Toda a gente sabe que a forma correta deste topónimo do norte de Portugal é com «de Varzim», portanto, sem artigo definido. E, no entanto, diz-se e até se escreve «do Varzim». Que explicação haverá para este uso erróneo e na insistência nele?
O uso de artigo definido com os topónimos levanta sempre questões quando se confronta o que se julga serem regras infalíveis e a observação de casos a elas esquivos. Assim, considera-se que os topónimos com origem em nomes do léxico comum são precedidos de artigo definido, numa generalização sustentada em exemplos muito conhecidos como «o Porto» (com origem na palavra porto, ou melhor, na forma vulgar latina etimológica, portu-) e «a Figueira (da Foz)», de figueira. Topónimos que não possam ser identificados com nomes comuns rejeitarão, obviamente o artigo definido, e é por isso que dizemos «vou a Lisboa», e não «à Lisboa», porque no léxico do dia a dia não existe um termo *lisboa ou outro semelhante que dê transparência interpretativa ao nome da capital de Portugal. Lisboa é, portanto, um topónimo opaco, ou seja, é topónimo resistente a uma interpretação óbvia e requer pesquisa histórica.
A tendência para colocar um artigo definido onde ele não está atestado em tempos mais recuados pode ser levada ao exagero. Terá sido o que aconteceu à expressão composta "Póvoa do Varzim", dando ao topónimo Varzim um toque informal, a que a oficialidade contrapõe Póvoa de Varzim, forma correta do ponto de vista histórico. Com efeito, Varzim tem origem num nome pessoal (antropónimo), e a toponímia com origem em antropónimos é utilizada sem artigo definido. Assim, as vilas e cidades que devem o nome a nomes próprios de origem germânica ou latina (ou até pré-latina) aparecem sem artigo definido, como comprovam Gondomar (do nome germânico Gundemarus) ou Sever (do latim Severus), que dispensam artigo definido («venho de Gondomar/Sever»)1. Do mesmo modo, Varzim, sendo resultado do antropónimo latino Veracinus, prescinde da companhia do artigo definido o. Quanto à toponímia de origem árabe, a de etimologia mais intrincada ocorre sem artigo definido: Alfândega da Fé, (Fornos de) Algodres, Almofala, Alcabideche, Almada, Alvalade, Aljezur, entre outros, são nomes de cepa arábica que rejeitam o artigo definido.
É curioso registar que, na toponímia de Portugal continental, a ausência de artigo definido foi em tempos a tendência, mesmo com topónimos originários de nomes comuns. O grande filólogo, dialetólogo e etnógrafo Leite de Vasconcelos (1858-1941) chegou mesmo a afirmar o seguinte:
«[É] tendência da língua portuguesa simplificar (e mesmo suprimir) do e da (e o plural) em de, antes dos nomes de terras, quando estes provém de substantivos communs, ou de nomes que se acompanham do artigo : assim diz-se Val d' Anta (Tras-os-Montes) por V. da Anta, e póde dizer-se Ponte de Lima em vez de P. do Lima. Além d'isso de tem-se como partícula nobiliárquica. Por tal motivo o poeta Anthero, que em alguns seus primeiros escritos, d'acôrdo com as tradições da família (vid. In Memoriam, pag. vii-ix), adoptava do Quental, passou depois a adoptar de Quental [...].» (Leite de Vasconcelos, Lições de Filologia Portuguesa, 2.ª edição, 1926, p. 125, n. 1)
Acrescente-se que, com os topónimos originários de nomes comuns e geralmente utilizados com artigo definido, é ainda prática corrente apresentá-los sem artigo definido nas denominações de concelhos e freguesias, marcando um estilo mais formal. Assim sucede com a Chamusca (Santarém), cuja autarquia se autodenomina no respetivo portal ora como «Câmara Municipal da Chamusca» ora como «Câmara Municipal de Chamusca». Saindo do Continente e indo aos Açores, encontra-se Lagoa, cujo uso apresenta iguais oscilações [cf. "Artigo definido com topónimo novamente: 'vila da Lagoa' (Açores)"].
Como o tema não se esgota aqui, é de esperar que continuem a registar-se mais casos contraditórios das grandes tendências de ocorrência ou omissão do artigo definido no uso dos topónimos portugueses.
1 Para as etimologias destes nomes e de outros mencionados no presente texto, ver José Pedro Machado, Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa.
Nota: A seleção da imagem à direita deve-se à ajuda de Paulo J. S. Barata, a quem agradeço a chamada de atenção para este mote humorístico.