« (...) Poder-se-ia pensar que entre os países de língua portuguesa a circulação de livros e bens culturais estaria muito facilitada pelo facto de pertencermos à Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), cujo principal elo de ligação é a língua. Pareceria até evidente que assim fosse. Mas não é. (...)»
De acordo com a Publishers Association, em 2016 o Reino Unido publicava 16% dos artigos académicos mais citados e possuía 10% de todas as editoras académicas do mundo; constituía o maior produtor mundial de livros e revistas académicas, com 17% do total (seguido pelos EUA, com 16%). Algumas destas editoras detêm também os índices bibliométricos mais reconhecidos no mundo académico, retroalimentando-se assim, e levando a que a ciência produzida no resto do mundo contribua para esta supremacia e para a riqueza do país.
Compro frequentemente livros académicos produzidos por empresas britânicas. Até ao Brexit, a sua aquisição era pacífica e compensadora; há umas semanas, porém, ao tentar comprar dois livros, percebi que iria gastar mais 50% do seu valor em taxas e portes. Este fim de semana fiz nova incursão em sítios britânicos e verifiquei que a maioria oferece grandes descontos e ofertas, facto nunca visto até agora. Efeitos do Brexit? Fico curiosa.
Poder-se-ia pensar que entre os países de língua portuguesa a circulação de livros e bens culturais estaria muito facilitada pelo facto de pertencermos à Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), cujo principal elo de ligação é a língua. Pareceria até evidente que assim fosse. Mas não é.
Comprar livros brasileiros em Portugal é um pequeno inferno. Mesmo contornando a absurdez de ser obrigatório possuir CPF (Cadastro de Pessoa Física) brasileiro para fazer compras online naquele país, esbarramos geralmente na alfândega portuguesa, onde os livros ficam retidos temporária ou permanentemente, dependendo do sucesso da comunicação com o destinatário e da vontade deste de pagar as (absurdas?) taxas alfandegárias. Imagino que comprar livros portugueses no Brasil tampouco seja tarefa fácil. Nos restantes países da CPLP, com diferentes níveis de desenvolvimento e poder de compra, a situação é ainda mais espinhosa. Em alguns deles, mesmo o acesso a livros escolares é um luxo e um privilégio reservado a muito poucos.
Por muito que a digitalização tenha tomado conta das nossas vidas e seja efetivamente uma alternativa à impressão de livros e revistas, a verdade é que, por si só, ela não supre as necessidades educativas e culturais das nossas sociedades. Não só a publicação de acesso aberto em português tem um longo caminho a percorrer, como para aceder a publicações digitais é preciso ter, além de equipamento e ligação, eletricidade, bem básico para muitos mas escasso em algumas regiões. A leitura em suporte impresso é, e continuará a ser, fundamental para a formação de cidadãos, i. e., indivíduos pertencentes a Estados livres, com direitos e obrigações civis e políticas. E, no entanto, a produção e livre circulação de livros na CPLP estão longe de ser realidade. Como o desenvolvimento, em países como Brasil e Portugal, é hoje progressivamente mais acelerado, o fosso entre países pobres e ricos da CPLP não cessará de crescer. Será isso o que queremos?
Por que não criar uma CCLP, Comunidade de Cidadãos de Língua Portuguesa, onde todos os países possam produzir e/ou ter acesso a livros e bens culturais? Por que não um espaço de livre circulação de conhecimento e cultura?
Será assim tão difícil? Será uma utopia? Será um sonho?
Será. Mas é também condição sine qua non para a construção da CPLP, que ambicionamos, mais desenvolvida, igualitária, democrática e credível. E está ao nosso alcance.
Artigo da autora publicado no Diário de Notícias em 15 de março de 2021.