falar melhor português, não é?"
A intenção é que conta?
"A intenção que está detrás disto é a de avaliar se os alunos são capazes de interpretar e dar conta do que interpretaram sem que sejam penalizados por dar erros. Só na composição é que a sua capacidade de escrita é avaliada", resume Ana de Sousa, professora de português. Faz sentido? "Faz, percebemos a intenção de avaliar as competências separadamente, mas sentimo-nos traídos." Porquê? "Passamos um ano a exigir ao alunos respostas completas, bem construídas e sem erros e depois chegamos ao exame e acontece isto."
Mais: "Fica-se sujeito a que os professores que entendam as respostas as pontuem e os que não as entendam não as pontuem." Faz sentido, repete. "Mas custa-me aceitar." Até porque, acrescenta, "como é que se sabe que um aluno compreende o que leu se a resposta tem uma construção frásica que a torna incompreensível?"
Escolha múltipla é solução
Este sistema de avaliação não deverá ser o sistema "ideal" de avaliação, diz Paulo Feytor Pinto. Para a Associação de Professores de Português, a solução para este problema chama-se "escolha múltipla". Com ela, "são avaliadas só as competências de leitura e não também as de escrita". Para o professor, "mecanismos que permitam distinguir as capacidades de leitura e de escrita são os ideais".
O DN contactou o Ministério da Educação para obter um esclarecimento sobre a matéria, mas não teve qualquer resposta até à hora de fecho desta edição.
*Diário de Notícias, 29 de Mario de 2007