« (...) Quando falamos de poesia, falamos necessariamente da língua onde ela se inscreve. A poesia é a música da nossa língua. (...)»
Na Grécia antiga, o poeta era aquele que cantava as aventuras dos deuses ou de heróis lendários, acompanhado pela lira ou pela cítara. Para os romanos, era o profeta, que vaticinava o futuro. Era o intérprete da melodia celestial. Entre os celtas e os gálios, o bardo era aquele que exaltava o valor dos guerreiros, era um trovador e um menestrel, alguém que compunha poemas, os musicava e cantava de terra em terra.
Se, por um lado, o poeta é um ser dotado de ouvido, um escutador de sinais, um mediador entre o transcendente e o real, um mensageiro; por outro, ele é um artesão que luta, corpo a corpo, com a palavra, ouvindo-lhe todos os sons, dando cor à página branca, quantas vezes numa gestação lenta, sofrida, parida com dor. Um poema pode ser luta até à última sílaba métrica, pode deixar aparas pelo chão, até ao último som rimado, pode ser um grito de revolta ou um gemido de alívio. Um poema pode ser um canto de paz, ou um canto de revolução.
A nossa língua tem, desde o seu início, uma vocação musical. Que o digam os poetas dos princípios dos nossos tempos. Que o diga D. Dinis, nos seus cantares de amigo. Que o digam todos os poetas, todos os músicos da palavra, de ontem e de hoje.
Quando falamos de poesia, falamos necessariamente da língua onde ela se inscreve. A poesia é a música da nossa língua. A base de um património comum que herdámos e queremos guardar, cuidar, partilhar, porque uma língua como a nossa não se perde, não se esgota, não se prende. Pode, pela sua energia em movimento, sofrer mudanças, alterações na forma, no som, e até no sentido de algumas palavras. Contudo, uma língua como a nossa não muda na sua essência, naquilo que ela representa como matriz de um povo, de uma “alma atlântica”, pelos vários continentes repartida e vivida. A nossa língua, a portuguesa, é a nossa casa. O nosso abrigo.
Da nossa língua vê-se todo o passado e todo o futuro ainda por achar dentro de cada um de nós que a falamos. «Minha pátria é a língua portuguesa», diz Pessoa. Eu digo a minha língua é a minha pátria, pois nela vivo e, por isso, vivo.