«(...) [A] lista (obviamente subjectiva e parcial, com omissões que muitos apontarão e inclusões que outros contestarão, a escrita obedecendo ao malfadado acordo ortográfico que absurdamente nos persegue) leva-nos a recordar 80 personagens que povoam a memória colectiva pelas mais variadas razões, positivas ou negativas, consoante o juízo de cada qual. (...)»
Na próxima terça-feira vão celebrar-se 49 anos do 25 de Abril, com maiúscula. Já não são os 48 completados em 2019 e mais aparentados à duração da ditadura (que durou exactamente 47 anos, 10 meses e 27 dias) nem o meio século que há-de festejar-se em 2024, logo se verá como e com que disposição geral. São 49, num meio-termo que não suscita grandes alusões. Por isso, à medida de tal número, de entre centenas de livros editados desde 1974 com o 25 de Abril por mote, tropeçámos num que faz agora dez anos e que, sob um título anódino (25 Abril 1974 Liberdade), retrata em pequenos textos e outros tantos retratos desenhados «80 figuras que marcaram os anos da revolução».
Assinado por João Malheiro e Nuno Pedreiro, o primeiro um jornalista e comentador «com uma forte ligação à tribo do futebol» (como nos é apresentado na badana do livro) e o segundo um retratista dedicado «à banda desenhada e à decoração de interiores», o mais curioso neste livro, editado pela Quidnovi em Abril de 2013, é o próprio inventário. Independentemente do juízo que possa fazer-se acerca dos seus textos e retratos, a lista (obviamente subjectiva e parcial, com omissões que muitos apontarão e inclusões que outros contestarão, a escrita obedecendo ao malfadado acordo ortográfico que absurdamente nos persegue) leva-nos a recordar 80 personagens que povoam a memória colectiva pelas mais variadas razões, positivas ou negativas, consoante o juízo de cada qual.
Estruturada alfabeticamente (de Adelino da Palma Carlos a Zeca Afonso), a lista de nomes é composta maioritariamente de homens, com apenas sete mulheres. Uns mais ligados à política (27), outros às artes (29), à comunicação social (6) ou à vida militar (18). Mais de metade dos 80 tinha morrido antes da edição. Um ainda nos anos 70 (Ramiro Correia), nove nos anos 80 (Adriano Correia de Oliveira, Ary dos Santos, Francisco Sá Carneiro, José Gomes Ferreira, Maria Lamas, Pinheiro de Azevedo, Ruy Luís Gomes e Zeca Afonso), 17 nos anos 90 (Adelino da Palma Carlos, Amália Rodrigues, António de Spínola, César de Oliveira, Fernando Lopes-Graça, Salgado Zenha, Francisco Sousa Tavares, José Cardoso Pires, Melo Antunes, Miguel Torga, Natália Correia, Octávio Pato, Pereira de Moura, Rogério Paulo, Salgueiro Maia, Teixeira Ribeiro, Vasco da Gama Fernandes e Virgínia Moura) e 22 já nos anos 2000 (Álvaro Cunhal, Carlos Fabião, Cónego Melo, Costa Gomes, Costa Martins, Fialho Gouveia, Galvão de Melo, Henrique de Barros, Jaime Neves, José Saramago, José Viana, Magalhães Mota, Manuel Serra, Mário Castrim, Óscar Lopes, Palma Inácio, Raul Rêgo, Raul Solnado, Rosa Coutinho, Sophia de Mello Breyner Andresen, Vasco Gonçalves e Vítor Alves).
Nos dez anos de publicação do livro, que se cumprem neste Abril, a lista original sofreu ainda mais 13 baixas, com as mortes de Almeida Santos, António Arnaut, Arnaldo de Matos, Diniz de Almeida, Freitas do Amaral, Gonçalo Ribeiro Telles, Jorge Sampaio, José Mário Branco, Luís Filipe Costa, Mário Soares, Nuno Teotónio Pereira, Otelo Saraiva de Carvalho (que, aliás, assina o prefácio do livro, intitulado "Para que a memória prevaleça e o olvido não triunfe”) e Pires Veloso. Do inventário citado, permanecem bem vivos, neste 49.º aniversário do 25 de Abril de 1974, um total de 18: António Victorino D’Almeida, Carlos Cruz, Duran Clemente, Fernando Tordo, Ferro Rodrigues, Isabel do Carmo, Joaquim Letria, José Barata-Moura, José Jorge Letria, Luís Cília, Manuel Alegre, Manuel Freire, Maria Teresa Horta, Paulo de Carvalho, Pinto Balsemão, Ramalho Eanes, Sérgio Godinho e Vasco Lourenço.
Assim, citados a eito, serão apenas nomes. Mas se atentarmos em cada um deles, há muitas histórias e memórias que lhes estão associadas e que reavivam várias outras, outros nomes, acontecimentos, coisas que dá gosto lembrar ou que lembramos apenas para que não voltem a acontecer. Por curiosa coincidência, dois dos integrantes desta lista receberam há dias das mãos do Presidente da República a Ordem da Liberdade: os cantores e compositores Fernando Tordo e Paulo de Carvalho que, entre as muitas canções que criaram ou interpretaram, deram voz a duas que marcaram o Festival da Canção e o final da ditadura, respectivamente Tourada (que em 1973 já prenunciava a queda do regime) e E depois do Adeus, uma das senhas do 25 de Abril. A mesma distinção recebeu o cartoonista António (do Expresso), pela pena do qual têm passado episódios inesquecíveis da vida política portuguesa nos últimos 50 anos. Não faz parte da lista, mas a sua obra, como a dos músicos citados, traz consigo a palavra Liberdade.