«(...) A linguagem de cariz literário é reflexo do desenvolvimento pleno de todas as possibilidades linguísticas, representando a total funcionalidade da linguagem. (...)»
O linguista romeno Eugenio Coseriu [1921-2002] acreditava firmemente que, dentre as diferentes linguagens (literária, corrente, científica, etc.), a literária era «a linguagem por excelência».
Mas por quê? O que significa isso na prática?
Significa que a linguagem de cariz literário é reflexo do desenvolvimento pleno de todas as possibilidades linguísticas, representando a total funcionalidade da linguagem, devido à sua natureza extremamente expressiva para as produções de sentido. Essa é uma visão do próprio linguista.
Há, portanto, segundo se deduz logicamente da sua visão, uma espécie de gradação de potencial expressivo, ou seja, de possibilidades de produção de sentido entre os diferentes usos da língua, de modo que as linguagens científica, jornalística, corrente estariam "aquém" da literária.
Importante: isso não significa que ele considerasse que a linguagem não literária fosse ruim ou descartável nos estudos da linguística textual, por exemplo. Longe disso!
Parafraseando Coseriu, uma linguista especializada no tema (Iara B. Costa) diz que, em comparação com os textos literários, «os textos não literários são avaliados como manifestações que fazem um uso reduzido das possibilidades expressivas da linguagem».
– Tá, beleza, Pestana... Mas na prática, na prática, por que a linguagem literária é considerada mais expressiva às demais do ponto de vista do Coseriu
Compare os exemplos abaixo para perceber as potencialidades da linguagem literária em relação às demais:
No mistério do sem-fim
Equilibra-se um planeta
E, no jardim, um canteiro
No canteiro, uma violeta
E, sobre ela, o dia inteiro
A asa de uma borboleta
Agora, sua possível versão em linguagem científica:
Na vastidão do universo, há um planeta que apresenta um espaço planejado, normalmente ao ar livre, para a exibição, cultivo e apreciação de plantas, flores e outras formas de natureza, como um lepidóptero.
Por fim, sua possível versão em linguagem corrente:
No universo tem um planeta com um jardim que no canteiro tem uma violeta com uma borboleta pousada nela o dia inteiro.
Para Coseriu, essas três formas de uso da língua não são apenas diferentes usos da língua: ele considera, de fato, que as linguagens não literárias são «reduções» da linguagem literária, uma vez que «é nelas que se suspendem ou desatualizam muitas funções linguísticas que, em sua máxima potência, estão presentes no falar literário».
Sim, a linguagem literária é o uso da língua em seu «estado de arte». É exatamente por esse motivo que, ao longo de dois milênios, ela serviu de modelo, de «ideal linguístico» para o chamado «bom uso» da língua registrado nas consagradas gramáticas normativas, que sistematizaram a «norma-padrão» – um produto cultural histórico cuja sociedade elegeu e/ou aceitou (até então!) como norma de referência supradialetal, influenciando a norma culta, a qual, nas palavras do gramático Celso Cunha, corresponde a «uma entre as muitas variedades de um idioma... sempre a mais prestigiosa, porque atua como modelo, como norma, como ideal linguístico de uma comunidade».
E aí, concorda com Coseriu?
......................
Para a consulta da visão do linguista sobre esse tema, recomendo a seguinte referência:
Apontamento do gramático brasileiro Fernando Pestana, publicado no mural do Facebook Língua e Tradição, no dia 8 de maio de 2022.